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Precisamos salvar a história dos videogames

Estudo da Video Game History Foundation mostra que 87% dos jogos lançados nos EUA não estão disponíveis para a venda e preservação da história preocupa

40 semanas atrás

Com a distribuição digital e a ascensão dos estúdios independentes, adquirir um jogo hoje em dia é muito mais fácil do que há 20, 30 anos. Ainda assim e mesmo com o interesse de algumas empresas em faturar com os clássicos, um estudo mostrou que grande parte da história dos videogames corre um sério risco de "desaparecer".

História dos videogames

Crédito: Reprodução/Stanislav Kondratiev/Pexels

Comandada por Phil Salvador, diretor da biblioteca da Video Game History Foundation (VGHF), a pesquisa se deu através da colaboração com a Software Preservation Network e o grupo de pesquisa GAME, da University of Washington Information School, tendo reunido muitas informações tão interessantes quanto preocupantes.

A principal delas certamente é a constatação de que, se considerarmos os jogos lançados nos Estados Unidos, atualmente apenas 13% deles podem ser adquiridos legalmente. Ou seja, estamos falando de 87% da história dos videogames que não está disponível para a venda, seja física ou digitalmente.

Para ilustrar a situação, a codiretora do VGHF, Kelsey Lewin, deu como exemplo o filme Titanic. Imagine que para assisti-lo precisaríamos ter acesso a uma fita VHS e a um videocassete. Imagine então que uma organização como a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos digitalizasse uma cópia do longa dirigido por James Cameron, mas para termos acesso a ela, seria preciso nos deslocar até o prédio onde fica o acervo. Obviamente pouquíssimas pessoas fariam tal esforço, num hipotético cenário que parece um tanto exagerado, mas é justamente isso o que está acontecendo com os games.

Quer outros exemplos de como o passado dos games tem sido mal preservado? Olhemos para as gravações de áudios feitas antes da Segunda Guerra Mundial ou para os filmes mudos norte-americanos. Enquanto no primeiro caso só tenhamos acesso a 10% dessas gravações, o segundo tem uma taxa de preservação até maior que a dos games, 14%. O detalhe é que quando se trata dos jogos, estamos falando de uma mídia criada há muito menos tempo.

História dos videogames

A disponibilidade dos jogos, por anos (Crédito: Reprodução/VGHF)

Vale esclarecer, no entanto, que Salvador e seus colaboradores não pesquisaram todos os jogos já lançados. Para chegar ao resultado eles dividiram os dados em três categorias, sendo elas:

  • Ecossistemas abandonados, com um baixo interesse comercial e poucos jogos disponíveis. Por exemplo, o Commodore 64.
  • Ecossistemas negligenciados, onde há muito interesse comercial, mas ainda não há muitos jogos disponíveis. Para isso eles escolheram a família Game Boy, que vai desde o primeiro portátil da Nintendo até o Game Boy Advance.
  • Ecossistemas Ativos, que é quando os jogos para essas plataformas estão sendo relançados o tempo todo. Para isso os pesquisadores escolheram o PlayStation 2.

Assim, após quase quatro meses de pesquisas eles puderam conferir a disponibilidade de mais de 4000 jogos, incluindo aí a biblioteca completa do Game Boy. O grupo então esbarrou numa questão importante: se o jogo foi relançado com material cortado ou adicionado, o original pode ser considerado disponível? E no caso de remakes?

A solução foi tentar simplificar o máximo possível a classificação. Desde que a nova versão não seja substancialmente diferente daquela lançada num primeiro momento, o estudo a tratou como um mesmo jogo. Eles também ignoraram jogos relançados através de caras edições limitadas ou de colecionador. Afinal, o objetivo era descobrir se os jogos antigos são acessíveis ou não.

Crédito: Reprodução/Denise Jans/Unsplash

Hoje, se olharmos para a biblioteca do PlayStation 2, veremos que muitos dos seus principais jogos foram relançados. Contudo, como explica Phil Salvador, a história dos videogames não é feita apenas de bestsellers e aqueles que querem conhecê-la ou mesmo revisitar o que foi criado no passado não podem ficar à mercê de uma lista curada pelas empresas.

No caso do segundo console da Sony, 88% dos seus jogos ainda não estão disponíveis para a compra. E quando olhamos para tudo o que foi criado bem antes dele, no período que sucedeu o crash da indústria, esse número é ainda mais preocupante, com 97% dos jogos lançados antes de 1985 não estando à venda.

Aí temos o caso da família Game Boy. Até recentemente, pouco mais de 12% da sua biblioteca estava mais acessível, com os jogos podendo ser adquiridos através das redes online do 3DS e Wii U. Porém, com o fim do eShop nessas plataformas, hoje apenas 5,9% dos títulos podem ser acessados facilmente, uma perda de mais de mil jogos e sem o menor indício de que será recuperada em breve.

Outro problema está no fato de que muitas vezes esses relançamentos acontecem apenas em uma plataforma. Logo, se um dia essa plataforma deixar de existir, muitos títulos desaparecerão. Um exemplo é o Antstream Arcade, único serviço em que podemos acessar os jogos de Commodore 64 e que se parar de funcionar, a disponibilidade de jogos para aquele aparelho cairá para meros 0,75%.

Crédito: Reprodução/Nik/Unsplash

Quanto a pirataria, Salvador admite que ela é a maneira mais simples e muitas vezes a única de termos acesso aos jogos mais antigos. Se considerarmos a quantidade desses jogos que permanecem esquecidos e o quão caro seria podermos comprar suas versões originais, assim como os consoles para rodá-los, é compreensível tantas pessoas recorrerem a emuladores ou coisas do tipo.

Porém, como o autor do estudo salientou, por mais que tenhamos que ser gratos por a história dos videogames não ter desaparecido completamente graças ao esforço de algumas pessoas que "espalham" ROMs e emuladores, é inaceitável termos que ficar reféns de sites obscuros ou a torrents que apenas alguns conhecem.

“Para acessar quase nove em cada dez jogos clássicos, há poucas opções: procurar e manter jogos e hardware colecionáveis antigos, viajar pelo país para visitar uma biblioteca ou... a pirataria,” afirmou Kelsey Lewin. “Nenhuma dessas opções é desejável, o que significa que a maioria dos videogames é inacessível a todos, exceto aos fãs mais obstinados e dedicados. Isso é muito sombrio!”

Como o interesse das empresas no passado tende a ser puramente comercial, infelizmente não podemos esperar que o mercado assuma a responsabilidade de preservar a história dos videogames. Para Phil Salvador, essa é uma tarefa que ficará nas mãos das bibliotecas e arquivos, mas para que ela possa ser realizada, é preciso que as leis de direitos autorais sofram mudanças.

História dos videogames

Crédito: Reprodução/Ivan Rudoy/Unsplash

Contudo, e aqui coloco a minha opinião, num mundo em que os políticos estão mais preocupados em elevar os impostos que incidem sobre os games ou até mesmo criar mecanismos para proibi-los, será mesmo que eles se preocuparão em fazer algo para garantir que o passado desta mídia não seja varrido?

Isso posto, tenho que concordar com as pessoas que defendem que a história dos videogames está nas mãos da emulação. Se não for esta tentativa de recriar virtualmente os antigos consoles, não nos restarão opções que não seja adquirir apenas os jogos que as empresas quiserem, o que basicamente se resume àqueles que um dia foram sucessos comerciais ou que os detentores dos direitos enxergam como potenciais novas vendas.

Para acessar o estudo em sua integridade, basta visitar esta página.

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