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As 10 missões a Marte mais importantes da História

Uma missão a Marte não é nada fácil, mas mesmo assim visitamos várias vezes o Planeta Vermelho. Conheça dez das mais importantes dessas missões

4 anos atrás

Se planejar um pouso lunar já era ciência de foguetes, uma missão a Marte é ordens de magnitude mais complicada. Há dezenas, talvez centenas de tecnologias que precisam ser inventadas, mas em verdade, sempre foi assim.

Cada vez que lançamos uma nova missão, precisamos criar algo novo, aprender algo novo, e isso não é fácil. Espaço em geral não é fácil. Marte, é pior ainda. O planeta tem diversas características que o tornam um alvo difícil.

No total foram 56 missões a marte, enviadas por 6 países, 7 se você ao contrário do Putin diferenciar Rússia de União Soviética. Japão e China tentaram uma vez, falharam. Índia tem o melhor recorde, 100% de aproveitamento conseguindo sucesso em sua primeira e única missão. A média geral de sucesso é basicamente 50%.

Claro, a culpa é basicamente dos russos, em um caso de ironia cósmica o Planeta Vermelho parece odiar os comunistas e eles mal conseguiram, e só uma vez pousar lá. Outros tiveram mais sorte.

Os Estados Unidos falharam 6 vezes, mas foram bem-sucedidos em 21 missões a Marte. Já os russos... ah os russos. Foram 2 sucessos e 19 fracassos. Mesmo assim eles têm o mérito de ser os primeiros a tentar.

Como seria insanidade detalhar essas 56 missões, meus dedinhos iriam cair e ninguém teria paciência de ler essa enciclopédia, vamos nos resumir às 10 missões a Marte mais importantes.

1 - Mariner 4 – 28-Novembro-1964

A missão a Marte da Mariner 4 estava planejada para o final de novembro, logo após a Mariner 3, que falhou pois sua carenagem (que o @spacetoday chama de coifa) de fibra de vidro não se soltou e os painéis solares não conseguiam receber luz. Depois de 8 horas as baterias morreram e adeus sonda.

O problema com a carenagem colocou a missão da Mariner 4 em dúvida. A janela de lançamento estava se fechando, os planetas estavam saindo da posição ideal. Uma quantidade imensa de pizzas e Coca-Cola foi consumida na Lockheed-Martin, enquanto os engenheiros viravam noites para projetar, construir e testar uma carenagem de metal antes que a janela se fechasse. Eles conseguiram.

O lançamento foi bem-sucedido, e fora um problema com o sistema de astronavegação, a viagem até Marte foi tranquila, com a Mariner 4 passando por Marte a apenas 9,846 km da superfície. Seus vários instrumentos estavam gravando informações em alta velocidade, o que não era rápido era a velocidade de transmissão. A sonda enviada para a Terra dados a uma velocidade de 8 bits e meio por segundo, o que comprova: EXISTE MEIO BIT!

Quando os sinais da primeira imagem feita de outro planeta chegaram à Terra, os cientistas ficaram impacientes, o processo de transformar os dados em uma imagem levaria várias horas. Alguém teve uma ideia e um deles, Richard “Dick” Grumm pegou o carro, foi até uma loja de suprimentos de arte na vizinhança e comprou um kit de giz gizes lápis de cera.

Escreveram um programa para imprimir o valor numérico de cada pixel. Não que houvesse muitos, a resolução da câmera era 200x200.

As faixas com os números foram coladas em um papel, e cores atribuídas de acordo com os valores numéricos. Os cientistas então se debruçaram e começaram a colorir os números. Depois de algum tempo tinham a primeira imagem próxima de Marte.

No total a Mariner 4 tirou 22 fotos, e produziu mais um monte de resultados de seus vários instrumentos, gerando um total de 634KB de dados. Ou seja, Bill Gates estava certo.

2 - Marte 2 e Marte 3 – 19-maio-1971

O Kraken que engolia naves russas finalmente foi pego dormindo. A União Soviética inaugurou as missões humanas a Marte em 1960 mas depois de nove fracassos seguidos, conseguiram finalmente chegar ao planeta vermelho em 1971. Foram dois lançamentos, a Marte 2 em 19 de Maio, a Marte 3 em 28 de Maio.

