TikTok pode mesmo ser banido dos EUA?
Governo dos EUA diz que TikTok é uma ameaça à Segurança Nacional; CEO do app diz que banimento é violação da 1.ª Emenda. Quem tem razão?
Ronaldo Gogoni 30/04/2024 às 8:54
Ninguém esperava que chegaria a tanto, mas o cabo-de-guerra entre o governo dos Estados Unidos e o app TikTok escalou até as últimas consequências. Na última quarta-feira (24), o presidente Joe Biden sancionou um pacote de leis e medidas ligadas à Segurança Nacional, entre elas, um aporte de mais US$ 60 bilhões de ajuda à Ucrânia, e uma nova lei para "proteger americanos de aplicativos controlados por nações adversárias", no caso, a China.
Na prática, isso significa que a ByteDance, a companhia matriz, tem 9 meses (podendo ser estendido para 12, mediante autorização do presidente Biden) para encontrar um comprador norte-americano e vender 100% de sua participação no TikTok, ou o app será banido do país.
Governo dos EUA defende venda ou banimento do TikTok; ByteDance pretende enfrentar a lei nos tribunais (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
A resposta, claro, veio a cavalo: Shou Chew, CEO do TikTok, afirmou que o app "não irá a lugar algum", no que a empresa pretende levar o caso aos tribunais, pois no seu entendimento, a Lei viola a 1.ª Emenda da Constituição dos EUA, no caso, o direito irrestrito à liberdade de expressão.
Em tese, o TikTok tem uma base legal para estabelecer sua defesa, mas as coisas, como sempre, não são tão simples assim, ainda mais quando os EUA usam a carta da Segurança Nacional.
TikTok vs. EUA
A Lei (cuidado, PDF) especifica que aplicativos que sejam controlados por executivos de governos adversários, a saber Rússia, China (Hong Kong inclusa), Irã, Coreia do Norte, Cuba, e Venezuela, não podem operar nos EUA, e os que hoje serão obrigados a vender sua participação para um indivíduo, ou companhia norte-americana, no prazo específico. Do contrário, sua operação será encerrada em todo o país.
Os detalhes acerca da Lei foram, sejamos francos, cuidadosamente delineados para atingir diretamente a rede social da ByteDance, tanto que ela é informalmente chamada de "lei anti-TikTok". As acusações se concentram no fato conhecido de que o Partido Comunista da China (CCP) exerce controle direto na empresa, e usaria o app para coletar todos os tipos de dados dos cidadãos norte-americanos.
Essa briga entre a ByteDance e os EUA não é nova, e data desde antes o CCP estender sua influência sobre o app. Ainda na gestão de Donald Trump, os ânimos já andavam esquentados entre as partes, e foi nessa época que as discussões sobre descer o banhammer na rede social começaram, e foram tomando forma no governo seguinte.
O TikTok se defende, Show Chew afirma que a operação do app é completamente separada da matriz ByteDance, empresa também conhecida como Douyin (o mesmo nome do app local), mas declarações de ex-funcionários, usadas pelo Congresso para aprovar a Lei, dizem que essa separação nunca sequer existiu.
O grande, enorme problema acerca da Lei, é que todas as acusações são baseadas no "confie em mim" dos políticos, nenhuma evidência foi revelada publicamente, em nome da Segurança Nacional, de novo. Chew usa esse fato como uma forma de defender o TikTok, ao afirmar que a nova legislação é um ban por medo da concorrência, e não de espionagem.
Fato, o TikTok é hoje a 4.ª maior rede social em quantidade de usuários, com 1,2 bilhão (dados de 2023), ficando atrás apenas do Facebook (3 bilhões), YouTube (2,5 bilhões), e Instagram (2 bilhões), e deixando o Snapchat (750 milhões) e o X (541 milhões, e caindo) comendo poeira. Sua força vem dele ter sido massivamente adotado pelos jovens, 70,2% de sua base instalada tem idade entre 18 e 34 anos.
A título de comparação, o Snapchat tem 61,5% de usuários na mesma faixa, Instagram 61,1%, X 58%, Facebook 52%, e YouTube 36,8%.
