Ronaldo Gogoni 30/09/2024 às 11:07
A disputa judicial entre Epic Games, Apple e Google está longe de acabar, e continua se desdobrando em novos desenvolvimentos. Primeiro, a companhia de Tim Sweeney abriu um novo processo contra a gigante das buscas, mas também um novo alvo para o rolo, a Samsung.
A desenvolvedora de Fortnite acusa ambas de armarem um conluio para bloquear a Epic Games Store (EGS), que chegou recentemente a dispositivos mobile, de ser instalada nos dispositivos Android mais recentes da empresa sul-coreana.
Enquanto isso, a Apple se enrola ainda mais com justiça norte-americana, ao tentar justificar a cobrança de taxas sobre compras no app realizadas por fora da App Store, e tem até 30 de setembro de 2024, também conhecida como a data de publicação deste artigo, para entregar à corte todos os documentos referentes à decisão.
A maçã pediu mais tempo, o que lhe foi negado pelo segundo juiz que cuida da ação, este tendo sugerido que a companhia mentiu sob juízo.
O segundo processo (cuidado, PDF) movido pela Epic contra o Google, e o primeiro contra a Samsung, tem como alvo o recurso chamado Bloqueador Automático, presente nos dispositivos que rodam Android 14 e a interface One UI 6. Ele é uma camada adicional de proteção ao sideloading, que vem desligado por padrão em todos os aparelhos que rodam o sistema móvel do robozinho, mas que o usuário pode contornar, desligando o bloqueio ou autorizando outros apps (navegadores, por exemplo) a os instalarem.
Uma vez ligado, o Bloqueador Automático barra todas as tentativas de instalar apps externos, mesmo se o usuário ativar o sideloading ao nível de SO, permitindo o download de aplicativos e games apenas através das fontes oficiais, a Google Play Store e a Samsung Galaxy Store.
Até aí nada de mais, a ferramenta era opcional e poderia ser ligada se o usuário quisesse, mas na verão 6.1.1 da interface One UI, pré-instalada nos topos de linha Galaxy Z Fold 6 e Z Flip 6, o Bloqueador Automático vem ativo por padrão. Não obstante, a janela pop-up que aparece ao tentar instalar um app externo não mais ensina como desligar o recurso, o que ele fazia na versão anterior da interface.
Para desativar a ferramenta, é preciso entrar em Configurações → Segurança e privacidade → Bloqueador automático, desligar a chave e autenticar a ação, via PIN ou biometria (impressão digital/reconhecimento facial), mas boa parte dos usuários leigos pensara que o recurso não pode ser desativado, agora que a Samsung não mais diz que é possível.
Por fim, embora ligada apenas nos dispositivos mais caros da Samsung, é bem provável que o Bloqueador Automático passe a vir ativo por padrão também nos modelos futuros mais acessíveis, como os das linhas Galaxy S (premium), A (intermediária) e M (entrada), além dos tablets das linhas Tab S e Tab A.
A Epic Games baseia o processo no fato de que o Bloqueador Automático foi ativado por padrão apenas um mês antes do lançamento da EGS no Android e iOS, respectivamente em todo o mundo e apenas na União Europeia (UE), que deve ser instalada via sideloading. Com os mais recentes smartphones Android barrando a loja, muitos usuários leigos não saberão como desligar o recurso, e ficarão sem acesso.
Foi também devido ao Bloqueador Automático, ao menos oficialmente, que a Epic Games removeu Fortnite da Galaxy Store, mas voltando a por que a empresa começou toda essa celeuma com Apple e Google em 2020, é sua intenção distribuir seus games no mobile somente através da EGS, para não pagar taxas a ninguém.
Na ação contra Google e Samsung, a Epic diz que o procedimento para desligar o Bloqueador Automático envolve "21 passos onerosos", o que é uma tremenda balela, mesmo se incluirmos o também necessário processo de ativar o sideloading no nível do sistema, mas é fato que a gigante sul-coreana está dificultando desligar a ferramenta; a busca do sistema não retorna nada se perguntado como desativar o recurso, e como já mencionado, o how to foi removido da janela pop-up que aparece quando uma instalação é barrada.
Enquanto o Google tem que lidar com um novo processo, e a Samsung é agora arrastada para o rolo, a Apple continua a se enrolar com a Justiça, por não se submeter às exigências no processo movido pela Epic Games. Embora ela tenha escapado de ser classificada como um monopólio na distribuição de apps, a maçã foi obrigada judicialmente a permitir que desenvolvedores implementem e divulguem métodos de compras que passem por fora da App Store.
