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A lenta, inexorável e despercebida morte da mídia física

A mídia física de uso rotineiro está desaparecendo. Ninguém mais troca disquetes, e até os pendrives estão saindo de moda

1 ano atrás

Mídia física, claro, me refiro a formatos transportáveis, não a seu HD, que, espero, não fica passeando em sua mochila. Falo de disquetes, fitas, cartões perfurados e similares.

Responda rápido: Se alguém vê uma foto em seu computador e fala “gostei, manda pra mim”, o que você faz? Se for da velha guarda, manda um email com a foto anexada. Se for mais moderno, abre o celular, acessa o álbum compartilhado na nuvem, seleciona “compartilhar” e manda para seu amigo.

Nem sempre foi tão fácil.

Eu sei que é difícil acreditar, mas nem sempre computadores estiveram conectados. Era perfeitamente normal você ter vários computadores em uma empresa, sem nenhum meio de um falar com o outro, e muito menos com computadores em outros locais. O protocolo de comunicação mais comum não era TCP/IP, era o DPLDPC, Disquete Pra Lá, Disquete Pra Cá.

Em alguns casos, quando era imperativo transferir uma grande quantidade de dados entre dois computadores, apelava-se para isto:

Reconheceu? Ótimo, a vacina tá em dia, certo? (Crédito: Reprodução Internet)

É um cabo Laplink, que usando um software proprietário conectava as portas paralelas entre os dois computadores. A velocidade ficava em torno de 115kbps, o que era razoável para a época. Incrivelmente, a Laplink ainda existe e continua lançando novos produtos.

Quem começou com o disquete de 5¼ achou uma evolução imensa os discos de 3½ polegadas, e por muitos anos eles atenderam perfeitamente, mas a Lei de Moore nos brindou com computadores mais potentes, os softwares foram ficando mais complexos e chegamos ao ponto em que a instalação do Windows 98 exigia 39 disquetes, se você fosse o corn-digo desafortunado que não tinha um drive de CD-ROM.

A grande mudança ocorreu em 1998, quando a Apple forçou o Mercado e lançou o iMac G3, cometendo a suprema heresia de não incluir um drive de disquete. A única opção de mídia física era um pendrive, na porta USB, ela mesma uma novidade, o padrão USB 1.0 foi lançado em 1996.

Os pendrives conviveram bastante tempo com os  disquetes, e vários formatos alternativos surgiram, como o Zip Drive, o Iomega Click!, e as versões mais profissionais, como os discos da Bernoulli e o Jazz Drive, também da Iomega, mas essas soluções profissionais eram profissionalmente caras, e mesmo o Zip Drive, não atingiu massa crítica para se tornar algo que você pudesse casualmente emprestar para um amigo copiar alguns jogos.

A mídia física continuou a evoluir, pendrives com cada vez mais capacidade, cartões de memória de todos os formatos e tamanhos, mas nunca atingiram o desprendimento dos disquetes. Ninguém mendigava (muito) disquete, a gente sempre tinha uma caixa de discos virgens para alguma necessidade, a não ser uma vez quando um desafor-digo, corno pediu para que eu pirateasse o CD-Rom do CorelDraw pra ele. Mandei voltar com 400 disquetes. Ele Não gostou.

O preço dos pendrives continuou caindo. No tempo em que eu cobria tecnologia e freqüentava eventos de mídia, era comum nos kits de imprensa vir um pendrive, com todos os releases, fotos e vídeos. Era excelente. Só que como todas as coisas boas um dia chegam ao fim, os pendrives foram escasseando, agora os releases vão todos pra nuvem, as fotos e vídeos num link do OneDrive ou GDrive.

Brinca-se que crianças chamam disquetes de ícone de salvar impresso em 3D, mas qual a última vez que você usou um disquete? EU não me lembro. Pendrive é mais fácil, foi ontem, usei um pendrive dual (USB em uma ponta e microUSB na outra) para transferir arquivos para meu tablet xing-ling que uso para ler gibis. Fora isso, meu uso de pendrives é zero.

A mídia física de uso cotidiano está se tornando solução de nicho, tipo um pendrive para carregar arquivos em uma impressora 3D.

Profissionalmente, as soluções proprietárias meio que desapareceram. Quem precisa transportar uma grande quantidade de dados fisicamente, usa um HD externo, de preferência SSD.