TikTok tem grande apelo junto aos jovens, que não andam nada contentes com a possibilidade do app ser banido nos EUA (Crédito: Divulgação/TikTok)
Segundo Chew, o TikTok tem base legal para questionar a Lei, que ele considera inconstitucional, o que vários especialistas em Direito concordam, mas há alguns detalhes que precisam ser levados em conta.
Ban do TikTok: Legal ou não?
Eric Goldman, professor de Direito na Universidade de Santa Clara, diz que as justificativas do governo dos EUA para impor uma lei de banir apps como o TikTok é "um grande saco de nada", baseadas em vento, e que a Primeira Emenda da Constituição do país é bem clara sobre a defesa da liberdade de expressão, independente da mensagem. Isso vale tanto para a veiculação de propaganda chinesa (do qual a rede social foi acusada), quanto para a ideologia nazista.
Os americanos têm o direito de expressar o que quer que estejam pensando, e de ouvir qualquer tipo de mensagem, a fim de tomarem suas próprias decisões e formarem suas opiniões. O TikTok alega que ao banir o app do país, o governo ataca o direito de ouvir vozes dissidentes, já que o app está disponível.
A outra acusação, a de que o app coleta dados sensíveis dos usuários, é mais complicada de ser contestada, visto que o governo nunca revelou as provas disso, tal como aconteceu com a Huawei, banida de operar nos EUA e países parceiros mesmo assim. O processo deverá usar casos em que órgãos norte-americanos foram usados para espionar seus próprios cidadãos, e outros ao redor do mundo, como o caso de Edward Snowden deixou claro.
Em tese, o TikTok tem uma base sólida para criar um argumento potente o bastante para levar o caso à Suprema Corte, e apresentar provas de que a lei para banir o app é inconstitucional... não fosse a justificativa da Segurança Nacional, usada frequentemente para tratorar direitos e impor sanções, dentro e fora dos EUA.
Na minha opinião, as chances do TikTok reverterem a Lei tendem a zero, e como a ByteDance já avisou que não vai vender o app, resta aguardar pelo muito provável banimento.
Por que parar por aí?
A Lei para "proteger americanos de aplicativos controlados por nações adversárias", embora criada para atingir o TikTok, tem potencial para atingir uma série de outros aplicativos, serviços e games que operam nos EUA, e até mesmo influenciar países parceiros a tomarem ações parecidas, ou aprovarem leis similares, caso Washington deseje esticar a corda e estender o ban ao resto do mundo, o que, cabe mencionar outra vez, aconteceu com a Huawei.
De cara, podemos citar os apps de compras Temu e SHEIN, o mensageiro instantâneo WeChat, o editor de vídeos CapCut, também propriedade da ByteDance, e até mesmo os games da Riot Games, um estúdio que, embora sediado na Califórnia, tem 100% de suas ações sob controle do conglomerado chinês Tencent.
Por outro lado, as mesmas sanções não se aplicariam à Epic Games, desenvolvedora de Fortnite e responsável pela Unreal Engine, já que a Tencent possui 35% de suas ações, a Sony 5% e a Disney 9%, mas seu CEO Tim Sweeney detém 51%, sendo seu acionista majoritário; ele já disse, mais de uma vez, que nunca deixará de controlar a empresa que fundou.
Com base na Lei, os games da Riot (que pertence à Tencent), como League of Legends e Valorant, podem também serem banidos dos EUA (Crédito: Divulgação/Riot Games/Tencent)
Claro que não há santos nessa história, tanto o TikTok já foi acusado de espiar jornalistas, censurar conteúdo LGBTQIA+ e crítico à China fora de suas fronteiras, quanto os EUA não possuem uma legislação anti-espionagem de dados, até para permitir que o governo colete o que quiser, como quiser (de novo, Snowden).
A possibilidade de que a briga entre o governo Biden e o TikTok escale para uma disputa judicial na Suprema Corte existe, e especialistas acreditam que o app tem chances reais de reverter a lei, mas se a justificativa da Segurança Nacional prevalecer, o que tenho quase certeza que será o resultado, é bom Shou Chew já ir arrumando as malas.
Fonte: Gizmodo