O problema, a Apple decidiu que tem direito a continuar cobrando comissões mesmo assim, e instituiu uma nova comissão sobre vendas externas, de 27% a todos os desenvolvedores que não fazem parte de seu programa voltado a pequenas empresas (estes pagarão 12%). A companhia exige a submissão de relatórios listando todas as vendas alternativas, para que ela possa cobrar o valor devido.
A juíza Yvonne Gonzalez Rogers, da Corte Distrital do Norte da Califórnia, ficou possessa com a Apple, pois no seu entendimento, a companhia tentou fazê-la de idiota, e a regra é clara: NUNCA tente fazer um juiz de idiota. Operadoras financeiras normalmente cobram 3% de movimentações financeiras, significando que a redução na taxa sobre vendas alternativas é, na verdade, um repasse de despesa aos devs, que continuarão tendo que pagar 30% sobre tudo o que venderem, dentro ou fora da App Store.
Além da Epic ter processado a Apple de novo, alegando que a companhia age de má-fé, a juíza Rogers se irritou com as manobras dos advogados da Apple, que estaria se reservando no direito de entender as leis dos Estados Unidos como lhe convém. Assim, ela exigiu que a empresa apresente todos os milhares de documentos que envolvem tomadas de decisão internas, para que o júri os repasse pessoalmente.
De modo geral, a Corte da Califórnia perdeu completamente qualquer resquício de confiança que tinha na Apple; o juiz responsável por gerenciar a apresentação dos documentos, Thomas S. Hixson, determinou que o prazo se encerra nesta segunda-feira (30), e a maçã tentou, finja surprea, dar uma de esperta outra vez.
Na última quinta-feira (26), faltando apenas quatro dias para o fim do prazo, a Apple entrou com um pedido de prorrogação do prazo, dizendo que a quantidade de documentos era muito maior do que o previsto; uma análise inicial apontou 650 mil como ligados às exigências da corte, mas que, após uma revisão mais detalhada, esse número subiu para 1,3 milhão de documentos, e alegou que precisava de mais tempo.
O juiz Hixson, soando tão ou mais impaciente que a juíza Rogers com a Apple, negou o pedido, reforçando a noção de que não apenas a empresa mente deliberadamente, como continua tentando fazer todo mundo de trouxa:
Antes do relatório de ontem (pedindo mais tempo), a Apple nunca havia informado à Epic Games, ou ao Tribunal, que o número de documentos que precisaria revisar excedia sua estimativa anterior em uma quantidade substancial. Essa informação seria aparente para a Apple semanas atrás. É simplesmente inacreditável que a Apple tenha descoberto essa informação apenas nas duas semanas seguintes ao último relatório de status. Isso dá origem a várias preocupações relacionadas.
Primeiro, os relatórios de status da Apple não eram bons. A Apple sabia que não estava no caminho certo para cumprir o prazo de conclusão substancial e manteve isso em segredo. Se a Apple tivesse informado prontamente a Epic e o Tribunal que esse projeto tinha um escopo mais amplo do que o previsto, o Tribunal poderia ter discutido possíveis soluções com as partes, como a Apple contratar mais revisores de documentos para que pudesse cumprir o prazo existente. Esperar até quatro dias antes do prazo de conclusão substancial para anunciar sua não conformidade planejada, e divulgar pela primeira vez que o escopo da revisão de documentos era maior do que o anteriormente representado, é um mau comportamento.
E temos que nos preocupar com o motivo desse mau comportamento ter acontecido. A Apple é uma das maiores empresas do mundo, com recursos disponíveis quase infinitos. Se a Apple realmente quisesse, ela poderia coletar e revisar 1,3 milhão de documentos entre 8 de agosto (data da ordem do Tribunal) e 30 de setembro (prazo para conclusão substancial)? Sim, claro que poderia.
A maneira como a Apple anunciou do nada, quatro dias antes do prazo de conclusão substancial, que não cumpriria esse prazo por causa de uma contagem de documentos da qual certamente estava ciente há semanas, dificilmente cria a impressão de que a Apple está se comportando de forma responsável.
O pedido da Apple por uma prorrogação do tempo foi NEGADO.
À Apple, resta tão somente engolir o sapo e se virar para entregar todos os documentos para serem revisados pela Corte da Califórnia e pela Epic Games, o que ela claramente não quer de jeito nenhum que aconteça.