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Phantasy Star: uma jornada pelas estrelas

Conheça a história da criação do Phantasy Star, a resposta da Sega para o sucesso do Dragon Quest e que só foi possível pela genialidade de algumas pessoas

3 anos atrás

Com o passar dos anos alguns jogos conseguem atingir o status de clássicos, sendo muito admirados pelas pessoas e lembrados com carinho. Porém, poucos são aqueles que conseguem romper esta barreira, tornando-se quase uma religião e sendo cultuados até hoje por quem teve a sorte de experimentá-los na época de seus lançamentos. O primeiro Phantasy Star é um destes casos.

Phantasy Star

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

O nascimento de um dragão

Mas para explicar o impacto e importância que aquele jogo teve para a indústria de games, precisamos voltar para meados da década de 1980. Após verem os ocidentais usarem os computadores para criar RPGs como Ultima e Wizardry, os desenvolvedores japoneses começaram a enxergar nos consoles uma ótima maneira de levar títulos assim para os consumidores. Entre eles estava Yuji Horii, game designer que teve a ideia de juntar a fantasia medieval com a narrativa dos animes e com a ajuda do mangaka Akira Toriyama, em 86 ele lançou o lendário Dragon Quest.

Embora seja apontado como o jogo que fundou os alicerces para o RPGs japoneses, as vendas iniciais indicavam que o título seria um fracasso e hoje sua jogabilidade pode ser considerada um tanto simplista. No entanto, conforme a revista Shonen Jump passou a publicar matérias com o criador do jogo, o interesse do público local cresceu, com a arte de Toriyama e a trilha sonora composta por Koichi Sugiyama caindo no gosto dos jogadores.

No ano seguinte a Enix tratou de aproveitar o sucesso alcançado por aquele jogo e colocou no mercado japonês uma continuação, com um terceiro capítulo estando previsto para chegar já em 88. Enquanto isso, a Sega lutava para fazer com que o Master System ganhasse tração no Japão e após realizar uma pesquisa com um fã-clube da empresa e descobrir que o título mais aguardado pelos seus consumidores era justamente o Dragon Quest III: The Seeds of Salvation, exclusivo para o Famicom, eles perceberam que estava na hora de agir.

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

Uma equipe dos sonhos

Tentar bater de frente com algo tão bem-sucedido quanto a série criada pela Chunsoft seria uma tarefa bem complicada e a Sega sabia que aquela era uma aposta que eles não poderiam perder. Então sabendo que Kotaro Hayashida e Yuji Naka estavam interessados em criar um RPG, os executivos da companhia deram o aval para eles formassem a equipe que ficaria responsável pelo projeto.

Já gozando de bastante prestígio dentro da empresa, Hayashida havia trabalhado em títulos como Ninja Princess e Pitfall II, além de ter assinado um dos maiores sucessos da Sega até então, o Alex Kidd in Miracle World. Naka por sua vez era visto como um programador extremamente talentoso, tendo sido ele o responsável pelas impressionantes adaptações para o Master System de títulos que faziam muito sucesso nos fliperamas, como Out Run e Space Harrier.

Contudo, eles ainda precisavam de uma pessoa para criar a parte visual e as músicas, tarefas que ficaram sob a responsabilidade de Rieko Kodama e Tokuhiko Uwabo, respectivamente. Outros seis profissionais ainda seriam escolhidos para fazer parte do desenvolvimento daquele RPG, entre eles o designer de personagem Naoto Ohshima (que mais tarde criaria o Sonic the Hedgehog) e um detalhe que chama a atenção é a quantidade de mulheres que fizeram parte da equipe, algo muito raro para a época. Além da própria Kodama, ainda havia Miki Morimoto, que ficou responsável por testar o jogo e configurar as estatísticas dos inimigos; e Chieko Aoki, que escreveu tanto a história original quanto o roteiro.

Mas além do fato de ter várias mulheres em cargos importantes e de nos colocar no controle de uma protagonista, outro ponto a ser destacado naquele projeto é o fato dele não ter contado com um diretor. Coube a Naka e Hayashida dividirem o comando dos profissionais e com todos trabalhando numa mesma sala e sem que houvesse qualquer tipo de restrição imposta pela Sega, há quem defenda que este tenha sido o principal motivo para o resultado final ter sido tão bom.

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

Limitações técnicas, engenhosidade e 3D

Especulações a parte, após terem selecionado aqueles que trabalhariam na criação do RPG, faltava decidir como ele seria. O que a equipe sabia era que eles queriam algo que parecesse bastante diferente do que havia até então e uma das ideias foi misturar fantasia com ficção científica. Para isso eles decidiram usar como referência a saga Star Wars, mesmo porque os filmes sempre mesclaram muito bem a cultura ocidental e a japonesa — sabres de luz, roupas parecidas com quimonos, etc.

