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Canal do Panamá: a força-tarefa de engenharia e como está tudo hoje

Conheça a história do Canal do Panamá, uma das maiores obras de engenharia do século XX e que desencadeou até um processo de independência

5 anos atrás

O canal do Panamá é sem dúvida uma das maiores obras de engenharia do período entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. Sua construção consumiu uma enormidade de recursos, custou centenas de vidas e até desencadeou o processo de independência daquele país.

Em seus mais de 100 anos de operação, o canal é hoje uma passagem vital entre os oceanos Atlântico e Pacífico, mas até ele chegar onde está levou muito, muito tempo.

Canal do Panamá

O que é o Canal do Panamá?

O canal do Panamá é um canal artificial de 82 km de extensão situado na região sul do... Bem, Panamá. Ele fica localizado no istmo do Panamá (uma faixa de terra estreita que liga duas extensões de terra, como continentes, com água dos dois lados) e sua função é servir de ligação marítima entre o Mar do Caribe, no Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.

Sua posição extremamente estratégica foi considerada por séculos (mais a seguir) por diversos países, por ser uma opção muito mais rápida e segura de se alcançar o Pacífico através do Atlântico do que contornar o cabo Horn, no Chile (a porção final do continente americano), seja pela passagem de Drake (que possui um dos piores climas marítimos do planeta) ou pelo estreito de Magalhães, ambos de difícil navegação.

Em termos práticos, o canal do Panamá encurtou em muito o tempo de viagem entre a costa leste e oeste dos Estados Unidos pelos meios marítimos, bem como facilitou o acesso de países do ocidente a nações banhadas pelo Pacífico, tornando o leste da Ásia mais integrado à economia mundial.

Hoje, a travessia leva em torno de 11 horas e o canal é extremamente importante para o comércio e até para operações navais, com cerca de 14 mil navios passando por ele por ano (dados de 2008).

História do canal

Estudos para a construção de um canal ligando os dois oceanos datam desde o século XVI: em 1534 o rei Carlos I de Espanha encomendou ao governador do Panamá uma análise para a obra atravessando o istmo, o que daria uma vantagem aos espanhóis sobre os portugueses (na época as duas nações ibéricas "dividiam" o Novo Mundo entre si, como acordado no Tratado de Tordesilhas). Na época, tal empreendimento foi considerado "impossível".

Com o passar dos séculos, o desenvolvimento de novas técnicas de engenharia viabilizaram a construção de canais em diversos lugares do mundo, como o canal de Eire nos Estados Unidos (no estado de Nova Iorque), em 1820, ou o canal de Suez (que liga a Ásia meridional à Europa), em 1869.

Culebra Cut

Vale de Culebra em 1885, com a obra ainda sob administração francesa

Ainda em 1826, oficiais americanos começaram a negociar a construção do canal com o governo da Grã-Colômbia (país composto pelo que são hoje Colômbia, Panamá, Equador e Venezuela), proposta rejeitada por Simón Bolívar que temia (com certa razão) que o país se tornasse uma colônia novamente, desta vez dos Estados Unidos.

Embora o plano não tenha dado certo, em 1855, os EUA e a República de Nova Granada (formada por Colômbia, Panamá e partes que hoje pertencem ao Equador, Nicarágua, Costa Rica, Peru, Venezuela e Brasil) estabeleceram uma ferrovia ligando os dois oceanos, atualmente a Ferrovia do Canal do Panamá, que pertence a uma empresa americana e opera até hoje.

Chegam os franceses, mas...

A primeira tentativa de construção do canal começou em 1881 e foi tocada pelos franceses, que tinham o canal de Suez no portfólio (então uma tremenda obra). O diplomata Ferdinand de Lesseps, então responsável por Suez, levantou fundos para a obra no Panamá, que deveria ser originalmente um canal no nível do mar.

No entanto, o plano se mostrou ingênuo: o rio Chagres, o mais largo que compõe o canal, chega a se elevar 10 metros no período de chuvas, que dura oito meses. O próprio de Lesseps não visitou a obra mais do que em algumas ocasiões, todas no período da seca, de forma que ele não teve como avaliar a complexidade da região, muito diferente da encontrada no Egito.

