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Rússia retoma esforço para blindar internet do país por completo

Guerra entre Rússia e Ucrânia estimula Putin a retomar plano de ativar a RuNet, rede desconectada da internet global e similar à da China

2 anos atrás

Que a Rússia vem tentando controlar a circulação de informação no país, não é novidade para ninguém. O presidente Vladimir Putin tem muito pouco apreço por vozes dissidentes e liberdade de expressão, tanto é que desde 2014, o governo vem impondo restrições a veículos de mídia e agentes independentes.

Hoje, mesmo tuitar sobre o programa espacial russo é ilegal, e só o que vem de canais sancionados é considerado informação oficial; tudo o mais é "propaganda estrangeira". A internet vai à mesma toada, Putin vem há anos tentando imitar o modelo chinês e blindar completamente a rede do país, mas a tarefa não é simples.

Putin sonha com internet da Rússia igual à da China, mas esta é blindada por design; puxar o plug é mais complicado (Crédito: Ria Novosti/Reuters)

Putin sonha com internet da Rússia igual à da China, mas esta é blindada por design; puxar o plug é mais complicado (Crédito: Ria Novosti/Reuters)

Nas últimas semanas, com a escalada do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, Moscou vem tentando restringir a circulação de informações que não sejam as sancionadas pelo governo, veiculadas por canais de mídia como Ria Novosti, Gazeta.ru, RT e Sputnik, entre outros.

Agências tradicionais já são tradicionalmente monitoradas, mas desde o início da guerra, o governo intensificou o combate a narrativas dissonantes ao discurso oficial. Veículos independentes, como a estação de rádio Echo of Moscow, e a emissora de televisão Dozhd (TV Rain), foram fechadas, por ordem do Roskomnadzor, o órgão censor da Rússia.

O jornal critico ao Kremlin Novaya Gazeta, do vencedor do Nobel da Paz em 2021 Dmitry Muratov, também suspendeu suas operações online (site e redes sociais) e interrompeu a publicação da versão impressa, e assim ficará "até o fim do conflito", após a redação receber duas advertências do Roskomnadzor, por "publicar notícias falsas e incitar violência".

Qualquer veículo ou indivíduo que publicar "Fake News" sobre o confronto, quer dizer, "operação militar especial" na Ucrânia, está sujeito a até 15 anos de prisão, conforme lei recente sancionada por Putin, o que serviu para inibir os canais oficiais que começaram a questionar os motivos da guerra. Como consequência, muitos passaram a não dar mais notícias sobre.

A internet não está muito diferente, o Twitter e o Facebook foram bloqueados na Rússia em março de 2022, após resistirem às tentativas de Moscou em usar ambas como o governo queria, e as redes internas que operam, como o VK (antigo VKontakte), são constantemente monitoradas para pegar qualquer coisa que usuários publicarem. Ainda assim, isso ainda está longe do modelo considerado ideal por Putin: uma rede completamente desconectada do mundo exterior.

Não é segredo que o padrão de rede fechada e totalmente controlada, para qualquer governo autoritário que se preze, é o modelo chinês, que está bem à frente de outros similares, como os usados no Irã e Coreia do Norte, basicamente intranets governamentais. O ecossistema online da China não difere em muito da internet global, há toda uma fauna de sites, serviços, games e redes sociais, totalmente acessíveis ao usuário médio.

O que torna a internet da China funcional, o que Putin cobiça, é o Grande Firewall, uma intrincada combinação de tecnologias e regulações legislativas, que funcionam de modo orgânico e eficiente para impedir o contato do povo chinês com a internet global. Todo o conteúdo externo é monitorado e analisado antes de ser concedido acesso, e o que não se adéqua aos valores de Pequim, é barrado.

