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RIP Z80 - Zilog anuncia fim do histórico e amado chip

Depois de quase 50 anos o venerável Z80 sai finalmente de linha. Fica este tributo a um chip que conquistou gerações

30/04/2024 às 11:42

O Z80 não foi o primeiro microprocessador, essa primazia coube ao MP944, história contada neste excelente artigo aqui. Ele foi, sim, um dos mais populares, conquistou um lugar no coração de toda uma geração, e agora, depois de 48 anos, está finalmente saindo de linha.

Um legítimo Z80 da Zilog, safra mais recente. Foi fabricado na 45.ª semana de 1993 (Crédito: Yaca2671 / Wikimedia Commons)

Hoje em dia processadores são componentes altamente complexos, quando estudamos os métodos de fabricação, parece coisa de alienígena; Intel e AMD se digladiam para tornar seus produtos populares, mas nem sempre foi assim.

O primeiro microprocessador produzido e vendido em escala comercial foi o Intel 4004, projetado por uma equipe liderada por um gênio chamado Federico Faggin, que trabalhou na Olivetti, Fairchild e Intel.

Com 2250 transístores e barramento de dados de 4 bits, o 4004 provavelmente não rodaria Crysis muito bem, mas era mesmo assim um senhor avanço, concentrando em um único chip várias tarefas que em equipamentos normais seriam ocupadas por circuitos discretos, com vário outros chips, ocupando mais espaço e custando mais caro.

Intel 4004. Não exatamente impressionante (Crédito: Thomas Nguyen / Wikimedia Commons)

Mesmo assim, o 4004 não era barato, custava US$60 na época, US$462 em 2024. E ele não era voltado para... computadores. Por um motivo bem simples: Era um segmento que não existia, microprocessadores eram exclusivos para sistemas embarcados, equipamentos industriais e, talvez, minicomputadores que custavam centenas de milhares de dólares.

Esse mercado só seria descoberto em 1975, quando a MITS anunciou o Altair 8800, o primeiro PC do mundo, baseado no processador de 8 bits Intel 8080, lançado um ano antes. Mas mesmo assim chamar o Altair de PC é complicado, ele era uma máquina para nerds curiosos. Não tinha monitor, não tinha teclado, não tinha mouse, não tinha teto, não tinha nada. Tudo era feito mexendo em interruptores no painel.

Um ano depois do Altair, chegou ao mercado o Apple I, rodando em um Motorola 6502, lançado em 1975. O muito mais maduro, refinado e pronto para consumidor final Apple II apareceu em 1977, também usando processadores 6502.

Com tudo isso acontecendo, ainda assim a Intel parecia não perceber o valor dos microprocessadores, para ela eram apenas componentes de produtos que esses sim eram promovidos pela empresa. Frederico Faggin estava ficando incomodado, vendo seu talento ser desperdiçado. Decidiu pedir as contas e fundar sua própria empresa, com blackjack e prostitutas.

Federico Faggin (Crédito: Wikimedia Commons)

Masatoshi Shima, um dos principais designers da Intel, soube e pediu pra fazer parte da empresa de Faggin. Eles conseguiram investidores (incluindo a Exxon) e começaram a projetar um chip, que com principal característica tinha a compatibilidade com o Intel 8080, podendo rodar nativamente todo o software feito para ele, incluindo sistemas operacionais como o CP/M.

O Z80 tinha conjuntos duplos de registradores, interrupções por hardware e um extenso conjunto de instruções, inclusive uma penca de instruções não-documentadas, que programadores descobriam e usavam para otimizar (e obscurecer) seus programas.

A facilidade de projetar circuitos para o Z80, e seu assembler simples e eficiente fizeram com que ele caísse no gosto popular entre os desenvolvedores e fabricantes. Seu clock de 2.5MHz, mais que o dobro do mísero 1MHz do 6502 era um bônus.

Lançado em 1976, o Z80 tinha processamento interno de 8 bits e capacidade de endereçamento de 16 bits, que em notação binária equivale a 1111111111111111. Em decimal, 65536, um número quase sagrado para micreiros da antiga.