Quem quer brincar a sério, pode contratar este brinquedo aqui:

Grosseria define. (Crédito: A quitanda do Seu Bezos)

É o AWS Snowmobile, um container blindado da Amazon, ao invés de passar anos transmitindo dados para os servidores na nuvem, você contrata o Snowmobile, ele estaciona na frente da sua empresa com um datacentre completo, você puxa um cabo e transfere até 100 Petabytes, que depois são levados fisicamente até o datacentre da Amazon, e os dados são descarregados nos seus servidores contratados.

OK, voltando a nós, meros mortais.

A transição dos disquetes para os pendrives não foi tranqüila, e nos primórdios da computação doméstica, disquetes eram coisa de micreiro com dinheiro. Os entusiastas-mirins, que já cortaram um dobrado para convencer os pais a comprar um “computador”, que na visão deles não servia para nada e ainda estrava a televisão, raramente conseguiam o extra para um drive de disquetes.

A brilhante solução das empresas foi encontrar um meio de armazenamento barato, ubíquo e que até uma criança conseguisse usar. Esse AK-47 dos periféricos foi o bom e velho gravador K7.

Alguns computadores como o Commodore PET vinham com um gravador incluso. Outros como o ZX Spectrum, usavam qualquer gravador disponível. O MSX Expert da Gradiente vinha com o DataCorder DR-1, um gravador quase miniatura, com opção de usar pilhas e era a coisa mais linda do mundo.

Commodore PET, com gravador embutido. (Crédito: Wikimedia Commons)

Na velocidade padrão o ZX Spectrum gravava e lia dados analogicamente a uma velocidade equivalente a 1.365kbps. Uma fita de 60 minutos guardava o equivalente a 0.6MB, o que  parece pouco mas um programa de Spectrum ocupava no máximo 48KB.

Surgiram produtos que tentaram adaptar o videocassete como dispositivo de armazenamento, principalmente para backups, mas se a fita K7 era pouco confiável, o videocassete era a treva. O Lazy Game Review fez uma boa resenha sobre um sistema desses.

De todas essas mídias físicas, uma em especial eu acho fascinante, mas infelizmente nunca cheguei perto. É a mídia com que Bill Gates e Paul Allen carregaram o primeiro BASIC no Altair 8800, décadas atrás em Albuquerque, e deram início à Microsoft. Essa mídia? A fita perfurada.

Uma cópia do Altair BASIC 8K da Microsoft (Crédito: Wikimedia Commons)

A tecnologia vem dos terminais de telex, depois usados em mainframes. O conceito é lindamente simples. O equipamento usa uma fita de papel com cinco posições horizontais. Cada uma delas representa um bit. Com furo, é zero, sem furo, é um. Todo mundo chama de Baudot, mas o formato evoluiu e na época do Altair BASIC, todo terminal usava o código ITA2 da Western Union, para codificar em 5 bits o alfabeto latino e alguns caracteres de controle.

A fita perfurada é de uma elegância ímpar, ela pode  ser usada como emulação de terminal, enviando os dados como se estivessem sendo digitados, ou diretamente como dados seriais.

Você guarda os programas em elegantes caixinhas redondas. Devidamente etiquetadas. Seus dados são imunes a todo tipo de interferência magnética, papel é uma mídia física que e não se degrada, se você for cuidadoso.

Ao contrário dos cartões perfurados, não é um desastre deixar a fita de papel cair no chão.

Uma fita perfurada codificada em 5 bits (Crédito: Ricardo Ferreira de Oliveira / Wikimedia Commons)

Apesar disso tudo, assim que foi possível, a fita perfurada caiu em desuso entre os micreiros. O equipamento para perfurar fitas era bem mais caro que o leitor, que já era caro, e a densidade de dados era atroz. Lembra dos 0.6MB em uma fita K7 de 60 minutos?

Uma fita perfurada tem densidade de 10 bits por polegada. Os mesmos 600KB da fita K7, se gravados em papel exigiriam uma fita de 12192 metros.

Isso não impede que entusiastas mantenham a tecnologia viva, o YouTube está cheio de projetos de restauração de equipamentos antigos, como esse teletipo no CuriousMarc, ou projetos modernos e sofisticados, usando microcontroladores, como este aqui:

Felizmente, para quem não quer se sentir muito velho, ainda se encontra drive de disquete originais, para equipamentos antigos, ou com conexão USB, para os mais novos.

No dia em que começarem a montar drive de 3½ artesanalmente, aí sim vou me preocupar.

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