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União Europeia quer soberania em satélites de internet

Em dois planos separados, União Europeia propõe uma rede própria de satélites de internet, e um sistema de datacenters em órbita

1 ano atrás

Não é de hoje que a União Europeia está com empresas externas, especialmente norte-americanas, atravessadas na garganta, e faz de tudo para se livrar delas e contar apenas com suas soluções, enquanto restringe o alcance das externas no continente, sob a justificativa de proteger o mercado interno.

Tanto o mercado de internet quanto o aeroespacial não são exceções, por isso a mais nova empreitada do bloco nem surpreende: em dois pacotes distintos, um já aprovado e o outro em estudo, a UE pretende lançar seu próprio sistema de internet via satélites de órbita baixa (LEO), e colocar datacenters em órbita. Os alvos primários, para variar, são Elon Musk e a StarLink.

A União Europeia quer sua própria versão dos satélites Starlink (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A União Europeia quer sua própria versão dos satélites StarLink (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

União Europeia vs. Musk, de novo

Na última década, a União Europeia declarou guerra total a companhias de internet e serviços digitais de fora do continente, no que gigantes como Google, Apple, Microsoft, Amazon, Meta e outras foram os alvos preferenciais, em dezenas de processos nos quais sempre saíram perdendo, em inúmeras situações.

Elon Musk, hoje o homem mais rico do mundo, não é exceção. Todas as suas companhias, da Tesla ao Twitter, estão sob escrutínio constante e pesado da Comissão Europeia, no que ele já foi alertado, mais de uma vez, que caso ele não siga as regras, as multas e restrições irão assombrá-lo.

Claro que a SpaceX, e sua subsidiária StarLink não são exceções. A capacidade da primeira, em prover lançamentos baratos está tirando o sono das agências espaciais europeias, como a francesa Arianespace e a italiana ASI, principalmente por não dominarem a tecnologia de foguetes reutilizáveis.

O grande problema, é que tanto no caso da SpaceX quanto no da StarLink, com seus satélites LEO, Musk está seguindo todas as regras de competição europeias, e se as empresas locais não conseguem acompanhá-lo, azar deles. Ainda assim, os legisladores europeus não estão nada contentes com uma empresa ianque dominando o mercado.

A solução? Se as empresas não conseguem individualmente bater na StarLink, só resta ao governo, com seu cheat de dinheiro infinito, entrar diretamente na competição. E é exatamente isso que vai acontecer.

Os satélites LEO da UE seguiriam o mesmo princípio do sistema GALILEO de geolocalização (Crédito: EUSPA/ESA)

Os satélites LEO da UE seguiriam o mesmo princípio do sistema GALILEO de geolocalização (Crédito: EUSPA/ESA)

Em fevereiro de 2022, a Comissão Europeia apresentou um plano de financiamento de 6 € bilhões, sendo 3,6 € bilhões vindo da iniciativa privada, para o desenvolvimento de uma rede de satélites de órbita baixa para atender todos os 27 países-membros da União, a fim de não só oferecer um produto competitivo frente à StarLink, mas também para garantir a hegemonia do continente, e não depender de soluções externas em nenhum cenário.

Na última quinta-feira (17), um acordo preliminar foi firmado entre o Conselho e o Parlamento, impulsionado não apenas pela expansão do alcance da StarLink, mas também por desenvolvimentos recentes no campo militar, tanto da Rússia quanto da China, no que poderiam criar dificuldades para as comunicações da UE. A ideia é oferecer um serviço inicialmente apenas para europeus,  mas que poderia a médio prazo ser disponibilizado em mais regiões, assim como o sistema GALILEO de geolocalização, de uso apenas civil.

Martin Kupka, ministro dos Transportes da República Tcheca, deixou clara a intenção de posicionar o sistema estatal como um concorrente da StarLink:

"O programa de conectividade segura visa o lançamento de uma constelação multi-orbital de centenas de satélites, que cobrirá a necessidade de serviços de comunicação seguros da União Europeia, e sustentará nossa posição como um dos astros principais no espaço."

A constelação recebeu o nome de IRIS2, anagrama para Infrastructure for Resilience, Interconnectivity, and Security by Satellite, ou Infraestrutura para Resiliência, Interconectividade e Segurança via Satélite, em português.

Segundo Thierry Breton, comissário para Mercado Interno da UE, o maior desafio do IRIS2 será prover internet de alta velocidade para os europeus, de forma que ele atue como um sistema de backup para a infraestrutura atual, conectando inicialmente Europa e África.

O projeto ainda precisa de aprovação final, mas dado o interesse de não depender da StarLink e, no futuro, concorrer com ela, dificilmente o IRIS2 não passará; a expectativa é que ele esteja em operação até 2027.

Datacenters no Espaço

Quanto maior a internet se torna, com mais e mais usuários, mais e mais serviços, é preciso cada vez mais e mais servidores para armazenar todos os dados e informações criadas e acessadas. Consequentemente, precisamos de cada vez mais datacenters.

O grande problema é o consumo de energia, para manter tudo resfriado o consumo energético escala enormemente, e soluções para isso vêm sendo propostas de maneiras não-ortodoxas. O Projeto Natick da Microsoft, por exemplo, visou a construção de um datacenter submarino, instalado na costa da Escócia, que funcionou maravilhosamente bem.

Na verdade, ele se saiu melhor que a encomenda, principalmente por não ser operado localmente por humanos. E se a meta é eliminar enxeridos puxando cabos, esbarrando neles, deixando a sala dos servidores aberta, por que não colocar os datacenters em órbita?

Representação artística do datacenter orbital da ASCEND (Crédito: Thales Group)

Representação artística do datacenter orbital da ASCEND (Crédito: Thales Group)

Pois essa é a proposta do programa ASCEND, de Advanced Space Cloud for European Net zero emission and Data sovereignty, ou Nuvem Avançada Espacial Europeia para Zero Emissões e Soberania de Dados, um projeto da joint venture Thales Alenia Space que planeja colocar os servidores no espaço, onde serão livres das restrições de tamanho, e poderão economizar na conta de luz para resfriamento.

Além disso, o projeto visa, como o nome sugere, reduzir as emissões de poluentes por servidores para zero, bem como garantir que a União Europeia, de novo, não dependa de soluções de gente fora do bloco, como Microsoft e Amazon.

O estudo inicial, orçado em 2 € milhões, busca analisar a viabilidade de se manter satélites LEO para cumprirem a função de datacenters, onde serão alimentados por energia solar; o ponto crítico é garantir uma velocidade de transferência de dados que não coloque percalços em procedimentos de acesso de grande porte, principalmente para usuários corporativos e governamentais.

O estudo da ASCEND considera vital garantir que os servidores em órbita sejam menos poluentes do que os em Terra, o que uma conclusão negativa poderá condenar a iniciativa, mesmo se a transferência de dados se mostrar satisfatória; por outro lado, a Thales Alenia Space menciona que para lançar estações orbitais massivas como sugeridas, será preciso desenvolver foguetes de grande porte, e reutilizáveis, para reduzir o impacto ambiental.

De novo, o problema esbarra em uma solução já disponível através da SpaceX, com seus foguetes Falcon Heavy e, em breve, a Starship, mas como dito antes, a UE não quer depender de Elon Musk.

Não há um prazo estimado para o projeto ASCEND, até porque ele está ainda na fase de estudos, mas analistas supõem que, caso ele seja aprovado e entre em operação, ele possa contribuir com o plano da União Europeia de zero emissões até 2050, no que os datacenters terrestres no continente seriam desativados, em prol dos orbitais.

Fonte: The Next Web, ExtremeTech

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