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Voo MH370: a ciência tem a resposta, mas dessa vez foi complicado

Aos poucos, o acidente com o Boeing 777 do voo MH370 está sendo elucidado, mas esse é dos cabeludos

10 anos atrás

Quando o Mars Science Laboratory pousou em Marte levando a Curiosity, sua primeira ação foi fotografar o chão, na menor resolução possível, em preto e branco, e transmitir para a Terra. É algo que toda sonda faz, uma forma de documentar caso tenha caído em uma ravina, fora de posição ou esteja com problemas nos painéis solares. Mas o que isso tem a ver com o sumiço do voo MH370?

A geração criada na base do Chambinho Light Vegan sem Glúten, filhos do imediatismo, mimados que querem TUDO, AGORA, entrou em crise histérica. No Twitter abestados xingavam desesperadamente… “US$ 2 bilhões por isso? Que lixo!”

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Não basta você mandar uma sonda para outro planeta, não basta executar PERFEITAMENTE uma sequência de pouso insana. O mimado quer, NA HORA as melhores imagens possíveis, de preferência com vídeo Full HD. Claro, quando a NASA disponibiliza imagens como este incrível panorama de Marte, com 14K pixels de largura, nenhum dos histéricos aparece para agradecer, que dirá pedir desculpas.

Agora com o sumiço do voo MH370, da Malaysia Airlines, a geração mimada engrenou uma pirraça imensa. Acham inadmissível que o avião não seja encontrado imediatamente, afinal o mundo não pode ser muito maior do que o quarto onde vivem.

Vou contar um segredo, crianças: o mundo é enorme. Eu sei que é difícil admitir isso, mas aeronaves desaparecem sem deixar vestígios desde sempre. Até o Brasil tem seus casos. Em 1979, um 707 da Varig decolou do Japão em direção ao Rio de Janeiro. Uma hora depois sumiu, escafedeu-se. O voo Varig-967 simplesmente desapareceu e nunca mais foi achado. Isso a 1h de Tóquio, uma das regiões mais navegadas e sobrevoadas do mundo.

Os teóricos da conspiração e os histéricos reclamam que o MH370 era lotado de rádios, transponders e localizadores. É verdade, mas um dispositivo localizador não funciona se for deliberadamente desligado, e foi o que aconteceu. Com os equipamentos de comunicação desligados, o avião se torna um ponto anônimo em um radar militar, e praticamente ruído em um radar civil de longo alcance.

“Então como acharam se tudo estava desligado?”

Vou tentar explicar usando uma analogia kibada deste excelente artigo. Imagine que o avião é um tablet. Android, assim no final é menos um. Você tem diversos sistemas de comunicação. Bluetooth, NFC, Wi-Fi, 3G. Em cima disso, você tem vários apps: Skype, Foursquare, Twitter.

Você fecha o Skype, perde as comunicações de voz. Você fecha o Foursquare, não comunica mais a sua localização, não aparecerá mais em sites como o FlightRadar. Para garantir, você desliga até o update automático, que no caso se chama ACARS - Aircraft Communications Addressing and Reporting System. Esse é o sistema que todo mundo está dizendo, erroneamente, que pingou o avião.

Agora o pulo do gato: esses aplicativos funcionam muito bem via Wi-Fi, no caso, os links VHF quando o avião está próximo a aeroportos. Quando ele vai para regiões remotas, passa a depender do 3G, que no caso é o link via satélite da INMARSAT. A velocidade é menor, mas ao menos ele está lá.

chemtrails

Com tudo desligado o link não era usado, mas da mesma forma que seu celular, de vez em quando é acordado pela operadora, os terminais INMARSAT são pingados pelos satélites, para indicarem onde estão, se estão ativos e se precisam de recursos. Esse ping não depende de aplicações, está embutido no hardware. Avião não tem modo avião.

Os satélites INMARSAT captaram pings do MH370 por 4 ou 5 horas após seu desaparecimento, na média de 1 por hora.

