Meio Bit » Games » Como a Sega resolveu o problema do drift... em 1996

Como a Sega resolveu o problema do drift... em 1996

3D Control Pad do Sega Saturn e o joystick padrão do Dreamcast eram completamente imunes a drift. Por quê?

1 ano e meio atrás

No que tange a hardware, a Sega é vista até hoje como uma companhia à frente do seu tempo, que várias vezes pagou o preço por querer inovar antes do mercado, e consumidores, estarem prontos para as novidades.

Um desses desenvolvimentos envolve uma simples solução, implementada quase 30 anos atrás, que sanou um problema muito comum hoje: o drift em controles analógicos, que inferniza donos de consoles da Sony, Microsoft e Nintendo.

Nights into Dreams permitiu à Sega implementar tecnologia simples dos Arcades, imune a drift (Crédito: Reprodução/Sonic Team/Sega)

Nights into Dreams permitiu à Sega implementar tecnologia simples dos Arcades, imune a drift (Crédito: Reprodução/Sonic Team/Sega)

O problema, que costuma se manifestar em controles modernos muito cedo, é impossível de ocorrer no 3D Control Pad do Saturn, lançado com Nights into Dreams em 1996, ou no seu "filhote", o controle padrão do Dreamcast.

Como a Sega conseguiu tal feito? Foi bem simples, na verdade, se considerarmos as origens da companhia, uma desenvolvedora de jogos para Arcade.

Sega, SNK e os Arcades

O Sega Saturn chegou ao mercado japonês em novembro de 1994, e entre os jogos da primeira rodada de lançamentos, e os acessórios que chegaram às lojas junto com o console de 32 bits, estava o Virtua Stick. Este era um controle baseado nas alavancas e botões dos gabinetes de Arcade, desenvolvido especificamente para os jogadores apreciarem Virtua Fighter no conforto do lar, com a máxima fidelidade possível.

Na época, controles de Arcade para consoles domésticos não eram novidades, até o NES teve o seu, mas em comum, todos eram acessórios vendidos à parte. A única fabricante que ofereceu a experiência 100% Arcade em casa, com direito a alavancas como controle padrão, foi a SNK, ao lançar o Neo Geo AES, que possuía o exato mesmo hardware do MVS (placa de Arcade), sem tirar nem por.

O que a SNK fez, e que a Sega não usou na época, foi importar a solução usada para captar os movimentos do jogador, que era a mesma adotada em Arcades desde sempre. No controle do AES os comandos eram captados por microcontroladores, que liam os impulsos elétricos conforme a posição que o jogador movia o joystick.

Esta não é só uma boa abordagem, mas é também essencial, pois evita o desgaste. Caso uma máquina de Arcade usasse um potenciômetro na alavanca, o estresse infligido faria o drift aparecer em dois tempos.

Desmonte do controle do Neo Geo AES; as 4 peças pretas são os microcontroladores da alavanca (Crédito: Reprodução/Luke Morse/YouTube)

Desmonte do controle do Neo Geo AES; as 4 peças pretas são os microcontroladores da alavanca (Crédito: Reprodução/Luke Morse/YouTube)

O Virtua Stick, por outro lado, empregou uma solução mais simples e barata: assim como controles de consoles como o do Atari 2600, ele usava uma membrana, tal qual um teclado comum, para transmitir a pressão do movimento da alavanca para a placa, o que não é um método ideal.

Lembre-se, a Sega nasceu como uma empresa que desenvolvia jogos para Arcade, assim como a SNK, mas a abordagem de ambas divergiu bastante no que dizia respeito a controles similares aos gabinetes para o usuário doméstico. No entanto, a companhia japonesa faria diferente dali a dois anos.

Nights, 3D e uma nova abordagem

Em julho de 1996, o Sonic Team apresentou um novo game para o Saturn, Nights into Dreams. Produzido por Yuji Naka (que tentou com Balan Underworld emplacar uma sequência espiritual, que não empolgou), ele oferecia uma real jogabilidade em três dimensões, mas como o controle original do console era digital, foi preciso desenvolver um joystick analógico para acompanhá-lo.

