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Perdeu uma bomba termonuclear? Chame um matemático

Perder uma bomba nunca é legal, ainda mais quando é uma nuclear. Dessa vez, ao invés de São Longuinho, os EUA apelaram para a Matemática

24 semanas atrás

A notícia bomba de que a União Soviética havia lançado Yuri Gagarin ao espaço maravilhou o mundo, mas os militares ocidentais ficaram apavorados. Era mais uma demonstração, como o Sputnik, que a tecnologia de mísseis russa era bem superior.

Um B-52 despejando democracia no Vietnã (Crédito: US Air Force)

A Vostok-1 de Gagarin era basicamente um míssil balístico intercontinental R-7, e entre 69kg de cosmonauta comunista e algumas toneladas de artefatos nucleares, havia pouca diferença.

O efeito colateral do sucesso do Sputnik e do Gagarin foi que a propaganda russa convenceu o Pentágono que eles haviam ficado para trás em termos de mísseis, em quantidade e qualidade. Planos desesperados surgiram, e o maior de todos é bem explicado no começo de Dr Fantástico, o clássico de Stanley Kubrick:

Como forma de responder a um ataque-surpresa da União Soviética, os EUA mantinham uma frota de bombardeiros e aviões-tanque voando constantemente, esperando a ordem para atacar alvos soviéticos.

A chamada Operação Chrome Dome era um pesadelo logístico, estressando aviões e tripulações em missões longas, tediosas e perigosas. Entre 1961 e 1968 nada menos que cinco bombardeiros B-52 foram perdidos em acidentes, todos envolvendo ogivas nucleares, e vários em território americano.

Um dos piores, entretanto, foi longe de casa. Mais precisamente na Espanha, quando um B-52 estava voltando para a base, levando quatro ogivas termonucleares B28, de 1,4Megatons.

Era 17 de janeiro de 1966. Um bombardeiro B-52 estava se preparando para um reabastecimento aéreo de rotina, sobre Palomares, no sudeste da Espanha.

A rota usada pelos B-52 (Crédito: Wikimedia Commons)

Rotina, claro, entre aspas. Tom Clancy descreveu o reabastecimento aéreo como o ato mais antinatural criado pelo Homem. Centenas de toneladas de metal, voando a centenas de quilômetros por hora, se aproximando a ponto de fazer contato. É quase pedir pra dar errado, e infelizmente, deu.

O B-52 se aproximou rápido demais, e por algum motivo o operador da sonda de reabastecimento não deu a ordem para abortar a manobra. A ponta da sonda acertou a asa esquerda do B-52, quebrando uma longarina. Isso fez com que a asa se partisse, a gasolina dentro dela pegasse fogo, e em segundos uma enorme explosão atingiu em cheio o avião-tanque KC-135, matando os quatro tripulantes a bordo.

Dos sete tripulantes do bombardeiro, quatro sobreviveram. Três caíram no mar, sendo resgatados por barcos. O quarto caiu em terra, mas havia outro problema: As ogivas termonucleares caíram com o avião. Foi declarada uma situação de Broken Arrow, Flecha Partida.

Aqui vale relembrar uma citação do filme do mesmo nome: O mais assustador não é o Governo dos EUA perder uma arma nuclear, o assustador é ser algo tão freqüente que já tem até um codinome para aquela situação. E é verdade. Entre 1950 e 1980 os EUA tiveram oficialmente 32 situações de Broken Arrow.

No caso das bombas, duas delas, além de cair, explodiram, mas calma.

Armas nucleares são feitas para não explodir, exceto sob condições extremamente controladas, é virtualmente impossível uma detonação nuclear acidental, o que explodiu foi o explosivo convencional usado para criar as “lentes” explosivas que concentram o material físsil para que ele atinja massa crítica.

A parte ruim é que o material físsil, em geral Plutônio, é bem radioativo, e quanto os explosivos detonaram, criou-se a chamada Bomba Suja, onde material radioativo contamina uma região.

Imediatamente as autoridades apareceram, primeiro polícia, bombeiros, depois forças armadas, com muitos “consultores” americanos. As bombas foram rapidamente localizadas pelos espanhóis, e foi iniciado um processo de repatriação do material.