“Então é só ver as coordenadas e achar o avião, certo?”

Seria, se o ping em questão tivesse esse tipo de dado, mas estamos falando de uma camada muito mais inferior. É como saber o tema de um livro analisando o papel. Só que isso tudo é um problema irresistível para engenheiros, e como dizia Arthur Clarke, nenhum problema de engenharia é insolúvel se aplicarmos tempo e dinheiro suficientes.

Os engenheiros da INMARSAT tinham 4 ou 5 pings do avião, sem dado geográfico nenhum, dizendo apenas e somente “estou vivo”. OK, então vamos estudar o papel do livro. O que dá para saber? Sequenciando o DNA descobrimos qual árvore foi usada, por radioisótopos sabemos em que época ele foi impresso, por espectrometria da tinta sabendo sua composição, e por aí vai. O truque é pensar fora da caixa.

O ping é emitido e recebido por vários satélites. No caso quem captou foi o INMARSAT 3F1, um ancião lançado em 1996, com vida estimada em 13 anos, mas que continua valente cumprindo sua missão. Ele tem antenas que podem ser rotacionadas em direção a um alvo. O ângulo de rotação dessas antenas é, claro, conhecido.

O sinal emitido pelo avião tem quase nenhuma informação de localização, mas informa o desvio Doppler e o momento preciso no tempo em que foi emitido. No satélite, ele capta e armazena a potência da transmissão.

Os engenheiros começaram a bater cabeça e perceberam que tinham uma informação importante ali: a diferença de tempo entre o envio e o recebimento do sinal, dada a velocidade constante da luz, indicava a distância do avião até o satélite.

Próximo passo era tentar achar uma posição relativa. Isso foi determinado calculando a potência do sinal em relação ao ângulo das antenas do satélite. Aquele valor específico de atenuação só seria possível se o avião estivesse transmitindo de determinadas posições. Isso diminuiu mais ainda a área possível.

O momento Magia Negra Jedi foi quando um engenheiro jovem e arrogante (outro tipo ficaria calado) sugeriu usar o desvio Doppler do sinal. O Efeito Doppler é a variação na frequência de uma onda, de acordo com a velocidade relativa entre fonte e observador. Com isso, conseguiram determinar a velocidade do avião em relação ao satélite. Isso foi fundamental para descartar o Corredor Norte.

“É coisa do Haddad?”

Quase. Um dos efeitos das equações usadas é que ela tem duas respostas possíveis. É igual perguntar a raiz quadrada de 4. 99,99% das pessoas responderão 2, mas (-2)² também é igual a 4.

Claro, há centenas de variáveis, muitos valores são estimados, e estão trabalhando sem NENHUMA informação de velocidade e altitude do avião, mas é possível criar cenários de máxima e mínima, que com as informações de posição resultam neste mapa:

MH370_Mar17

De posse desses dados, e mais o que ainda não foi divulgado, a Malaysia Airlines declarou o avião oficialmente perdido, tendo caindo no Oceano Índico. O brilhante trabalho dos engenheiros e os avistamentos de objetos por satélites e aviões já são evidência suficiente, ainda mais quando a gente compara a rota calculada com a posição dos objetos:

destrocos

Infelizmente, nem toda história termina como Apollo 13, mas sendo realista o objetivo não era mais salvar ninguém. Depois da 5ª ou 6ª hora já se sabia que os passageiros estavam mortos. Nenhuma das risíveis teorias conspiratórias se sustentava, e você não pousa um Boeing 777-200 em nada que não seja um aeroporto de verdade.

O trabalho foi feito para dar uma resposta às famílias, e também desvendar o que aconteceu com o voo MH370, isso é essencial para que um evento assim não se repita. A bem da verdade, é raro o caso onde todas as perguntas: quem, quando, onde, como e por que são respondidas. Graças aos engenheiros já temos o ONDE. Pode ser que nunca saibamos as outras respostas, além do quando, mas não quer dizer que não devamos parar de perguntar.

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