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Zé do Caixão: um tributo a José Mojica Marins

O cineasta José Mojica Marins nos deixou ontem aos 83 anos, mas deixou sua marca na história do cinema nacional com o seu personagem Zé do Caixão

4 anos atrás

Faleceu ontem em São Paulo aos 83 anos por consequências de uma broncopneumonia o cineasta José Mojica Marins, que revolucionou o gênero de terror nacional com seu personagem Zé do Caixão, ou Coffin Joe, como ele ficou conhecido no exterior.

José Mojica Marins como o personagem Zé do Caixão

Mojica teve uma respeitável carreira, na qual dirigiu 40 filmes (sem contar os curta-metragens), e também participou como ator de outras 10 produções. Sua estratégia para chamar a atenção para seu trabalho era se tornar o personagem, e isso ele fez muito bem ao longo da sua vida, o que ajudou a colocar o Zé do Caixão no imaginário popular do Brasil.

Sua carreira cinematográfica começou bem antes do Zé do Caixão. Nascido em uma sexta-feira 13 em março de 1936, José era filho de imigrantes espanhóis e cresceu assistindo a filmes no cinema no qual seu pai trabalhava como gerente, o que mostra que desde criança sua vida daria um belíssimo filme.

Aos 12 anos, ele ganhou uma câmera de 8mm, e começou a fazer seus filmes caseiros. Logo a câmera foi trocada por uma de 16mm, e alguns anos depois, Mojica montou sua própria companhia de cinema, na qual dava aulas de interpretação. A Escola de Cinema Apolo acabou se tornando sua produtora Atlas, na qual usava o dinheiro que tinha ganho dando aulas.

O personagem Zé do Caixão

Descanse em paz, José Mojica Marins

Zé do Caixão, o personagem que tornaria Mojica famoso, ainda que não rico, surgiu em um pesadelo, e foi logo aproveitado, mas a princípio ele não faria o papel principal, só assumiu a dupla função depois que o ator escalado desistiu da missão por conta de uma cena com uma aranha.

O tão malvado quanto carismático Zé do Caixão foi apresentado no filme À meia-noite levarei sua alma, dirigido por José Mojica Marins em 1964, e voltou novamente em Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, de 1967.

Zé do Caixão foi um personagem que se confundia com o próprio cineasta, mas curiosamente, ele não tinha esse nome no roteiro do primeiro filme, e ganhou esse apelido de forma orgânica do próprio público. O sucesso do Zé do Caixão ultrapassou o cinema, e foi adaptado para quadrinhos, livros, literatura de cordel, músicas, programas de TV e até brinquedos. A obra de Mojica também foi tema de um curso que eu queria ter feito.

Em 1968, ele ainda dirigiu O Estranho Mundo de Zé do Caixão, um filme com três histórias (O Fabricante de Bonecas, Ideologia e Tara). Em 1969 lançou Finis Hominis, sem o Zé do Caixão, mas mesmo assim, não conseguiu se livrar da perseguição por parte da censura. Usando o pseudônimo J. Avelar, produziu muita coisa estranha nos anos 70, tudo para conseguir pagar as contas.

José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão

O nome O Estranho Mundo de Zé do Caixão é o mesmo de um programa que passou nos canais Bandeirantes e depois na Tupi no final dos anos 60, e muitos anos mais tarde, foi usado novamente em um programa de entrevistas apresentado por Mojica no Canal Brasil, que durou 7 temporadas.

No programa, José aparecia caracterizado como o seu famoso personagem. No papo abaixo podemos ver uma conversa do mestre do terror nacional com a atriz (e musa) Alessandra Negrini.

Em 1977 ele usou cenas cortadas ou censuradas de outros filmes do Zé do Caixão para incluir em um novo filme, Delírios de Um Anormal, no qual o Zé do Caixão aparecia em delírios de um dos personagens, um psiquiatra. O filme era uma colcha de retalhos, mas mesmo assim foi censurado e só lançado dois anos depois.

Nos anos 80, Mojica seguindo fazendo um pouco de tudo, até pornochanchadas, mas na década seguinte, felizmente foi descoberto por um novo público, e se tornou um cineasta cult. Lançada em 1998, a biografia Maldito: A vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão foi escrita por André Barcinski e Ivan Finotti, e ganhou uma edição de luxo disponível no site da editora Darkside.

Esse livro deu origem ao documentário Maldito, que acabou sendo premiado em 2001 pelo júri do prestigiado Festival de Sundance como um dos destaques do cinema latino daquele ano. A trilogia oficial do Zé do Caixão só seria completa em 2008, com Encarnação do Demônio, filme que rendeu a Mojica reconhecimento internacional e alguns prêmios.

Encarnação do Demônio: o reconhecimento e o fim da trilogia

Apesar de ter interpretado o personagem em outros filmes e em muitos programas de TV, o terceiro filme do Zé do Caixão Encarnação do Demônio, só saiu do papel (o roteiro estava escrito desde o final dos anos 60) por conta dos cineastas Dennison Ramalho e Paulo Sacramento, que são fãs e entusiastas dos primeiros filmes e do personagem.

As filmagens aconteceram em 2007, mas Mojica quis fazer o filme por muito tempo antes disso, só que teve que enfrentar uma "maldição" na qual três produtores envolvidos com o projeto acabaram morrendo. Jece Valadão morreu durante as filmagens, mas antes deu uma entrevista livrando a cara de Mojica e de uma possível maldição, avisando que já estava doente.

Encarnação do Demônio foi selecionado para passar em uma mostra não competitiva no Festival de Veneza, o que encheu o cineasta de orgulho. Na época do lançamento do filme em 2008, Mojica deu várias entrevistas, nas quais falou sobre a "panela" do cinema nacional e sobre a resistência que enfrentou da censura e da ditadura.

Segundo Mojica, ele precisou mudar o final de seu segundo filme para fazer o Zé do Caixão se converter, uma cena que ele conseguiu reverter em Encarnação do Demônio. No mesmo papo, ele falou sobre as atualizações que fez para tornar o personagem mais atual sem descaracterizá-lo, incluindo o novo cenário da trama, a imensa e complexa cidade de São Paulo.

Essa e outras histórias Mojica contou nessa outra entrevista, no qual contou que uma vez tentou apresentar outro ator para fazer o Zé do Caixão, mas o público ficou revoltado, o que o fez perceber que não existe substituto para o seu personagem clássico: "...não há substituto para Zé do Caixão – como não houve para Chaplin, para Chacrinha, como não haverá para Silvio Santos."

Um legado de terror

Se o cinema do gênero terror no Brasil hoje em dia tem produzido cada vez mais, isso se deve em muito a toda a influência do trabalho de Mojica nas novas gerações e cineastas. A gente torce para que o cinema de terror nacional continue evoluindo, seguindo o exemplo do cinema argentino do gênero, que vive produzindo ótimos filmes de terror e vai ganhar inclusive um remake nos Estados Unidos feito por Guillermo del Toro.

José Mojica Marins como o personagem Zé do Caixão

O corpo de José Mojica Marins será velado nesta quinta (20/02) no Museu da Imagem e do Som de SP, o MIS, e eu realmente não consigo pensar em um lugar mais apropriado, especialmente pois a cerimônia será aberta ao público.

Espero que José Mojica Marins descanse em paz por conta de todos os serviços prestados em vida, e tenho certeza de que o seu personagem Zé do Caixão vai arder para sempre no inferno imaginário da memória do cinema.

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