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A catástrofe iminente dos cabos submarinos

Rompimentos recentes mostram vulnerabilidade dos cabos submarinos, no que uma falha pode derrubar a internet em vários continentes

1 ano atrás

O AAE-1, ou Asia-Africa-Europe, é um dos vários cabos submarinos responsáveis pela manutenção da internet em alta velocidade no mundo. Com 24,94 mil km de extensão, ele conecta Hong Kong a Marselha, na França, e conta com ramificações pelo Sudeste Asiático, Oriente Médio, África e Europa.

No dia 7 de junho de 2022, o AAE-1 foi cortado no trecho que passa pelo Mar Vermelho, no Egito, em circunstâncias não esclarecidas, que danificou ainda um segundo cabo. Como Moisés não pôde ser contatado, tudo leva a crer que uma âncora mal colocada seja a culpada.

Basta um terremoto, ou uma âncora no lugar errado, para derrubar a internet de um continente inteiro (Crédito: Getty Images)

Basta um terremoto, ou uma âncora no lugar errado, para derrubar a internet de um continente inteiro (Crédito: Getty Images)

O resultado? Caos, puro e simples. A Etiópia perdeu 90% da conectividade, e a Somália, 85%. Houve blecautes, lentidão e queda de serviços na nuvem de grandes companhias, como Google, Amazon e Microsoft, da Ásia até a Europa. A falha foi corrigida em questão de horas, mas é preciso apontar que incidentes como este são bem comuns, embora não devessem ser.

Cabos submarinos sofrem desde sempre

Os primeiros cabos submarinos surgiram no século XIX, obviamente para telégrafos. O inaugural, lançado em agosto de 1850 pelo engenheiro John Watking Brett, ligava a Inglaterra com a França pelo Canal da Mancha, e só funcionou por 3 dias, quando foi cortado por um pescador.

O cabo não possuía nenhuma proteção, mas o experimento viabilizou a instalação do primeiro de facto, blindado e protegido, em 1851, no mesmo trecho. Este, por sua vez, garantiu a robustez do formato nas comunicações, no que mais cabos passaram a ligar os ingleses a outras regiões, como Irlanda, Bélgica, Holanda/Países Baixos (é complicado), etc.

O primeiro cabo transatlântico, ligando os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, foi instalado em 1858 e entrou em operação no dia 16 de agosto, com uma mensagem da rainha Vitória ao presidente James Buchanan. A conexão funcionou por apenas 3 semanas, no que foi substituído por versões mais robustas em 1865 (que foi cortado na instalação, mas reparado depois) e 1866.

De lá para cá, cabos mais protegidos vêm sendo usados, migrando de uma tecnologia para outra, saindo do telégrafo para o telefone, e hoje, a internet de alta velocidade. Porém, os problemas continuam os mesmos: o leito dos oceanos é um lugar instável por natureza, e os cabos estão sujeitos a todo tipo de infortúnio, incluindo tubarões enxeridos.

Hoje, existem cerca de 550 cabos de fibra óptica submarinos, que conectam todos os continentes do globo, com exceção da Antártica, e por mais que internet via satélites de órbita baixa sejam legais, Einstein é implacável: a latência da Starlink, embora muito mais baixa da de um satélite geoestacionário, ainda não tem como competir com as conexões físicas submarinas.

Entre implementar toda uma nova infra para viabilizar a empreitada do Musk, é muito mais vantajoso, e barato, do ponto de vista de governos, sair puxando cabo de rede mundo afora. E essa discussão nem é nova: quando o rádio surgiu, muitos previram (erroneamente) o fim das conexões físicas, sejam terrestres ou submarinas, para os telégrafos.

Foi preciso um desafeto de Marconi, devidamente contratado e pago para melar uma demonstração, para que a comunicação via cabos ainda se mostrasse mais robusta, e à prova de invasão.

Charge de 1899 da revista satírica Punch: a Eletricidade ameaça acabar com as comunicações terrestre e submarina de telégrafos. Não rolou (Crédito: Edward Linley Sambourne/Punch)

Charge de 1899 da revista satírica Punch: a Eletricidade ameaça acabar com as comunicações terrestre e submarina de telégrafos. Não rolou (Crédito: Edward Linley Sambourne/Punch)

Por outro lado, a dependência das conexões submarinas para comunicações, no que os cabos hoje garantem o acesso à internet de alta velocidade por valores razoáveis, colocou todo mundo para viver ao sabor das ondas, literalmente. Por mais que as posições destes sejam bem especificadas em cartas náuticas, não raras são as ocasiões em que navios soltam suas âncoras de qualquer jeito, atingindo-os em cheio.

Como consequência, países e continentes inteiros podem passar por períodos prolongados de instabilidade nas conexões, o que, sem surpresa, está tirando o sono dos políticos europeus, exatamente devido ao que aconteceu com o AAE-1 em junho último.

Além deste, existem mais 15 outros cabos que passam pelo Mar Vermelho, e basta uma olhadinha no site SubmarineCableMap para entender a preocupação dos europeus.

Cabos submarinos que passam pelo Egito, e quais regiões eles conectam (Crédito: Reprodução/TeleGeography)

Cabos submarinos que passam pelo Egito, e quais regiões eles conectam (Crédito: Reprodução/TeleGeography)

Lembre-se que o Canal de Suez, uma das principais passagens marítimas comerciais, atravessa o mesmo trecho em que os cabos estão. Como um "ponto de estrangulamento", a região é considerada um ponto para a ocorrência de falhas na rede submarina, como o rompimento do AAE-1 ilustrou de forma didática. 17% de todo o tráfego passa pela região.

Em um relatório (cuidado, PDF) emitido na mesma época reconhece o trecho do Mar Vermelho como crítico, capaz de desencadear problemas generalizados na manutenção da internet na Ásia, África e Europa, caso uma ocorrência mais grave ocorra.

O grande problema, como sempre, é o custo. O Canal de Suez é, assim como para navios, a mais curta rota para interligar os três continentes, e consequentemente, a mais barata. Dar a volta pelo Mar do Norte seria uma opção menos problemática, mas muito cara para implementar, o mesmo valendo para dar a volta na África, à moda dos navegadores da Era dos Descobrimentos.

Ainda que as vantagens a longo prazo sejam interessantes, não basta apenas sair desenrolando cabo oceano afora (na verdade, sim, mas há mais fatores envolvidos), e nem todo mundo é um Google da vida, com dinheiro sobrando para bancar a brincadeira.

Mesmo outras rotas não são tão seguras assim, se considerarmos ameaças recentes da Rússia, em resposta ao apoio da Europa à Ucrânia.

Tem solução? Não. A Física não perdoa, e Einstein continua sabendo mais do que todo mundo; por melhor que as conexões sem fio estejam se tornando, não há meios de competir com a confiabilidade, e resiliência/redundância, das conexões por cabos submarinos.

As melhores opções seriam prover rotas alternativas, a fim de diminuir pontos críticos como o do Mar Vermelho, que estará sempre sujeito a navegadores imprudentes, soltando âncoras de qualquer jeito. Infelizmente, essa alternativa esbarra nos custos de implementação, que não são camaradas. E a fibra óptica continua confiável.

Por enquanto, teremos que lidar com que sua internet banda larga pode cair, e eventualmente irá, devido a alguém que ancorou seu navio onde não devia.

Fonte: WIRED

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