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The Last of Us e a (não tão) improvável pandemia por fungos

Longe de um apocalipse zumbi cogumélico como em The Last of Us, existem fungos que representam séria ameaça à saúde pública

1 ano atrás

Com The Last of Us sendo a série do momento, a adaptação dos games da Naughty Dog para a TV voltou a levantar as mesmas perguntas de 10 anos atrás, quando o primeiro título foi originalmente lançado: há a possibilidade de que fungos possam infectar pessoas, da mesma forma que na série e nos jogos, desencadeando um apocalipse zumbi cogumélico?

A resposta curta? Não. Mas você acessa o Meio Bit em busca da resposta longa, então, vamos adiantar: não como na ficção, mas hoje temos problemas com fungos nocivos na realidade, alguns bem perigosos.

Tanto no game quanto na série da HBO, o apocalipse de The Last of Us se deu em questão de horas (Crédito: Divulgação/Sony Pictures Television/PlayStation Productions/WBTV)

Tanto no game quanto na série da HBO, o apocalipse de The Last of Us se deu em questão de horas (Crédito: Divulgação/Sony Pictures Television/PlayStation Productions/WBTV)

A trama principal de The Last of Us, tanto nos games quanto na série, gira em torno de uma pandemia global causada por uma mutação de um fungo do gênero Ophiocordyceps, que compreende mais de 140 espécies entomopatogênicas, isto é, invadem e crescem exclusivamente em insetos.

Originalmente, este fazia parte do gênero maior Cordyceps, que compreende mais de 600 variantes, mas em 2007, análises revelaram ser gêneros diferentes. Não que a Naughty Dog soubesse disso, e acabaram usando a nomenclatura antiga do Ophiocordyceps unilateralis, antes C. unilateralis, o fungo que transforma formigas em zumbis.

Neil Druckmann, co-criador dos games e da série de TV, confirmou que a inspiração para The Last of Us veio de um episódio do documentário da BBC Planeta Terra, de 2006, em que Sir David Attenborough explica a função do O. unilateralis e seus "parentes", cada um especializado em infectar um inseto diferente, como um agente controlador de superpopulações de artrópodes na Natureza.

Claro, isso não ameniza a natureza do fungo, que controla a pobre formiga infectada para fazer o que ele deseja, para crescer e espalhar seus esporos, um processo que leva de 4 a 10 dias para se completar, que parece saído de um filme Sci-Fi de terror.

O mais interessante é saber que este O. unilaterais também pode ser infectado... por outro fungo. A Natureza não é bonitinha, mas voltando.

Nos games, o Cordyceps sofreu uma mutação que o tornou capaz de invadir e controlar humanos, originalmente por alimentos básicos contaminados (na série, farinha). Em questão de horas, o fungo fez basicamente a mesma coisa que em formigas, ao controlar o cérebro dos hospedeiros e compelindo-os a espalhar seus esporos, obviamente transformando todos em zumbis comedores de gente, afinal, por que não?

Claro, algumas diferenças foram feitas para levar The Last of Us para a TV, como, por exemplo, o Ophiocordyceps mutante (na série usam os dois nomes, o correto no segundo episódio) se propaga apenas pelos estames projetados pela boca do zumbi, e não mais também por esporos, eliminando a necessidade dos atores terem que ficar usando máscaras o tempo todo.

A base para o início do surto é abordada na cena de abertura do primeiro episódio da série da HBO. Em 1968, dois epidemiologistas discutem, em um programa de entrevistas a lá The Dick Cavett Show, sobre a possibilidade de uma pandemia global em larga escala surgir no futuro.

Um deles levanta a possibilidade de um novo vírus, similar ao da gripe, que poderia facilmente migrar de um ponto a outro do mundo rapidamente, graças a viagens de avião se tornando mais frequentes. Uma loucura, impensável, quem imaginaria tal coisa? Nunca vai acontece- Oh wait...

