Meio Bit » Hardware » EditDroid – Quando Star Wars revolucionou o cinema cedo demais

EditDroid – Quando Star Wars revolucionou o cinema cedo demais

EditDroid foi um sistema de edição de filmes e TV desenvolvido pela Lucasfilm, e que fracassou por ser avançado demais

1 ano e meio atrás

Visto hoje, o EditDroid não é nem arcaico, ele exala poder e potencial, como um Spitfire, mas o que é comum hoje era coisa de outro mundo em 1984.

O EditDroid era futurista pacas, para 1984 (Crédito: Droid Works)

Em 1984 a arte da edição cinematográfica era basicamente a mesma do tempo de Louis Lumière. O principal equipamento era uma gilete, cola e fita durex. Os filmes eram inspecionados manualmente, contra uma lâmpada, até o editor achar a cena que queria. Ele então cortava o filme com uma lâmina, e colava a cena na cena anterior já editada.

Imagine um quebra-cabeças onde você tem que recortar manualmente as peças, antes de começar a montar. Rolos e rolos de filme, cada um com várias versões da mesma cena, indicações manuscritas do diretor, fitas de cenas penduradas em varais, e o chão da sala de edição, coalhado de cenas (literalmente) cortadas.

Em 1924 esse trabalho ficou um pouquinho mais fácil com a invenção da moviola, um equipamento que facilitou um pouco esse trabalho. Agora o filme era inserido em uma espécie de mini-projetor, com uma tela também pequena. O editor usava pedais para avançar ou retroceder o filme até a parte desejada. Quando achava a sequência ideal, marcava diretamente no filme, com um lápis de cera.

Uma "ilha de edição" dos bons e velhos tempos (Crédito: Reprodução Internet)

Agora imagine que a maioria dos diretores filma muito mais do que usa na versão final. Fora cenas com variações, temos cenas em que um ator foi muito bom mas outro ficou mais ou menos, um bom editor vai recortar as tomadas de cada um e formar um novo diálogo.

Um comercial de 30 segundos pode exigir duas horas de cenas filmadas, entre variações, retaques e experimentações. Alguns diretores são famosos por filmar versões e mais versões da mesma cena. Charles Chaplin comumente passava de 300 versões. Neste vídeo aqui Stanley Kubrick dirige uma das 127 tomadas da cena do freezer em O Iluminado.

Blockbusters, que custam fortunas costumam filmar dezenas e dezenas de variações, experimentando diálogos diferentes, posicionamentos e até troca de personagens. Um Avengers: Endgame da vida termina suas filmagens com uma proporção de material filmado de 400:1, ou seja: para cada 400 minutos filmados, um aparecerá na edição final.

Estamos falando de quilômetros e quilômetros de filmes. Isso era complicado até mesmo para as moviolas modernas dos Anos 80, e vídeo não era muito diferente.

A configuração padrão de edição de vídeo consistia de uma mesa de corte/efeitos, dois ou mais players e um gravador. A edição era igualmente linear, você tinha que avançar as fitas até o ponto em que a cena desejada começava. Você marcava o começo, depois o final, dava play e o gravador gravaria aquele pedaço, talvez com algum efeito de vídeo, ou entrada de uma segunda cena, vindo do outro player.

Alguns editores adoram a Moviola, acham pura magia editar fisicamente um filme, outros ansiavam por métodos mais rápidos e práticos. Um desses era George Lucas, que sofreu horrores com Star Wars que, aliás, foi salvo na edição, graças aos esforços de Paul Hirsch, Marcia Lucas e Richard Chew (Bacca) – Sorry, não resisti.

Lucas sonhou com um sistema de edição onde o filme estaria todo em um computador, o editor poderia selecionar trechos sem ter que ficar avançando ou retrocedendo películas físicas.

DaVinci Resolve 15. O mais incrível é que há uma versão gratuita plenamente funcional (Crédito: Black Magic Studios)

Claro, em 1984 não existia DaVinci Resolve, Blender, Inferno, Sony Vegas ou Adobe Premiere, se você viajasse no tempo e tentasse instalar o Final Cut em um recém-lançado Macintosh ele explodiria igual à formiguinha da proverbial piada com o elefante.

Armazenamento era outro problema; em 1983 um IBM-XT topo de linha vinha com um hard disk de 10 MB, não cabem exatamente horas e horas de vídeo digitalizado em 10 MB. De qualquer jeito, um PC comum não daria conta, felizmente a Droid Works, subsidiária da Lucasfilm que ganhou um cheque em branco para projetar e construir o sistema, pensou alto.

Eles escolheram como base para o EditDroid uma workstation Sun 1, lançada em 1982, com uma CPU Motorola 68000, 1020 x 800 de resolução monocromática, 640x480 em 256 cores, até 4 HDs de 84 MB e 256 KB de RAM, expansíveis até 2 MB. Tá, eu sei, seu relógio tem mais poder que isso, mas eram outros tempos.

Obviamente o EditDroid não tinha como ler filmes em película, muito menos processá-los.