Lançado com Nights, o 3D Control Pad usou uma abordagem diferente do Virtua Stick, basicamente uma versão miniaturizada dos controles de gabinetes para Arcade. Em vez de microcontroladores, haviam sensores na placa.

O direcional contava com uma mola e um ímã, condicionados em um conjunto fixado na placa secundária por clipes, mas fora isso, não havia nenhum outro tipo de conexão, como fios e soldas. Os sensores liam os movimentos do ímã e os traduziam em comandos, com uma alta responsividade.

No detalhe, os sensores na placa secundária do 3D Control Pad; à direita, o conjunto com o direcional, que não possui conexões físicas (Crédito: Reprodução/The SegaHolic/YouTube)

No detalhe, os sensores na placa secundária do 3D Control Pad; à direita, o conjunto com o direcional, que não possui conexões físicas (Crédito: Reprodução/The SegaHolic/YouTube)

De fato, a ausência de ligações diretas entre o controle analógico e a placa, que faz a leitura dos comandos sem conexões físicas, torna o 3D Control Pad imune a drift, pois não há o que desgastar.

A título de comparação, o potenciômetro implementado nos controles dos consoles atuais, o Alps RKJXV Thumb Sticker, possui um ciclo de vida de apenas 2 milhões de ciclos (movimentos), uma marca que, segundo o site iFixit, pode ser atingida entre 4 e 7 meses de uso, jogando apenas 2 horas por dia. Depois isso o drift é inevitável, não importa se é um Joy-Con, um DualSense, ou um Xbox Elite Series 2.

Dreamcast, zero drift por padrão

Infelizmente o 3D Control Pad, chamado no Brasil de Joystick 3D pela TecToy, não fez sucesso por ser um acessório opcional, e na época, games em 3D eram raros e controles não eram preparados para lidar com comandos analógicos e digitais simultaneamente. Basta lembrar que o Dual Analog Controller e os dois primeiros DualShock, da Sony, vinham com um botão para desligar as alavancas.

Porém, em novembro de 1998 (setembro de 1999 no ocidente), a Sega decidiu implementar a solução usada para o analógico do 3D Control Pad no controle padrão do Dreamcast. O motivo era simples, o console de 128 bits permitiria, pela primeira vez e sem margem de erro, reproduzir com absoluta perfeição os seus próprios jogos de Arcade, inclusive os mais recentes desenvolvidos para a placa NAOMI, além de ports perfeitos da CPS-3 da Capcom (Street Fighter III), e do Neo Geo MVS/AES da SNK, entre outros (Soul Calibur, por exemplo).

Além de oferecer mais fidelidade de movimento com o analógico, a abordagem wireless elimina problemas por desgaste, que inexistem. Qualquer controle do Dreamcast, mesmo usado ao limite, é incapaz de sofrer com drift, ainda que apresente outros problemas; os gatilhos eram uma fonte constante de dores de cabeça.

A grande pergunta é: se a solução da Sega para o drift era definitiva, por que as outras fabricantes não a implementaram?

Eu consigo pensar em dois motivos. O primeiro envolve patentes, no que a casa do Sonic teria assegurado direitos sobre a tecnologia, de modo que quem quisesse usá-la, seria obrigado a pagar royalties à Sega.

O segundo, que também não é tão difícil de ter acontecido, é o do custo de produção. Um potenciômetro de terceiros, que pode muito bem ser adquirido por Sony, Nintendo e Microsoft por centavos de dólar a unidade, aliada à manufatura hoje centrada na China, derruba violentamente o preço para as fabricantes.

É possível que os sensores wireless no controle do Dreamcast, agora presentes em cada console por padrão, diferente do 3D Control Pad do Saturn que era vendido à parte, tenham encarecido ainda mais os custos de produção, e ajudado a complicar ainda mais a situação financeira da Sega, que a obrigou a sair do mercado de consoles em 2001.

Só nos resta imaginar se, caso a Sega não tivesse quase falido na época, e continuasse lançando consoles nos anos seguintes, se sua solução para o drift permaneceria exclusiva de seus produtos, ou acabaria adotada pela concorrência; talvez hoje, ninguém estaria sofrendo com drift em controles.

Leia mais sobre: , , , .

relacionados


Comentários