O segundo, interpretado pelo ator John Hannah (trilogia A Múmia, Agentes da S.H.I.E.L.D.), aponta que fungos são uma ameaça maior, e dá seus motivos.

Dr. Neuman explica que, em um cenário de aquecimento global (outra coisa que nunca vai acontecer, certo?), qualquer fungo conhecido, do Cordyceps ao Candida e outros, poderia sofrer mutações (aleatórias, sempre bom lembrar) que lhe permitiriam sobreviver em organismos mais complexos, e com temperaturas médias mais elevadas como mamíferos, humanos inclusos, e usar os mesmos métodos para se reproduzir, incluindo escravizar mentes e tornar os hospedeiros em drones/zumbis.

A parte da temperatura é acurada. Segundo o Dr. David Hughes, biólogo evolucionário da Penn State University, que estudou o Cordyceps por mais de 20 anos, insetos como formigas tendem a "induzir uma febre comportamental" para reduzir as chances de infecções. Porém, com a Terra ficando mais quente, o ambiente propiciaria chances de fungos apresentarem mutações, que poderiam ou não aumentar suas chances de sobrevivência.

Isso foi muito bem demonstrado naquele experimento com a placa de petri gigante. Mutações nocivas matam os espécimes, as neutras não sobem nem descem, e as benéficas, mesmo mínimas, permitem que as variantes passem seus genes adiante e se tornem dominantes.

Claro, isso na teoria dentro do mundo de The Last of Us. Na prática, os fungos dos gêneros Cordyceps e Ophiocordyceps estão adaptados a infectarem organismos ordens de magnitude mais simples do que humanos, e, além disso, eles se proliferam quando há um número excedente de hospedeiros potenciais no ambiente, de novo, os classificando como agentes para controle ambiental, impedindo o desequilíbrio do ecossistema.

Se toda a população do planeta fosse infectada por um fungo como o da série e dos games, isso levaria a sua própria extinção, e lembrando, o Cordyceps também pode ser parasitado, controlando sua expansão. No mais, o cérebro das formigas zumbificadas não é invadido pelo fungo, ao invés disso, é inundado por substâncias para exercer controle sobre o hospedeiro.

Manter a vítima viva por tempo suficiente para o fungo crescer e espalhar seus esporos é essencial, mas eventualmente, ela vai morrer. O hospedeiro na parede, que Joel e Tess encontram no metrô no primeiro episódio, seria o exemplo de como uma infecção real poderia ocorrer, se fosse possível.

O Candida auris é um "superfungo" com múltipla resistência a vários fungicidas potentes (Crédito: Reprodução/Adobe)

O Candida auris é um "superfungo" com múltipla resistência a vários fungicidas potentes (Crédito: Reprodução/Adobe)

Isso não quer dizer que não tenhamos nossa cota de fungos perigosos. Alguns causam doenças sérias como aspergilose, histoplasmose, eumicetoma e candidíase, e um espécime em especial deste gênero, o C. auris, é classificado como um "superfungo", por ser altamente resistente a múltiplos medicamentos potentes.

O contágio por este, geralmente em hospitais, pode causar uma infecção na corrente sanguínea (fungemia), afetando também órgãos internos e o sistema nervoso central. Sua taxa de mortalidade fica entre 30% e 60%, considerada altíssima, e já ocorreram casos em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, em 2020.

Hoje, o Dr. Hughes mudou o foco de sua pesquisa para o combate ao aquecimento global, no que ele considera hoje o estudo de patógenos parasitas como o Cordyceps uma distração, do nível de arrumar as cadeiras do Titanic enquanto ele afunda, quando frente às mudanças climáticas.

Ainda assim, é preciso considerar que, uma vez tendo atingido um maior público fora dos games, a série The Last of Us está chamando atenção de pessoas a assuntos referentes à Biologia e STEM, e paralelamente, à situação atual da Terra como um todo.

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