Um frame em 2K, o mínimo aceitável de resolução para um filme digital bem vagabundo, tem resolução de 2560 x 1440 píxels, totalizando 3.68.400. Cada píxel desses precisa de cor. RGB, 8 bits cada, 24. Ou seja, um único frame em qualidade 2K ocupa 8,3 MB, 4 vezes a capacidade total de memória do sistema.

A solução? O EditDroid não faria edição direta, usaria uma versão em baixa resolução, um truque usado até hoje quando se lida com vídeos em 8K ou mesmo 4K, dependendo das capacidades do seu possante.

Um laserdisc se parecia com um cdzão, mas era analógico (Crédito: Marcus Rowland / WIkimedia Commons)

E de onde viriam esses filmes em resolução menor? Simples: para garantir agilidade, todas as filmagens RAW do filme a ser editado seriam digitalizadas e convertidas em videolaser, um formato que não degrada, podendo ser reexibido infinitas vezes, e ainda por cima era muito rápido, com controle e acesso frame a frame, garantindo ao editor controle total sobre a sequência.

Claro, o processo ainda era extremamente lento. Levavam dias e dias, talvez semanas para digitalizar os filmes e prensar os videolasers, todos os dados tinham que ser introduzidos (epa!) no banco de dados do EditDroid, mas depois disso o editor tinha tudo que havia sido filmado ao alcance dos dedos, acessando automaticamente paredes inteiras de racks com players de laserdisc.

O EditDroid vinha na configuração com três monitores: um com a interface gráfica, outro de preview e um maior para exibir a versão “renderizada” da sequência editada. Um controle especial trazia várias teclas dedicadas, um trackball e um jog shuttle para avançar ou retroceder o filme, mas ao contrário de sistemas que usavam fitas magnéticas, o EditDroid era um sistema de edição não-linear, você podia ir para qualquer ponto de qualquer sequência, imediatamente.

O console principal do EditDroid (Crédito: Droid Works)

Também era possível aplicar efeitos de chroma-key, cortes, mudanças de cenas, fade-in, fade-out, dissolves, e vários outros. Isso era especialmente importante, pois na edição tradicional qualquer mudança de cena que não fosse um corte simples deveria ser especificada, os trechos mandados para o laboratório fotográfico e só dias depois o editor receberia o filme com a transição.

O EditDroid além de versátil era extremamente rápido. Em uma demonstração, um operador usando o EditDroid competiu com uma editora usando métodos tradicionais, a meta era editar uma sequência com quatro ou cinco cenas. O EditDroid terminou em cinco minutos, a editora levou 20.

Como as imagens no videolaser tinham qualidade broadcast e o EditDroid usava gravadores profissionais, ele conseguia editar um programa de TV e entregar uma fita pronta para ir ao ar, já filmes, aí era mais complicado.

A interface do EditDroid (Crédito: Droid Works)

Como a edição era feita com proxies de baixa resolução, a saída era gera uma lista de cortes. Quando a versão final do filme era renderizada, exibida e aprovada, o EditDroid imprimia uma EDL – Edit Decision List, uma lista que indica qual trecho de, qual vídeo será usado, qual o momento do início, qual momento do fim, cortes, qual áudio na cena, qual rolo de filme está o clipe, tudo.

Essa lista é passada para um editor, que terá então que montar o filme de maneira tradicional, mas bem mais eficiente.

O EditDroid era reconhecidamente eficiente, futurista, revolucionário, até demais. O que explica a recepção fria.

Os editores, como todo mundo, não gostam de acordar e descobrir que tudo que eles sabiam não serve para mais nada, e o EditDroid era uma ferramenta completamente nova. O povo do cinema, acostumado a trabalhar numa salinha com cheiro de filme não teve interesse em mexer com computador, algo bem menos comum em 1984 do que você imagina.

O equipamento também tinha outro problema: O preço. Um EditDroid custava em valores atuais US$ 428 mil. Uma moviola com mesa de corte e todos os acessórios, sairia hoje por US$ 31 mil. Não era todo mundo que podia arcar com quase meio milhão de dólares em investimento.

O controle do EditDroid, fora mouse e teclado (Crédito: Droid Works)

Em 1986 a Droid Works só tinha vendido 15 EditDroids. A Lucasfilm não havia produzido ainda nenhum longa metragem com o EditDroid, e o equipamento ficou restrito à televisão, onde foi usado em séries como O Jovem Indiana Jones, mas a pá de cal foi evolução tecnológica.

Hard Disks com maior capacidade e menor preço começaram a aparecer, sistemas de edição como o da AVIS abandonaram as fitas e nem cogitaram os videolasers, agora os filmes  (ou fitas) eram digitalizados e transferidos para os HDs. Era tudo muito mais rápido e ágil, e o pouco interesse no EditDroid desapareceu como lágrimas na chuva.

George Lucas percebeu que nunca teria o retorno dos US$115 milhões (em valores de 2022) investidos no projeto, e fechou a Droid Works em 1987. A Avis comprou o software do EditDroid em 1993.

O EditDroid deu início à revolução da edição não-linear, usando o máximo de tecnologia de sua época, mas ele era avançado demais, complicado demais e radical demais para ser aceito. No final, somente 24 unidades foram feitas.

A história completa do EditDroid pode ser vista no ótimo documentário EditDroid Rise and Fall.

relacionados


Comentários