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Resenha: Marte, do NatGeo. Infelizmente não é nada de outro mundo.

Marte, do NatGeo chegou ao seu segundo episódio dizendo a que veio: excelentes sequências de documentário intercaladas com uma viagem ficcional da tripulação mais depressiva da História, onde tudo dá errado e ninguém queria estar ali.

7 anos atrás

marte

Depois de fazer Apollo 13, Tom Hanks se envolveu com a produção do magnífico seriado From Earth to the Moon, que criminosamente ainda não foi relançado em Full HD. A história do programa espacial americano foi ampliada, aprendemos como as empresas contratadas interagiam, como os astronautas foram treinados, os detalhes das missões, tudo.

Quando foi divulgado que Ron Howard estaria produzindo uma minissérie do NatGeo sobre Marte, todo mundo teve certeza que viria coisa boa. Um dos últimos canais a não cair no caminho fácil dos Aliens, um cineasta que fez um trabalho excelente em Apollo 13, como dar errado?

O problema é que o pessoal do NatGeo viu The Martian e achou que poderia fazer melhor, e por causa disso jogaram fora tudo que fez o filme de Ridley Scott um sucesso. Esperávamos Star Wars, nos deram Solaris.

Não me entenda mal, a parte documental da série é excelente, com entrevistas com todos os suspeitos habituais. Musk, Tyson, etc. É mostrada a pesquisa atual, as dificuldades esperadas, como estamos engatinhando mas crescendo a cada dia.

A parte ficcional, mostrando a tripulação da Dédalo (não um nome promissor) em 2033 é cientificamente bem construída, seria perfeitamente possível ignorar as pequenas falhas do primeiro episódio, e coisas como interfaces de voz, computadores falando o tempo todo como em Star Trek.

O grande problema é que alguém decidiu que humanos explorando Marte pela primeira vez por si só não era interessante, e precisavam de drama. Um circuito que inexplicavelmente não foi testado antes do último momento na reentr… — ok, na entrada na atmosfera marciana faz com que o comandante da missão se arrisque para trocar a peça. Ele consegue mas é violentamente jogado contra uma parede.

Aqui só tem suprimentos e oxigênio pra três dias?

Aqui só tem suprimentos e oxigênio pra três dias?

A nave pousa longe do acampamento-base, e subitamente a máquina que os manteve vivos por meses só conseguirá produzir oxigênio por três dias. Não há detalhes se a nave usa um reator nuclear ou painéis solares que foram recolhidos para o pouso, mas nenhum dos dois faz sentido.

Se é um reator, mantém ligado e pronto. Se são painéis solares, e não são projetados para abrir em gravidade 1/3 G, então abram com MUITO cuidado, escorando, como fazem na Terra. O que não dá é imaginar que alguém construiria uma nave que pára de funcionar imediatamente depois que pousa. E se o equipamento no acampamento-base der defeito?

Ao contrário do livro do Andy Weir, onde as coisas dão errado por causa da Crueldade Natural dos Objetos Inanimados, em Marte do NatGeo tudo dá errado por causa do roteirista.

Eles pousam a 76 km do acampamento-base, mas há um habitat russo mais próximo. Eles comandam remotamente um veículo, que quando todos embarcam está sobrecarregado, por algum mistério da natureza 6 pessoas em Marte pesam 2.400 kg.

O rover quebra, pois algum incompetente decidiu que um veículo de 6 rodas não consegue se mover se a suspensão de duas der defeito. Eles são forçados a andar por 16 km, com o comandante gravemente ferido levado em um carrinho.

Esta imagem, close do comandante morrendo sendo levado em uma maca aparece aos 24s do primeiro episódio. Não estou brincando, é deprê total.

Esta imagem, close do comandante morrendo sendo transportado aparece aos 24 s do primeiro episódio. Não estou brincando, é deprê total.

Todos estão exaustos, afinal astronautas altamente treinados são incapazes de caminhar pouco mais de 5 km (1/3 da gravidade, lembra?) em um traje espacial com ar-condicionado.

Ah sim, para aumentar o drama as baterias estão no fim, o computador dos trajes avisa que só está com 2% e acionou o modo de economia de energia. A cena seria dramática se, como um leitor comentou, não acontecesse com os trajes cheios de lâmpadas de alta potência acesas.

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Eles chegam no Habitat, a médica do grupo opera o comandante mas ele morre. Era meio inevitável, era o único que não era minoria na tripulação multinacional e racial do futuro Star Trek Sem Kirk da série.

Eu entendo a necessidade de drama para o grande público, e isso não me incomoda tanto, o problema é que ninguém nessa tripulação parece querer estar ali.

As cenas entre o documentário real e a parte ficcional são entremeadas por entrevistas com os astronautas, e são DE PRI MEN TES. O tempo todo falam que pode não dar certo, que estão em paz com a idéia de que muito provavelmente vão morrer, que vão sentir falta dos parentes, que é perigoso demais, etc, etc, etc.

Sério, não há NENHUMA cena em que alguém solte um “putaquepariu eu estou indo pra Marte!”. Uma das astronautas tem uma irmã no controle da missão, ela está o tempo todo com esta cara de bunda:

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Se você se acostumou com o entusiasmo de Mark Watney em resolver problemas, na forma otimista mas racional com que ele enfrentava as dificuldades, fuck you Mars, vai odiar essa série.

Eu já tive oportunidade de conversar com cientistas. Eles ADORAM o que fazem e falar sobre o que fazem. Acima de tudo são curiosos. Os cientistas dessa série não o são. Eles pousam em Marte sem olhar pela janela. Caminham 16 km sem levantar uma pedra, colher uma amostra, nenhum deles comenta “putaquepariu estamos em Marte!”.

Marte, do NatGeo é Ciência Sem Tesão, ao menos na parte ficcional. Elon Musk e todos os outros entrevistados, astronautas, engenheiros, esses sim estão interessados. Os personagens estão batendo cartão.

Os produtores erraram feio. Primeiro, ao criar uma série de situações dramáticas sem a contrapartida, é só tristeza e apatia. Segundo, por matar um personagem no segundo episódio. Vou contar um segredo: não se faz isso em dramaturgia, a menos que seja só uma ferramenta de roteiro.

Matar um personagem principal no começo não funciona pois não chegamos a criar ligação emocional com ele. Ninguém liga pros muitos Bothans que morreram para conseguir os planos da Estrela da Morte. Só vamos nos preocupar com eles depois de Rogue One.

Conclusão

Marte é bem legal na parte documental. Eu recomendo que você assista, mas quanto à parte ficcional, ela que vá plantar batatas.

Cotação:

1,5/5 Piratas do Espaço

1,5/5 Piratas do Espaço

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