As duas levavam módulos de pouso, mas o da Marte 2 não funcionou. Ambas entraram em órbita corretamente, a Marte 2 funcionou por 362 órbitas, a Marte  3 por 20. Elas só chegaram tarde, duas semanas antes a Mariner 9 havia se tornado a primeira sonda terrestre a orbitar Marte.

Como prêmio de consolação a União Soviética foi o primeiro país a pousar com sucesso uma sonda no Solo Marciano. Se é que dá pra chamar de sucesso um módulo que funcionou por 14.5 segundos e mandou uma imagem parcial de 70 linhas.

3 - Viking 1 e Viking 2 - 1975

As missões Viking foram os primeiros pousos bem-sucedidos em Marte, e cada um dos US$5 bilhões (em valores de 2019). Cada uma das missões consistia em um módulo de pouso e um módulo orbital, que faria a comunicação com a Terra (dava pra fechar um link direto com o lander mas era 10x mais lento), além de toneladas de observações e medições.

Como era a primeira tentativa de pouso dos Estados Unidos, e comemoração do bicentenário do país, eles resolveram fazer bonito, e o módulo de pouso era um verdadeiro laboratório, com 572Kg de peso.

Ele tinha sensores de vento, temperatura, sismógrafos, pressão, magnetômetros, um espectrômetro de fluorescência de raios-x, câmeras, experimentos para procurar sinais de metabolismo e fotossíntese, e câmeras, que fizeram a primeira imagem da superfície de outro planeta.

As Vikings tinham como missão primária descobrir se há vida em Marte, e até hoje os resultados são discutidos. Metade dos experimentos indicou sinais de vida, outra metade, não. A química do solo marciano pode ter afetado os resultados, mas também pode ser que a superfície seja estéril e haja vida alguns centímetros abaixo dela.

A qualidade das imagens das Vikings impressiona até hoje.

Até hoje os dados produzidos pelas Viking são usados, as missões foram um total sucesso não só em ciência mas em popularizar a ideia de exploração espacial na mente da população, mas o impressionante mesmo foi o módulo de pouso ter feito todas as imagens e experimentos com um computador que consistia em dois processadores Honeywell HDC 402 e um total de 52KB de RAM.

Ah sim, o gerador termonuclear da Viking só conseguia prover 70W então para a maioria dos trabalhos antes  ela precisava carregar uma bateria para complementar a energia fornecida pelo MRTG.

4 – 1996 - Mars Global Surveyor

Uma das missões mais ambiciosas, a MGS tinha como objetivo mapear o planeta inteiro, não só com uma câmera de alta resolução ms com um altímetro a Laser, um espectrômetro de emissões térmicas, um magnetômetro e um reflectômetro de elétrons que eu imagino seja para refletir elétrons.

O espectrômetro conseguia analisar emissões da superfície marciana, determinando composição química e identificando minerais, gases e elementos químicos.

Se a Mariner 4 conseguiu transmitir 22 fotos e 634KB de dados, só as câmeras da Mars Global Surveyor produziram  7.6 terabits, em 243.668 imagens.

Detalhe da superfície marciana feito pela MGS

Assim como a Enterprise a missão da MGS era de cinco anos, mas depois de concluir sua missão primária em 2001 ela continuou funcionando, e foi convertida para servir de retransmissora de sinais de equipamentos em solo e sondas em reentrada (ou melhor, entrada) na atmosfera marciana, função que ele cumpriu até novembro de 2006, quando algo deu errado, ela entrou em safe mode e na falta de alguém pra apertar F1, não voltou mais.

O famoso "Rosto de Marte" fotografado pela MGS.

5 – 1996 - Pathfinder e Sojourner

A NASA estava sendo pressionada por causa de suas missões caras demais, e mesmo internamente havia a dúvida se conseguiriam resultados com pouco tempo e pouco dinheiro. A turma do JPL – Jet Propulsion Laboratory topou o desafio e em 3 anos projetou a Pathfinder, uma missão relativamente barata e com objetivo de testar uma penca de tecnologias novas.

Uma das mais insanas era o pouso. Primeiro a sonda entrou na atmosfera marciana, sendo desacelerada e protegida por um escudo térmico. O escudo foi ejetado, um paraquedas supersônico foi aberto, mas ele não é suficiente para desacelerar a sonda até uma velocidade segura. Mais próximo da superfície a carapaça superior da sonda libera o lander, preso por um cabo de 20 metros.