O tráfego de dados entre fronteiras também é controlado, sendo mais lento de propósito. E claro, tudo o que os chineses postam e consomem online é monitorado por agentes do governo, justificando a existência de grupos como o "Partido dos 50 Centavos", este responsável por criar distrações e caos, quando assuntos controversos começam a viralizar. Temas mais sensíveis, como qualquer menção ao ursinho Pooh, ou a desafetos de Pequim, são completamente banidos e somem da rede em instantes.

Putin vem tentando implementar um análogo do Grande Firewall na Rússia há algum tempo. Em maio de 2019, ele aprovou uma lei que obriga provedores a filtrarem todo o tráfego externo, e em dezembro do mesmo ano, autorizou o primeiro teste da RuNet, uma tentativa de fazer a internet russa funcionar sem nenhum tipo de redirecionamento internacional, blindando completamente o país e puxando o plug do acesso ao exterior.

A lei de soberania de internet prevê que o governo russo tem autoridade para desconectar a nação inteira do resto do mundo, impedindo que informações online entrem ou saiam de seus limites, mas a bem da verdade, o procedimento como um todo não é tão simples, e se espelhar no modelo chinês é um erro por um simples motivo: a internet da China é blindada por design, ela nasceu do jeito que é.

O Grande Firewall funciona porque a internet da China foi desenvolvida com ele em mente (Crédito: Shutterstock)

O Grande Firewall funciona porque a internet da China foi desenvolvida com ele em mente (Crédito: Shutterstock)

A internet chegou à China oficialmente e de modo limitadíssimo em 1994, mas já em fevereiro 1996, o governo assumiu o total controle sobre a manutenção e administração da rede em suas fronteiras. Em 1997, a Lei de Internet estabeleceu a proibição da "incitação online à derrubada do governo ou do sistema socialista", deixando claro desde o início que a web não seria um território livre, e seguiria as mesmas diretrizes de controle de informação impostos à TV, rádio, cinema e mídia impressa.

Em 29 de junho de 1998, Pequim baniu o Partido Democrata da China (DPC), que havia sido fundado 4 dias antes, e prendeu vários de seus líderes. De modo a evitar que dissidentes usassem a internet a seu favor, o Grande Firewall começou a ser desenvolvido como resposta ao ocorrido, com base em uma famosa frase do premiê Deng Xiaoping:

"Quando você abre uma janela, tanto o ar fresco quanto as moscas entrarão."

Oficialmente o Grande Firewall iniciou suas operações em 2013, e desde então opera com eficiência no que foi desenvolvido para fazer, mas como explicado, a internet da China é isolada desde o início. Puxar o plug da Rússia, por outro lado, exige uma série de medidas, tanto legais quanto técnicas, de modo a garantir que a infraestrutura e relações atuais continuem funcionado, no modo insular.

Começando pelas operadoras de internet, o Roskomnadzor tem autoridade para exigir que todas passem a filtrar conteúdo externo, mas coordenar o trabalho entre as mais de 3 mil existentes, que terão que mudar seu MO, não é uma tarefa muito simples, e eventualmente causará percalços, como quando o bloqueio do domínio t.co, um encurtador do Twitter, barrou recentemente o acesso a todos os outros sites que continham a mesma frase em seus domínios, como os da Microsoft e do Reddit, entre outros.

Essa descentralização da internet russa atinge também a infra, com companhias como a finlandesa Nokia, que fornecia equipamentos e sofware para o SORM, o sistema de interceptação de comunicações do país, até o momento em que interrompeu seus serviços prestados a Moscou, por conta das sanções impostas por União Europeia e os Estados Unidos. Atualmente, o governo não pode se livrar dos recursos fornecidos, mesmo que a Nokia não preste mais suporte.

De qualquer forma, os desenvolvimentos recentes que culminaram no bloqueio do Twitter e Facebook são sinais, ainda que tímidos, de que a Rússia está começando a se acertar para uma possível desconexão da internet local do resto do mundo. A diferença é que ela não será tão orgânica como a chinesa, ao menos não em um primeiro momento, e deverá sofrer com uma série de problemas.

Fonte: WIRED

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