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Concreto romano e o segredo da durabilidade (contém pegadinha)

MIT reproduz fórmula do concreto romano, que se autorrepara com o tempo; composição não é o único motivo de sua durabilidade

1 ano atrás

O concreto usado pelos romanos é um assunto que rende estudos e discussões há muito tempo. A fórmula original se perdeu no tempo, no entanto, muitas das construções do mundo antigo permanecem de pé após milênios depois, enquanto obras modernas não duram tanto tempo.

Cientistas tentam há anos entendem o que havia na composição do concreto romano, ou no método de construção, que conferiram tamanha durabilidade; recentemente, pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) afirmaram terem "quebrado o código" da receita, mas é preciso levar alguns pontos extras em conta.

Construído por volta de 182 EC, o domo do Panteão é a maior estrutura de concreto não-reforçado (sem armações) do mundo (Crédito: Mohammad Reza Domiri Ganji/Wikimedia Commons)

Construído por volta de 182 EC, o domo do Panteão é a maior estrutura de concreto não-reforçado (sem armações) do mundo (Crédito: Mohammad Reza Domiri Ganji/Wikimedia Commons)

Concreto Wolverine

Pesquisas em torno do porquê a argamassa romana é tão resistente, estando estruturas como o domo do Panteão, que não usa nenhum tipo de reforço moderno, em pé até hoje, se acumulam ao longo do tempo, sem que ninguém tenha chegado a uma resposta concreta. O que se sabe é que os romanos usavam materiais pozolânicos, oriundos de piroclastos minerados na região de Nápoles.

Isso não chega a ser uma novidade, o uso de rochas vulcânicas na composição de argamassa é empregado até hoje, com o cimento Portland sendo o exemplo mais conhecido. O que também se sabe é que os romanos não tinham conhecimentos de Química; eles não deixaram nenhum tratado específico, e tudo o que faziam era na base da tentativa e erro.

Isso não quer dizer que os romanos não eram bons engenheiros, o Coliseu e o Panteão (o qual é uma reconstrução, datada no tempo do imperador Adriano; do edifício original, erguido durante o reinado de Augusto e encomendado por Marco Vipsânio Agripa, só restou a fachada, com a dedicatória em latim) são os dois exemplos mais óbvios, mas considerando que a composição do concreto antigo não é tão diferente do nosso, e que os romanos não usavam armações para reforçar as estruturas, como tudo continua de pé?

Além dos materiais pozolânicos, já apontaram a possibilidade de a água do mar fazer a diferença, mas um time de pesquisadores do MIT apontou para outro elemento, também comum: o óxido de cálcio, mais conhecido como cal viva ou cal virgem.

Segundo o Dr. Admir Masic, físico-químico do MIT e um dos autores do estudo (cuidado, PDF), análises da estrutura mostraram que o concreto romano apresentava fragmentos (clastos) de cal, atribuído no passado à má-qualidade da matéria-prima, em um processo porco de mistura. Ele nunca engoliu tal afirmação, se baseando no pressuposto que a fórmula era basicamente a mesma usada em várias construções do Império Romano. Logo, haveria um esforço para manter suas construções de acordo com um tipo de "controle de qualidade".

Análises do material mostraram que os clastos de cal se formam em temperaturas altíssimas, e sabemos que a reação entre cal viva e água é violenta, gerando gases tóxicos (tanto que ele já foi usado como arma, inclusive no Brasil), e mais importante, uma quantidade significativa de calor, impedindo que eles que dissolvam, daí formando os cristais. A bem da verdade, o concreto romano não é completamente curado, pois a água não evapora por completo.

Este seria um dos motivos da resistência do concreto romano: ao apresentar rachaduras, a água presente na mistura entraria em contato com os clastos de cal, que se dissolvem no processo de hidratação, e se ressolidificam, reparando o dano. De certa forma, as estruturas antigas conseguem regenerar danos menores.

Estrutura de concreto composto com base na receita romana, usando cal virgem; dano intencional foi reparado após exposição a fluxo de água corrente (Crédito: Linda M. Seymour et al/Massachusetts Institute of Technology)

Estrutura de concreto composto com base na receita romana, usando cal virgem; dano intencional foi reparado após exposição a fluxo de água corrente (Crédito: Linda M. Seymour et al/Massachusetts Institute of Technology)

Os pesquisadores do MIT realizaram experimentos, recriando a fórmula romana usando cal viva, e a comparando com um controle baseado nas técnicas modernas. Ambas foram danificadas e expostas a um fluxo de água, e após 30 dias, a amostra de concreto romano não deixava mais a água passar, pois a rachadura havia sido preenchida com calcita, material resultante da reação química da água passando pelos clastos de cal viva.

O MIT assegurou patentes do método, e segundo Masic, uma companhia começará a comercializar um novo tipo de concreto, baseado no processo romano, até o fim de 2023.

Agora, a pegadinha

Embora o concreto romano demonstre ter maior durabilidade, é preciso considerar alguns fatores, que não se traduzem tão bem nos tempos modernos.

Estruturas como o Panteão e o Coliseu consumiram quantidades exorbitantes de materiais, de novo, por serem construídos com concreto não-reforçado. Sem estruturas como vigas e vergalhões de metal, eles se mantêm de pé principalmente pelo enorme peso, o que exige mais material, logo, aumentando o custo.

Como hoje dispomos de técnicas que reduzem o consumo de material nas construções, seria possível empregar o concreto romano até pelo suposto fator ecológico, com estruturas capazes de regenerar danos, diminuindo custos com reparos e reformas, não fosse o tempo.

Como o concreto romano não é completamente curado, ele demora mais para secar; estudos anteriores já apontavam que estruturas levam em média 180 dias para firmarem, o que é inviável do ponto de vista de cronogramas e metas a serem atendidas.

As obras da antiguidade, como o Fórum e o Mercado de Trajano (neste o concreto foi revestido por tijolos), aquedutos e sistemas de esgoto, usados até hoje, tempo e custo eram facilmente contornáveis, pois as obras romanas eram feitas para durar séculos, o que não se pode dizer das construções comerciais de hoje.

Por outro lado, o desperdício de material ali foi colossal, e não dá para jogar fora 2 mil anos de conhecimentos acumulados em Engenharia, Física, Química e Ciência de Materiais, com o argumento "antigamente era melhor". Não era.

Pesquisas do tipo servem para entender como aprimoramos nossas técnicas de construção ao longo dos milênios, mas nem tudo o que era usado então é aplicável hoje, como esperar a secagem de uma construção por meio ano.

Referências bibliográficas

SEYMOUR, L. M., MARAGH, J., SABATINI, P. et al. Hot mixing: Mechanistic insights into the durability of ancient Roman concrete. Science Advances, Volume 9, Edição 1, 13 páginas, 6 de janeiro de 2023. Disponível aqui.

Fonte: WIRED

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