Excavator in Culebra Cut, 1896

Escavadora francesa no Vale de Culebra. Foto de 1896

Sem contar que os trabalhadores tinham que desbravar a mata panamenha à força, cheia de males terríveis como... Mosquitos. Surtos de malária, febre amarela e outras doenças tropicais (na época, não se conhecia o papel dos mosquitos como vetores), além de ataques de serpentes e acidentes logo elevaram a taxa de mortalidade da força de trabalho para uma média de 200 por mês.

Em 1889, os franceses previsivelmente se renderam, após a iniciativa simplesmente zerar todo o caixa. Saldo final: US$ 287 milhões gastos, 22 mil trabalhadores mortos, 800 mil investidores que perderam tudo o que injetaram e uma obra inacabada. Alguns responsáveis pelo escândalo, como de Lesseps e Gustave Eiffell foram processados, com o primeiro sendo condenado a 5 anos de prisão. Ele nunca foi preso e faleceu em 1894.

A proposta irrecusável dos EUA

Entre 1894 e 1903 foi estabelecida uma força de trabalho mínima no canal, para cumprir contratos e procurar um comprador para a obra. Na época, o Congresso dos EUA buscava uma opção de travessia do Atlântico para o Pacífico e, além do canal do Panamá, havia a possibilidade de empreender uma obra na Nicarágua.

O presidente Theodore Roosevelt acreditava que os EUA seriam capazes não só se terminar a obra, como que garantir seu controle asseguraria uma vantagem comercial e militar para os país. Assim, em 1902, os interesses franceses no canal foram comprados por US$ 40 milhões, embora o valor original pedido pelo lobista Philippe-Jean Bunau-Varilla em prol da França tenha sido de US$ 100 milhões. O motivo, não perder a boca para a Nicarágua.

Em 1903, o Tratado Hay-Herran foi assinado entre os dois países, que estabelecia um pagamento de US$ 10 milhões à Colômbia e mais US$ 250 mil anuais (ambos em ouro), pelo arrendamento renovável de uma faixa de 9 km no istmo do Panamá por 100 anos.

O tratado foi ratificado pelo Congresso dos EUA, mas não pelo da Colômbia, logo ele não teve efeito. Roosevelt, que não era flor que se cheirasse não aceitou um "não" como resposta e tratou de suportar ativamente grupos de rebeldes separatistas, que buscavam desmembrar o Panamá da Colômbia.

Political charge / Burnau-Varilla, Roosevelt and the Panama Independence / canal do panamá

Charge de 1903 mostra Bunau-Varilla e Theodore Roosevelt se aproveitando do recém-independente Panamá para conseguir a concessão do canal para os EUA

Em novembro de 1903, o governo dos EUA reconheceu a independência panamenha e assinou um novo contrato, em termos semelhantes com o original recusado pela Colômbia, mas de concessão por tempo indefinido, ratificado pelo então embaixador do Panamá nos EUA, coincidentemente, Bunau-Varilla (que passou 17 anos fora do Panamá e só ganhou o cargo porque financiou os revoltosos).

A jogada de Roosevelt foi classificada como um ato de "diplomacia de canhoneira", ao fazer uso do poder militar dos EUA para intimidar a Colômbia e evitar uma guerra direta, o que para o bem ou para o mal, funcionou. A Colômbia só foi compensada em 1921, com US$ 25 milhões e um pedido formal de desculpas dos Estados Unidos por ter interferido no conflito interno.

A construção do canal sob administração americana teve início em 1904, com o projeto sendo modificado: ao invés de um canal no nível no mar, ele respeitaria a topologia do istmo e usaria um sistema de eclusas, para elevar e rebaixar os navios ao nível navegável pelos rios e de um oceano a outro. Ações sanitárias foram usadas para diminuir a incidência de febre amarela e malária. Na época, já se sabia que ambas eram transmitidas por mosquitos.

