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Caso Telltale reacende discussão sobre sindicalização de profissionais do mercado de games

Após demitir funcionários e dizer que pretende continuar o desenvolvimento de The Walking Dead: The Final Season, a Telltale Games foi alvo de críticas e processos trabalhistas; caso reforça o argumento em defesa da sindicalização de profissionais do setor.

5 anos e meio atrás

A comunidade gamer pode ter ficado triste com o fim da Telltale Games, mas que se deu mal mesmo nessa história foram os cerca de 225 funcionários demitidos: como a empresa está em processo de falência e encerramento de suas atividades, estes não tiveram direito a salários atrasados, indenizações ou assistência social. Foram deixados completamente desamparados, sem falar que o comunicado sobre suas demissões foi feito de surpresa.

Vários ex-funcionários relataram que só tiveram 30 minutos para deixar o escritório da Telltale após o aviso, e em alguns casos deixaram até mesmo pertences pessoais para trás (eles foram autorizados a voltar dias depois e tiveram três horas para recolher tudo).

Boa parte deles relata que a Telltale era mais um estúdio adepto da prática nociva do crunching, em que o funcionário é forçado a cumprir cargas horárias excedentes e realizar tarefas que não condizem com suas capacidades nem estavam previstas em contrato, sem receber nem um centavo a mais por isso. Há casos entre os dispensados de gente que trabalhava várias horas madrugada adentro, até a véspera da dispensa de modo a cumprir metas e entregar os games dentro do prazo determinado pelo estúdio.

Esse tipo de cultura corporativa não é novidade, nos últimos anos várias denúncias foram feitas contra desenvolvedoras pequenas e grandes, entre elas a Team Bondi (L.A. Noire), a Konami, a Naughty Dog, a LucasArts, a Rockstar Games, a EA, a Quantic Dream, a Eugen Systems (Steel Division, Wargame), a MidBoss (2064: Read Only Memories), a 38 Studios (Kingdoms of Amalur: Reckoning) e várias outras. Indo além, é possível dizer que se trata de prática geral do mercado de Tecnologia da Informação, mas nos concentremos nos games por enquanto.

A Telltale informou que uma equipe mínima de 25 funcionários permaneceu para finalizar as obrigações do estúdio, o que até onde se sabe é encerrar o desenvolvimento de Minecraft: Story Mode antes de fechar as portas. Todos os demais títulos prometidos ou em desenvolvimento, incluindo os dois capítulos restantes de The Walking Dead: The Final Season foram cancelados.

No entanto, a declaração do estúdio de que ele está estudando formas de finalizar o desenvolvimento da história de Clementine com a ajuda de terceiros, sejam desenvolvedoras ou freelancers deixou muita gente fula nas calças. Principalmente os profissionais demitidos que eram os responsáveis originais pelo game.

A notícia caiu como uma bomba fedorenta na mídia, com profissionais do setor, jornalistas e mesmo gamers acusando o estúdio de falta de empatia e escrúpulos; ora, se a Telltale tem dinheiro suficiente para bancar as despesas de um game desenvolvido sem parcerias ou contratos, o lógico e moral a ser feito seria arcar com todas as responsabilidades trabalhistas e pagar tudo o que devem aos funcionários demitidos, que no momento estão em situação precária: muitos viviam de salário em salário (o custo de vida em São Francisco é bem alto) e pelo menos um deles havia sido contratado há apenas uma semana, tendo se mudado do outro lado dos Estados Unidos para a cidade. Há também ex-colaboradores de outros países, que sem um emprego se encontram no momento em situação bastante delicada.

A reação não poderia ser outra: a Telltale está sendo processada por um ex-funcionário, em uma ação legal aberta para outros na mesma situação; segundo o processo, o estúdio infringiu a Lei WARN de 1988 (Worker Adjustment and Retraining Notification, ou Regulamentação de Ajuste e Recrutamento de Trabalhadores) ao falhar em notificar as demissões com um prazo de 60 dias de antecedência, além de não pagar salários e contribuições referentes ao período.

A luta continua, companheiro!

O caso também reacendeu uma velha discussão no setor, o da necessidade dos desenvolvedores de games se sindicalizarem de modo a protegerem melhor seus direitos trabalhistas.

O Game Workers Unite (GWU) é um movimento que nasceu como resposta a uma mesa redonda organizada pela GDC 2018, em que o assunto seria "Os prós, os contras e as consequências da sindicalização dos profissionais de games". Embora o evento seja elogiado como um dos mais inclusivos e procure aproximar o diálogo entre executivos e profissionais, ele é organizado pela IGDA (International Game Development Association), organização "advoga pela qualidade de vida dos desenvolvedores" mas que é formada majoritariamente por... CEOs.

Declarações passadas de então membros do IGDA, como Mike Capps (Epic Games) e Jennifer MacLean (38 Studios) em defesa do crunching ressoam até hoje, e esta última presidiria a mesa redonda na GDC. De modo a não permitir que o diálogo pendesse para o lado dos estúdios, o GWU se organizou e não só compareceu à discussão (que não foi transmitida ou gravada, por medo de represálias contra os desenvolvedores pró-sindicatos) como distribuiu fanzines no evento, de modo a conscientizar os profissionais presentes a buscarem seus direitos.

Fanzine do grupo Game Workers Unite distribuído durante a GDC 2018 (créditos: Scott Benson).

Além do GWU, participaram do debate o STJV, sindicato francês dos profissionais de games e o SAG-AFTRA, que entre outros representa atores e dubladores (e que organizou uma greve dos profissionais que trabalham com games em 2016, que durou quase um ano). Ainda que tenha nascido de forma abrupta, o GWU serviu como um gatilho para intensificar as discussões nos Estados Unidos, o maior mercado profissional de games e em outros países em torno da sindicalização do setor, além da aprovação de melhores regulamentações trabalhistas.

O consenso é que a forma que o mercado profissional de games atua hoje, onde grandes, pequenos e médios estúdios esfolam o desenvolvedor e ficam com os louros não é mais aceitável.

E no Brasil?

A situação brasileira é complexa. Embora tenhamos sindicatos mais ou menos atuantes que representem diversas categorias trabalhistas, o setor de games é bastante pequeno e frequentemente é caracterizado como uma extensão do de TI, ainda que existam similaridades. Tanto em um como em outro o profissional geralmente não trabalha em regime de CLT, tendo que atuar como Pessoa Jurídica e dessa forma, abre mão de uma série de direitos ao ser forçado a se virar como um autônomo.

Um dos grupos que busca organizar profissionais do setor (informática, TI em geral e mercado de games) é o do Infoproletários, que defende os direitos do trabalhador independente da modalidade de trabalho, se CLT ou PJ, MEI ou freelance. Como o tema sindicato é mal visto por aqui (fato, boa parte deles não atua como deveria), o grupo busca n\ao só atrair os trabalhadores para que se organizem como também deseja quebrar a imagem da categoria.

A título de curiosidade vale acessar o Github do grupo, que contém mais dados sobre o movimento.

Com informações: Screen Rant.

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