A 355m de altura um conjunto de airbags é inflado em volta do lander. Três retrofoguetes na carapaça disparam a 98m acima do solo. Quando a velocidade chega a zero, entre 15 e 25m o cabo é cortado, a carapaça e o paraquedas são levados para longe.

A sonda, dentro dos airbags cai no chão, quica a uma altura de 15.7 metros, continua quicando mais 15 vezes até parar.

Os painéis solares são abertos e o Sojourner está pronta para rolar.

Batizado em homenagem a Sojourner Truth, uma ex-escrava, abolicionista e ativista por direitos femininos no Século XIX, o robozinho foi o primeiro rover a andar na superfície marciana.

Seu objetivo era provar que era possível pousar e controlar um robô em Marte, e ele cumpriu admiravelmente essa missão, sendo projetado para durar uma semana e tendo sobrevivido por 85 dias.

6 -2003 - Spirit e Opportunity

Com a Sojourner provando que poderia ser feito, era hora de brincar feito gente grande, e a missão dupla, lançada 7 e 10 de Julho de 2003 levou até Marte dois robôs bem maiores. Se a Sojourner pesava 11Kg, A Spirit e sua Irmã pesavam 185Kg cada, levando câmeras de alta resolução e vários outros instrumentos.

Como não dependiam do módulo de pouso para se comunicar com a Terra, podiam avançar além do horizonte. Os dois robôs foram um sucesso além de tudo que a NASA sonhou. O Spirit deveria ter andado 600 metros e funcionado por 92 dias. Ele durou 2269 dias e percorreu 7.73km.

O Opportunity funcionou por 5498 dias e percorreu 45.16Km.

A missão, entretanto, poderia ter dado muito errado. Com apenas 14 dias em Marte, Spirit parou de se comunicar com a Terra, dando início a uma sessão de debugging separada por dezenas de milhões de quilômetros.

Panorama marciano feito pela Spirit

Analisando a telemetria os engenheiros descobriram que o Spirit estava superaquecendo, aparentemente ele não estava entrando em sleep mode, o que consumia muita bateria. A hipótese mais provável era que ele estivesse rebootando. Havia uma subrotina provavelmente programada pelo venerável engenheiro britânico Dr Roy Trenneman aonde uma falha interna seria resolvida com um reboot.

Só que a rotina não levava em conta o que fazer caso uma falha ocorresse no processe de reboot. Spirit estava em loop.

Felizmente a NASA não é burra, os planos de contingência deles têm planos de contingência. O receptor do rádio da Spirit tinha capacidade de rodar software independente do computador principal, e o problema foi sendo diagnosticado até descobrirem que o computador não conseguia finalizar o boot por estar sem espaço na tabela de diretórios da memória flash.

Autoretrato da Opportunity

Não era falta de espaço, só que havia um monte de arquivos pequenos acumulados, deixados pelas rotinas de navegação e pouso. Comandando o computador para rebootar sem acessar a memória Flash, a Spirit deu sinal de vida.

Um programa foi escrito para apagar alguns arquivos, e no final a NASA fez o que qualquer sobrinho faz quando encontra um PC mal-comportado: Formatou a memória Flash e recomeçou do zero. No 32º dia estava tudo normal e a Spirit voltou a cienciar.

7 – 2005 - Mars Reconnaissance Orbiter

Antes de ser lançada uma missão a Marte precisa ter bem determinado seu local de pouco, definido de acordo com os objetivos. Precisa ser seguro, mas interessante. Um leito de rio é bom para procurar sinais de vida, um vale é bom para estudar a geologia.

A MRO foi projetada para estudar em absurdos detalhes a superfície marciana, determinando locais a ser estudados, possíveis pontos de pouso, investigar anomalias, procurar sinais de água e observar o clima marciano.

Ela deveria durar até 2008, mas a desgraça se recursa a morrer, continua funcionando, no momento da criação deste texto a MRO já funcionou por 14 anos, 9 meses e 28 dias.

A câmera HiRISE

Mais impressionante que isso é seu instrumento principal, a High Resolution Imaging Science Experiment (HiRISE). Grosseria define. Ela consegue produzir imagens de até 20000 x 40000 pixels, são 800Megapixels e 16.4Gb por imagem.

O resultado é Space Pr0n puro:

8 – 2011 - Curiosity

Depois de alguns ensaios a NASA decidiu que era hora de mandar não um robozinho, mas um rover do tamanho -e peso- de um carro. A Curiosity tem três metros de comprimento e pesa 900Kg, uma massa considerável e que necessitou de uma sequência de pouso essencialmente insana, batizada de sete minutos de terror.