Panama Canal construction in 1913 showing workers drilling holes for dynamite in bedrock, as they cut through the mountains of the Isthmus. Steam shovels in the background move the rubble to railroad cars. (Everett Historical/Shutterstock) / canal do panamá

Trabalhadores do canal, em 1913, perfurando buracos para a colocação de dinamite

Técnicas como eliminação de água parada, uso de fumacê, telas, inseticidas e sistemas hidráulicos modernos, apesar de caros se mostraram muito eficazes. Ainda que cerca de 5.600 trabalhadores tenham morrido durante a obra, o número de óbitos é menos de 25% do ocorrido na gestão francesa.

A obra foi concluída em 10 anos, tendo consumido cerca de US$ 500 milhões em valores da época. O canal foi inaugurado em 15 de agosto de 1914, com o cargueiro SS Ancon sendo o primeiro navio a atravessá-lo. O canal permaneceu sob controle americano até 1977, quando um novo tratado estabeleceu uma joint entre os dois países. Em 31 de dezembro de 1999, o canal passou inteiramente para a administração do governo do Panamá.

Como o Canal do Panamá funciona?

O canal do Panamá possui três grupos de eclusas, estruturas construídas para elevar embarcações de um nível mais baixo para um mais alto e vice-versa. Um grupo, as eclusas de Gatún, fica do lado Atlântico, enquanto as duas restantes, Pedro Miguel e Miraflores, ficam do lado Pacífico.

A parte navegável é composta por lagos artificiais, criados para permitir que os navios naveguem 26 metros acima do nível do mar, em um processo que leva de oito a 11 horas, dependendo da embarcação (o lago artificial Alajuela serve como reservatório). Cada eclusa é de mão dupla, podendo ser operada nos dois sentidos simultaneamente.

A capacidade do canal suporta navios bem grandes, principalmente após o processo de ampliação das eclusas realizado entre 2007 e 2016, que aumentou a largura de 33,5 metros para 55 metros. Os maiores navios a cruzarem o trecho, cargueiros chamados Post-Panamax, possuem uma largura máxima de 42,8 metros. Embarcações navais, de couraçados a porta-aviões dos EUA sempre usaram o canal, que desempenhou um papel importante durante a Guerra do Pacífico.

Ainda assim, os postes de luz que ladeiam o canal tiveram que ser removidos para permitir a passagem dos porta-aviões classe Essex (como o USS Yorktown abaixo), por estes serem largos demais.

USS Yorktown (CV-10) em julho de 1943 / canal do panamá

Julho de 1943: USS Yorktown (CV-10, classe Essex, não o que afundou em Midway, que era classe Yorktown, CV-5) atravessa o canal do Panamá rumo ao Pacífico

Partindo do Mar do Caribe, um navio adentra na eclusa Gatún, que possui três estágios e eleva o navio a 26 metros. Dali, ele segue viagem atravessando o istmo pelo lago Gatún, este alimentado pelo rio Chagres, por um percurso de 24 km e pelo vale Culebra por mais 12,4 km.

A seguir, o navio chega na eclusa Pedro Miguel, de estágio único, que desce o navio em 9,4 metros. O curso segue pelo lago Miraflores por 1,6 km até a eclusa de mesmo nome, que desce o navio a 16 metros até o nível do oceano Pacífico. Desse ponto é seguir viagem até o Porto de Balboa e a Cidade do Panamá, até alcançar o mar aberto.

Claro que no sentido inverso, o navio vindo do Pacífico será elevado em dois estágios e baixado em um para alcançar o Atlântico. Somando a extensão dos portos, eclusas e lagos artificiais, o canal se estende por 82 km, entre uma costa e outra do istmo do Panamá.

Este vídeo em time lapse mostra como o canal do Panamá funciona:

Hoje, o canal do Panamá é um meio importantíssimo de locomoção naval, tanto por poupar tempo e custos quanto por evitar rotas marítimas longas e perigosas. Além disso, a obra é considerada uma das Sete Maravilhas do mundo moderno, uma prova do que o engenho humano é capaz de fazer, dado o tempo, os meios e o dinheiro necessários.

Além de (é claro) uma pitada de malandragem e um porrete bem grande.

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