Duas das bombas recuperadas - Museu Nacional da Ciência e História Nuclear em Albuquerque, Novo México (Crédito: Marshall Astor / Wikimedia Commons)

Boa parte do solo ficou contaminado. Soldados lavavam as casas e prédios com mangueiras de alta pressão. Safras inteiras de vinícolas da região foram recolhidas dos campos e queimadas. Milhares de barris com solo contaminado foram transportados para o deserto da Califórnia e enterrados.

A história completa pode ser vista neste excelente documentário.

Em meio ao escândalo todo, alguém se tocou que uma bomba continuava perdida, e após semanas passando um pente fino, decidiram que ela não estava em terra, ou já teria sido encontrada.

A Força Aérea pediu ajuda à Marinha, e jogo navios dos EUA sondavam incessantemente a região, sabendo que submarinos soviéticos apareceriam para tentar pescar a bomba também.

Parte dos barris antes do transporte para os EUA (Crédito: USAF)

Infelizmente, nada foi achado, os especialistas da Marinha tentaram todos os pontos que seus cálculos apontavam como prováveis, e nada.

Eis que entra em cena John Piña Craven, que já era uma lenda na oceanografia. Ele propôs usar algo inteiramente novo na busca da bomba, uma técnica estatística criada por um sujeito nascido em 1701: Thomas Bayes.

O chamado Teorema de Bayes se baseia em calcular estatísticas com base em fatos já conhecidos, mas o pulo do gato é que os fatos não são necessariamente reais.

O que John P. Craven fez foi reunir toneladas de variáveis, entrevistar pilotos, comandantes e engenheiros, pedindo para pensarem hipóteses do que teria acontecido.

O avião caiu direto ou voou por mais alguns quilômetros? O pára-quedas da bomba se abriu ou não? Os explosivos detonaram?

O mar estava calmo ou com correntes? Os relatos de pescadores que viram algo caindo eram verdadeiros ou não?

Craven dividiu um mapa da região em quadrantes, era assumido que a bomba estava ali, e calculavam as probabilidades, com base nas variáveis. No final, cada quadrante tinha um valor. Isso era repetido para cada uma das hipóteses, no final Craven terminou com um mapa de probabilidades estatísticas, gerando uma média de todas as hipóteses.

O segredo é que quando você consegue novas evidências, isso é adicionado ao cálculo. A informação de que não estava chovendo afeta as probabilidades, diminuindo o peso das estimativas baseadas em chuva, por exemplo.

A técnica deu certo, e em 17 de março a bomba foi finalmente localizada, bem onde a matemática de Craven dizia que ela estaria. Essa foi a parte fácil.

Em um declive de 70 graus, a 780 metros de profundidade, a bomba foi encontrada pelo submersível tripulado Alvin, mas tentativas de prender um cabo a ela fizeram com que a bomba deslizasse para as profundezas. Ela só foi localizada de novo dia 2 de abril.

Dessa vez um robô foi enviado para prender o cabo de resgate, mas como desgraça pouca é bobagem, o robô se enrolou nos cabos do pára-quedas da bomba. Sem opção, os operadores decidiram puxar todo mundo.

Quando o robô e a bomba estavam a uma profundidade de 30 metros, mergulhadores desceram e prenderam os cabos de resgate.

A bomba, finalmente recuperada, no convés do USS Petrel (Crédito: US Navy)

Depois disso foi a hora de muita passada de pano diplomática, limpeza dos terrenos, indenizações, o de sempre.

Quanto à técnica de Craven, chamada Busca Bayesiana, foi usada de novo em 1968 durante a busca pelo submarino nuclear USS Scorpion, e várias outras vezes. Hoje é algo considerado rotineiro, e foi fundamental para encontrar os destroços do fatídico vôo AF447, da Air France, que se acidentou no Atlântico após decolar do Rio de Janeiro em 2009.

Quanto a Bayes, seu legado continua firme e forte, usado não só em buscas por bombas perdidas, como em todo tipo de análise estatística, como previsão do tempo, operações de seguros, IA/Aprendizado de Máquina e no treinamento de ferramentas como o ChatGPT.

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