Os computadores baseados no Z80 começaram a pipocar. Tivemos o TRS-80 (lançado em 1977), Osborne, Kaypro, Ringo, e entre muitos outros, no Reino Unido um sujeito excêntrico até para os padrões locais, Sir Clive Sinclair, lançada o ZX80, um computador que parecia um brinquedo, custava caro (US$625 em valores de 2024, £99.95 na época) mas que ainda assim era muito barato, para ter um computador de verdade em casa.

O ZX80 veio em 1979, em 1981 a Sinclair lançou o mais aprimorado ZX81. Dois meses depois veio o ZX Spectrum, que vendeu cinco milhões de unidades.

Um ZX Spectrum com uma unidade de microdrive (Crédito: Jzh2074 / Wikimedia Commons)

Com um Z80 como cérebro, e vário chips auxiliares para controlar I/O, vídeo e outras funções, o Z80 lutava em categorias bem acima de seu peso, ajudado por equipamentos inovadores como o microdrive, um mini-gravador de fita infinita acessível via BASIC e com capacidade de encadear várias unidades.

Toda uma geração de nerds teve seu primeiro contato com computadores através do Z80. Incontáveis engenheiros, programadores, cientistas, desenvolvedores de jogos viraram noites e noites digitando programas de revistas, debugando código, aprendendo, fuçando, descobrindo como aquelas pequenas e maravilhosas máquinas funcionavam.

O apelo é fácil de entender; garotos sem muito contato social, tentando permanecer invisíveis na escola. Em casa, zero poder de decisão, não escolhem o que comer, às vezes nem a hora de dormir, mas ali, na frente do Spectrum, ele tem controle total, pode jogar adventures explorando terras distantes, virar um pirata espacial, criar cidades. (sim, crianças, Elite tinha versão pro ZX Spectrum, e era um jogaço)

A Personal Voyage

No Brasil o Z80 chegou no auge da Reserva de Mercado da Informática, os fabricantes basicamente escolhiam os modelos de fora, criavam “similares nacionais” e as empresas originais ficavam chupando dedo, era virtualmente impossível ganhar uma ação em um tribunal brasileiro, envolvendo cópia de equipamentos gringos.

Uma rara exceção foi o Mac 512, da Unitron, um kibe TOTAL do Macintosh. Eu conto essa saga neste artigo aqui.

Meu primeiro computador (PC era computador de gente grande) foi um CP-200, cópia da Prológica do ZX82. Ele tinha um teclado horrendo, mas o ZX Basic tinha uma característica interessante: Cada tecla tinha uma palavra-chave. Assim se eu fosse escrever a linha:

10 PRINT “HELLO WORLD”

Eu digitaria 10, apertaria “P” e o comando PRINT apareceria por inteiro. Isso tinha uma segunda vantagem: Os comandos eram codificados com um único byte, ao invés de guardar cinco caracteres em memória pra codificar “PRINT”.

Com 16KB de memória, o CP-200 hoje seria um pesadelo pro povo que baixa jogos de 100GB, mas com programadores inteligentes, ele conseguia rodar até jogos (quase) em 3D, como o Monstro das Trevas, Xadrez e muito mais.

Nessa época eu fazia cursos de informática para usar computadores fora do horário de aula, principalmente o TRS-80, com um teclado de verdade, e o CP-300, ambos também rodando Z80.

O CP-300 era o menorzinho da linha da Prológica, basicamente a linha TRS-80 com outra roupagem, mas admito que o CP-200 era pra lá de parrudo, eu seria feliz hoje com aquele teclado.

Tempos depois, hiperinflação, minha avó me deu de presente um TK90-X, custou uma fortuna, em 12 vezes. As primeiras prestações comeram 90% da pensão dela, mas como eram fixas, as últimas eu paguei com minha mesada.

O Spectrum (eu sempre vi como ZX Spectrum) tinha imensos 48KB de RAM, e alta resolução (256x192) e até SOM! Passei horas intermináveis explorando a galáxia em Elite, escrevendo textos, criando programas para determinar com quais meninas na escola eu teria mais chance (spoiler: nenhuma, meu programa acertou).

Nessa época de pré-internet, até mesmo pré-BBS, os amigos do colégio iam se aglutinando em grupos de interesse, que aos poucos iam se expandindo. Para horror da Geração Z, a gente ia para eventos de micreiros, visitava lojas e livrarias e puxava papo com outros entusiastas.

