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Warren Spector reforça a importância da preservação de games

Segundo Warren Spector, além dos games propriamente ditos, é preciso focar na preservação do trabalho que levou à criação dos títulos

02/05/2024 às 9:34

Conforme o tempo está passando e o acesso ao passado fica mais difícil, a preservação de games é um tema que tem ganhado força. Recentemente ele voltou aos holofotes graças ao controverso posicionamento da Entertainment Software Association (ESA), que se mostrou contrária a manutenção de jogos antigos em bibliotecas.

Crédito: Reprodução/Ivan Rudoy/Unsplash

Tudo começou durante uma audiência realizada pelo Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, que visava rever as regras de direitos autorais para permitir que pesquisadores tivessem acesso remoto aos títulos arquivados nesses locais.

Proposta pela Software Preservation Network, a mudança foi rechaçada pelo advogado Steve Englund, que afirmou que “nenhuma combinação de limitações seria apoiada pelos membros da ESA para fornecer acesso remoto.”

A declaração caiu como uma bomba sobre as pessoas que se preocupam com a preservação de games, principalmente porque, segundo a Game History Foundation, 87% de tudo o que foi lançado antes de 2010 atualmente não está preservado. Mas não podemos dizer que a posição tenha surpreendido, afinal, tentativas anteriores da Biblioteca do Congresso de autorizar essa disponibilização foram vetadas pela ESA.

Porém, após a repercussão negativa por parte do público, a ESA deu um passo atrás e por e-mail, afirmou que não é a vilã que muitos estavam pintando.

“Estamos comprometidos há muito tempo com a preservação de games e apoiamos esforços das instituições culturais para criar coleções físicas de videogames,” diz a nota. “É importante notar que a ESA e seus membros estão comprometidos com a preservação histórica de games.”

Ainda segundo a associação, o Escritório de Direitos Autorais já permitiu que bibliotecas e instituições mantivessem um catálogo, mas que “a vitalidade criativa e econômica da indústria depende de fortes proteções aos direitos autorais.”

Spector durante a GDC 17 (Crédito: Reprodução/Official GDC/Wikimedia Commons)

Ou seja, pela maneira como a associação se defendeu, o problema estaria nesses jogos serem disponibilizados online — como se fosse muito difícil para os interessados terem acesso a eles em uma infinidade de sites e repositórios disponíveis por toda a internet. Minha impressão a parte, o impasse chamou a atenção de um dos game designers que costuma ter opiniões interessantes sobre a indústria, Warren Spector.

Tendo iniciado sua carreira na revista Space Gamer em 1983, que na época já estava sob o comando da Steve Jackson Games e onde desenvolvia RPGs de mesa, depois Spector trabalharia em jogos das séries Wing Commander, Ultima, System Shock, Deus Ex, Thief e Epic Mickey. Com tanto conhecimento da área, ele falou sobre a importância de preservarmos os alicerces do que nos trouxe até aqui.

“A preservação de jogos e dos materiais de desenvolvimento de jogos não é um problema novo. Isso tem sido um problema desde que a mídia foi criada.

Mesmo quando as pessoas começam a elogiar um meio como forma de arte, os criadores raramente enxergam o significado de seus trabalhos. A história dos filmes e do balé (uma obsessão minha atual, acredite ou não), bem como a história de outras mídias estão perdidas para sempre. Qualquer pessoa que tenha lido um livro dessas mídias está lendo um relatório parcial sobre o tema, com historiadores preenchendo lacunas com o que só pode ser descrito como suposições fundamentadas.”

Contudo, algo muito interessante na carta-aberta publicada por Warren Spector é o seu pedido para que não seja protegido apenas os jogos, mas a maneira como eles foram feitos, as dificuldades encaradas pelos game designers e tudo o que cerca esses projetos.

“A história de como um jogo foi feito é fundamental para os acadêmicos e autores do presente e do futuro,” defendeu. “A história de uma mídia não está apenas no produto do trabalho — está no trabalho necessário para criar o produto.”

Preservação de games

Crédito: Reprodução/Raffi Asdourian /Wikimedia Commons

Segundo Spector, que afirma ter passado a vida acadêmica atuando como um historiador, tão triste quanto 80% dos filmes mudos terem se perdido, é perceber que seus processos de criação também não foram preservados.

Ele então contou estar dedicado a criar o Arquivo dos Videogames no Dolph Briscoe Center for American History, que fica localizado na Universidade do Texas e para onde doou o material que tinha guardado sobre os jogos que ajudou a criar. “Eu literalmente mergulhei no lixo para recuperar informações que outros desenvolvedores simplesmente jogaram fora acreditando que eram inúteis,” revelou o game designer.

Waren Spector tem contado com a ajuda de outros profissionais para compartilhar essas informações, como, por exemplo, Richard “Lord British” Garriott, famoso pela série Ultima. Além disso, outras universidades e instituições privadas tem investido em criar arquivos como o do Briscoe Center, com uma lista parcial podendo ser encontrada na Wikipedia. Dessas, eu destaco o Internet Archive, um lugar com uma quantidade absurda de informações e que só de softwares conta com mais de 1,1 milhão de registros.

Preservação de games

Exposição na E3 2011 (Crédito: Reprodução/The Conmunity/Wikimedia Commons)

Quanto à possibilidade de as pessoas se aproveitarem da disponibilidade online dos jogos e arquivos para baixar esse material, algo que Spector considera um não-problema, a solução óbvia é essas instituições só permitirem o acesso a eles localmente. Ele também disse não concordar com o argumento de que grupos podem ser valer de um suposto interesse na preservação para validar suas coleções e citou os centros de pesquisas de todo o mundo que lidam com o controle de informações diariamente.

Enfim, essa é um debate que parece longe de um desfecho. De um lado temos aqueles que só gostariam de ter acesso a títulos que lhes marcaram no passado ou mesmo nem chegaram a conhecer. Do outro estão os detentores dos direitos autorais, que muitas vezes fazem pouco para manter viva a história dos games, mas batem forte naqueles que buscam isso através de recursos como a emulação.

Talvez não haja um lado errado nessa batalha, mas em sua publicação, Warren Spector escreveu algo que considero muito importante e deixarei o trecho aqui para que todos nós possamos refletir sobre a criação de jogos, a importância da mídia e por que todos nós, apaixonados por videogames, deveríamos nos preocupar com o tema:

“O que fazemos como desenvolvedores de jogos literalmente muda o mundo (algo para refletir enquanto você realiza seu trabalho diário). Somos uma força cultural como nenhuma outra. A maneira como nos tornamos transformadores do mundo e impulsionadores da cultura faz a diferença para as futuras gerações de uma forma que os não-entusiastas, os não-acadêmicos e os não-escritores não conseguem entender. A ignorância é um problema real aqui.”

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