Tendo percorrido mais de 22.3Km em seus 2788 dias de missão, a Curiosity continua firme e forte, com instrumentos que incluem câmeras, lasers para perfurar rochas e até uma escova pra limpar áreas para perfurar.

Ela é capaz de realizar exames químicos e descobriu moléculas orgânicas em Marte (o que não significa vida, calma). Fez e faz pesquisas sobre radiação de superfície, presença de água e gelo, ciclos atmosféricos e muito mais.

A missão a Marte da Curiosity foi a primeira que caiu em cheio durante a popularização da Internet, e foi acompanhada por um imenso número de pessoas. As lindas imagens panorâmicas enviada pela Curiosity fizeram com que muita gente pela primeira vez entendesse Marte como um lugar a ser visitado e futuramente colonizado.

Tendo definido os parâmetros de uma missão bem-sucedida, a Curiosity é a base do rover Perseverance, que decolará em Julho de 2020 levando para Marte um pacote científico diferente, com um radar de penetração (ui!) capaz de identificar objetos a 10m de profundidade e o Ingenuity, um mini-helicóptero autônomo que explorará Marte.

9 – 2013 - Mars Orbiter Mission

Essa é dolorosa pra gente, mas é um triunfo para a Humanidade. A demonstração que mesmo um país de Terceiro Mundo se tiver dedicação, incentivo, força de vontade e pensar a longo prazo, controlando a corrupção o empreguismo e o descaso, consegue realizar coisas maravilhosas.

Esta imagem abaixo é do primeiro satélite indiano, em 1981. Isso mesmo, ele está sendo transportado em um carro de boi. E o primeiro foguetes deles foi levado de bicicleta até a plataforma.

32 anos depois a Índia, já dominando satélites, lançadores e tendo mandado sondas para orbitar a Lua, resolveram ousar mais ainda com uma missão a Marte. Não um fly by, mas um orbitador, completo pesando 1,3 toneladas, com câmeras, detectores de metano, instrumentos para identificar hidrogênio escapando da superfície e sensores de raios cósmicos.

A Índia não só foi bem-sucedida como se tornou o 4º país a mandar uma missão bem-sucedida à Marte, e o primeiro a conseguir tudo na primeira tentativa. Custo Total da missão, incluindo orbitador, foguete, estações de recepção, etc? US$64 milhões ou 1/18 de um estádio da Copa de 2014.

Imagem de Marte Made In Índia.

A Mars Orbiter Mission não só chegou em Marte de primeira e barato como está dando um show de durabilidade. Neste momento de seis meses planejados a missão já cumpriu 5 anos e oito meses, o combustível usado para manobrar a nave ainda deve durar mais um ano, e ela já mandou mais de 2 Terabytes de imagens.

10 – Mars Cube One

A missão Mars Cube One, ou MarCO é uma quebra de paradigma, como dizem os marketeiros. A NASA sempre viu missões a Marte como projetos altamente engenheirados, com bastante dinheiro redundâncias e planejamento, o que colocava um projeto desses fora do alcance de instituições menores.

Agora a tecnologia já permite miniaturização de componentes e barateamento de custos que mesmo um celular tem mais capacidade de computação do que toda a NASA no tempo da Apollo, se você ignorar a Katherine Johnson. Uma ideia então foi pensada pela California Polytechnic State University e Stanford: Que tal ao invés de uma sonda caríssima, tentarmos lançar um cubesat para Marte?

Ninguém sabia se os cubesats sobreviveriam ao espaço interplanetário durante os meses de viagem, mas valia a tentativa, e o custo de US$18,5 milhões era irrisório, comparado aos US$830 milhões da missão InSight, que eles estavam pegando carona.

Os dois Cubesats de 13,5kg cada um foram soltos alguns dias antes da InSight chegar a Marte, eles fariam um FlyBy enquanto a sonda faria sua entrada na atmosfera, seguida de pouso. A missão dos dois mini-satélites era capturar telemetria da InSight em tempo real e enviar para a Terra.

Os dois satélites, Wall-E e Eve se comportaram muito bem cumpriram a missão e ainda fizeram algumas fotos de Marte.

Agora as missões do Projeto Artemis a volta da NASA à Lua levarão dezenas de cubesats cada uma.

 

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