Fim de semana era hora de sair pra visitar os amigos mais engajados, e realizar a sagrada cerimônia de troca de software. Todo mundo levava suas fitas, e iniciava-se a sessão de cópias, em geral num tapedeck parrudo.

Basicamente todo o software que a gente usava era pirata, o que não causa nenhum problema de consciência, visto que as empresas nacionais também só vendiam software pirata.

Não, não tem nada a ver com a empresa do Bill. Nos anos 90 esse era a maca que a Microdigital usava para publicar "seus" softwares (Crédito: Reprodução Internet)

O ZX Spectrum era uma maravilha para experimentação. Por tentativa e erro, consegui instalar um botão de reset no meu, e virei o assunto do momento quando levei para mostrar pro povo.

Minha Obra-Prima foi quando comprei um gabinete de Commodore 64, refiz toda a matriz do teclado na mão, e instalei meu ZX Spectrum nele. Fico triste quando percebo que não lembro que fim levou.

Entre outros méritos do Speccy, uma vez fui visitar uns amigos mais velhos da UFRJ, eles estavam usando um mainframe do Instituto de Matemática para gerar fractais. Eu decidi que iria aprender. Peguei listagens em FORTRAN, xerox de artigos e comecei a bater cabeça. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos, mas me meti a aprender sozinho Análise Complexa. Só não me peça para explicar POR QUE i é a raiz quadrada de -1.

Só sei que meu pobre Spectrum sofreu. Abri o gabinete, botei um ventilador em cima e ele virou a noite pra conseguir calcular uma fractal. Deu certo, só não foi perfeito porque a mula que vos escreve esqueceu de incluir uma sub-rotina pra salvar a imagem no final.

O Spectrum me acompanhou por muitos anos, eu pulei toda a fase do MSX, outro microcomputador muito popular, no Brasil representado pelo HotBit da Sharp e o Expert da Gradiente.

MSX era uma arquitetura criada pela Microsoft para padronizar computadores de diferentes origens, rodando o MS Basic. A idéia foi comprada pelo Japão principalmente, mas logo se espalhou, tornando-se especialmente popular na América Latina.

OK, eu admito. O Expert era danado de bonito (Crédito: Carlosar / Wikimedia Commons)

Em termos de gráficos e som o MSX era inegavelmente superior ao Spectrum, mas todos usavam o bom e velho Z80.

Só me rendi ao upgrade quando conheci o Commodore Amiga, com todas as suas idiossincrasias, rodava o processador 68000 do Macintosh, e seu sistema operacional era muito melhor que qualquer MS DOS (ou Windows) da época. Mais que isso, o Amiga passava a mesma sensação do Spectrum; um computador que foi criado por entusiastas, não por um comitê.

O Amiga, assim como o Spectrum, tinha alma. Nenhum era igual ao outro, todo Amiga tinha uma pequena esquisitice, como não ler um disco que todos os outros Amigas liam.

Meu Spectrum foi meu último computador com Z80, mas o pequeno processador continuou me acompanhando, em sistemas embarcados, equipamentos eletrônicos do dia-a-dia. Dizem que durante um tempo ele foi usado como controlador de teclados de PCs.

A Zilog começou a investir em processadores de 16 bits, mas uma série de compras, fusões, mudanças de dono e direcionamento a fizeram perder o bonde da História. Focaram-se no menos lucrativo mercado de microcontroladores, mas o modelo mais novo foi lançado em 2007.

Em 2009 eles começaram a vender sua propriedade intelectual e linhas de produção. Em 2009 ela foi comprada pela IXYS por US$62.4 milhões, o que nesse mercado é troco de pinga.

Agora uma subsidiária, ela vive de produzir seus velhos chips, que ainda têm mercado, como controladores para controle remoto de TV. Já os mais antigos, estão sendo defasados.

Em 16 de abril de 2024 ela emitiu um comunicado para que os clientes interessados em comprar lotes do Z80 façam seus pedidos até 14 de junho, será o último lote. O Z80, depois de 48 anos, sairá definitivamente de linha.

É completamente irracional ficar triste por causa disso, mas uma parte de mim sente a infância indo embora, o Z80 agora vive apenas em minhas memórias.

Ou no Mercado Livre, onde dá pra comprar um original por R$ 50.

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