Foi aí que entrou toda a genialidade de Kodama e Yuji Naka. Enquanto a primeira desdobrou-se para criar cenas não-interativas e animações, coube ao programador fazer com que tudo coubesse nos 4 mega que estariam disponíveis para o cartucho. Para a época, isso era bastante memória, tanto que o Phantasy Star foi o primeiro título a usar tanta memória, mas o jogo acabou ficando muito grande e por isso muitos sacrifícios tiveram que ser feitos.

Entre os detalhes que não puderam ser incluídos na versão final estavam animações para os heróis durante as batalhas (embora cada arma tivesse um efeito diferente); a necessidade de fazer com que parte das imagens dos cenários fossem espelhadas; um quarto planeta que estava previsto na história inicialmente; ou até mesmo a limitação de usar sprites para animar apenas algumas partes dos personagens, com o restante deles fazendo parte do cenário.

Mesmo assim, o Phantasy Star acabou se mostrando um jogo que parecia estar vivo. Graças a ideia da equipe de que ele precisava ter o máximo de animação possível, enquanto jogávamos era possível ver a água do mar avançando e recuando sobre a costa ou os inimigos realizando pequenos movimentos. Isso era algo que não tínhamos em um Dragon Quest ou um Final Fantasy, contudo, havia algo na parte gráfica que fez com que o jogo da Sega realmente se destacasse: os calabouços 3D.

Assim como tínhamos nos RPGs ocidentais, o Phantasy Star foi desenvolvido sobre o conceito de calabouços que poderiam ser explorados em três dimensões. O problema é que para isso seria preciso criar uma animação que permitisse que os jogadores se orientassem mais facilmente e se até então o normal era os artistas usarem uma imagem 2D com perspectiva 3D para cada frame, para poupar espaço no cartucho Naka decidiu criar uma engine que gerava dungeons em wireframe, bastando que Kodama adicionasse sua arte depois.

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

Mas além de economizar muita memória, o trabalho do programador ainda conseguiu outra façanha: permitir que a imagem dos calabouços ocupasse toda a tela, quando o normal em RPGs assim era que elas pudessem ser vistas apenas em pequenas janelas. No fim das contas, o desempenho alcançado mostrou-se tão surpreendente que a velocidade enquanto andávamos pelos calabouços precisou ser reduzida.

Outra sacada brilhante de Yuji Naka foi no sistema de save. Num primeiro momento a ideia era fornecer um sistema de password, mas devido a limitação de memória, a equipe de desenvolvimento teve que recorrer a uma bateria. O problema é que durante os testes eles notaram diversos erros nos salvamentos e para evitar que as pessoas perdessem seu progresso, o programador criou um sistema de backup, permitindo assim que os dados corrompidos fossem restaurados automaticamente.

Por fim, Phantasy Star ainda contava com o Yamaha YM2413, um chip que adicionava nove canais ao gerador de som do console e que fazia com que a qualidade sonora se aproximasse muito daquilo que só era possível nos arcades. Infelizmente esse chip só esteve presente na versão japonesa do jogo, mas nem por isso aquela que conhecemos por aqui deixou de encantar com as belas músicas compostas por Tokuhiko Uwabo.

A chegada ao brasil e a formação de jogadores

Mas se quando o Phantasy Star chegou ao Japão e aos Estados Unidos os RPGs eletrônicos já atraiam a atenção de muita gente, por aqui a situação era bem diferente, especialmente nos consoles. Com o público dando mais atenção a outros gêneros, a diferença da língua era um fator que pesava muito contra títulos com quantidades enormes de textos e se não fosse pela ousadia de uma empresa brasileira, este cenário poderia ter demorado bem mais para começar a mudar.

Apostando pesado na popularização do Master System, no início da década de 90 a Tec Toy viu naquele jogo uma ótima oportunidade, mas para que ele tivesse sucesso, os executivos imaginaram que seria preciso localizá-lo para a nossa língua. Se ainda hoje temos muitos RPGs que não chegam por aqui em português, imagine fazer isso há 30 anos, com toda as limitações técnicas da plataforma e com a falta de profissionais especializados.

Ainda assim, o investimento feito por eles tanto na localização quanto na divulgação do jogo fez com que o retorno acontecesse. As vendas alcançaram níveis impressionantes e na época era praticamente impossível conhecer algum dono de um Master System que não tivesse ao menos experimentado aquele título e se hoje temos uma enorme quantidade de brasileiros apaixonados por JRPGs, o trabalho feito pela Tec Toy tem uma grande responsabilidade nisso.

Depois vieram três continuações para o Mega Drive, sendo que apenas a última não recebeu o mesmo tratamento por parte da empresa que representava a Sega por aqui, além de alguns spin-offs e mais tardes versões que poderiam ser jogadas online. No entanto, nada disso teria acontecido sem o trabalho fantástico realizado por aquelas pessoas que —  há mais de três décadas — ousaram desafiar o poderio da Nintendo. Isso numa época em que mediamos a grandiosidade dos jogos por alguns mega, mas acima de tudo, pela habilidade dos profissionais em nos entregar tanto, mesmo tendo acesso a tão pouco.

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