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Rogozin manda programa espacial russo pro espaço

Dmitry Rogozin, chefe da Roscosmos fez mais declarações infelizes e colocou em risco o futuro do país no espaço

2 anos atrás

Mesmo comparado com Vladmir Putin, Dmitry Rogozin não é um russo dos mais estáveis. Diretor-Geral da Roscosmos, a estatal russa de atividades espaciais é famoso por enfiar o pé na boca e falar mais do que deveria, coisa que vem fazendo direto, com a Guerra na Ucrânia.

Rogozin visita fábrica em Novosibirsk (crédito: Сергей Мамонтов / Wikimedia Commons)

Desde 2011, com o fim do programa do ônibus espacial, a única forma dos astronautas americanos e europeus chegarem na Estação Espacial Internacional era voando nas cápsulas Soyuz, russas. Eles espertamente começaram a subir o custo dos assentos, no final um astronauta tinha que pagar (não o astronauta diretamente, a NASA) US$90 milhões por viagem.

O custo e a falta de um banheiro não eram o único problema do foguete russo. Todos estavam sujeitos aos delírios políticos de Moscou, e principalmente Rogozin.

Em 2014, quando a Rússia invadiu a Ucrânia pela primeira vez e roubou a Crimeia na mão grande, os Estados Unidos impuseram várias sanções. Rogozin soltou a pérola:

"Depois de revisar as sanções contra nosso programa espacial, sugiro aos Estados Unidos que mandem seus astronautas para a Estação Espacial usando um trampolim."

Sem opção, os EUA engoliram o desaforo de boca fechada (essa expressão não faz sentido), até que em maio de 2020 a SpaceX concluiu o desenvolvimento da Dragon 2 — A Missão, a versão de passageiros de sua cápsula espacial, com o lançamento da missão Demo-2, levando os astronautas Bob Behnken e Doug Hurley até a estação especial internacional, encerrando uma dependência de 9 anos do transporte russo.

Em uma conversa com membros da NASA, transmitida logo após o vôo, Elon Musk espetou Rogozin:

“O trampolim está funcionando”

Agora com a Guerra, Rogozin vem fazendo diversas ameaças, inclusive de abandonar a Estação Espacial. Infelizmente ações acompanham algumas dessas ameaças.

A Rússia cancelou sua participação em todos os projetos de pesquisa com países estrangeiros. A sonda russo-germânica Spektr-RG teve um de seus telescópios de Raio-X desativados por Rogozin.

Na base de lançamento de Kourou, Guiana Francesa, todos os 56 especialistas russos que trabalhavam com lançamentos de foguetes Soyuz e Proton foram embora, paralisando todos os futuros lançamentos.

Um Soyuz-ST-B russo em Kourou (Crédito: Agência TASS)

Rogozin também decidiu não mais fornecer motores de foguete para os Estados Unidos.

"Numa situação como essa, não podemos fornecer aos Estados Unidos os melhores motores de foguete do mundo. Deixe-os voar em outra coisa, suas vassouras, não sei o quê"

O Atlas V, da United Launch Aliance usa motores russos RD-180, mas Tory Bruno, CEO da empresa diz possuir motores em estoque para todos os futuros lançamentos. Rogozin desdenhou e rogou praga do último Atlas V, que decolou 1.º de março de 2022 levando o satélite meteorológico GOES-T.

Rogozin disse que não iriam fornecer especialistas para acompanhar o lançamento, dando a entender que isso tornaria a missão perigosa. Tory Bruno foi rápido em dizer que não costumam ter especialistas russos acompanhando os lançamentos anyway.

Também é mais que seguro afirmar que após décadas usando o RD-180, é provável que os engenheiros da ULA conheçam o bicho razoavelmente.

Menos sorte tem a Rockwell-Grumman. Seu foguete Antares usa motores russos RD-181, e o primeiro estágio do foguete é fabricado... na Ucrânia. É possível que eles sejam obrigados a lançar suas cápsulas Cygnus usando um Falcon 9, em um futuro próximo.

Também não está boa a situação da OneWeb, empresa de internet via satélite concorrente da Starlink. A OneWeb pagou US$1 bilhão para lançar seus satélites em foguetes Soyuz, e tinham um lançamento planejado para 4 de março, exceto que Rogozin resolveu embarreirar.

Modelo de satélite da OneWeb. A ideia é ter 648 deles operacionais, a um custo individual de US$500 mil (Crédito: NASA)

A OneWeb passou por uns bons perrengues, acabou sendo salva quando o Governo inglês investiu US$500 milhões no projeto, adquirindo parte da empresa. O que não contavam é que Rogozin iria ameaçar cancelar o lançamento.

Ele primeiro exigiu garantias de que a rede da OneWeb não seria usada para fins militares. Depois exigiu, para não cancelar o lançamento, que o governo inglês abra mão de sua participação (42%) na empresa.

Isso definitivamente não vai acontecer.

Em um ato de extrema mesquinharia, Rogozin tuitou um vídeo com funcionários da Roscosmos cobrindo as bandeiras dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Japão, da carenagem do foguete que levaria(á?) os satélites da OneWeb.

Agora, no momento em que estou escrevendo isso, Rogozin está insinuando no Twitter que a OneWeb vai falir.

A OneWeb está com seus satélites presos no Cazaquistão, ainda não sabe se irá conseguir recuperá-los.

Rogozin transformou o programa espacial russo em um pária. Ele tem a ilusão de que pode fazer tudo sozinho, quando depende de contratos externos como fonte de renda. Um país com o mesmo PIB do Brasil, metido em uma guerra custosa e sofrendo sanções de todos os lados não vai investir um centavo em espaço.

Ah sim, a missão ExoMars, entre a Rússia e a Agência Espacial Europeia, que deveria lançar um robozinho para Marte em setembro de 2022 muito provavelmente foi pra vala também.

Com o lançamento do dia 4, a OneWeb ainda tinha seis lançamentos com os russos até o final do ano. Todos já pagos. Perdeu, playboy.

A Rússia demonstrou que não é um player sério no mercado de lançamentos orbitais se projetos de anos podem ser descarrilhados a qualquer momento, por caprichos de um desequilibrado como Dmitry Rogozin. A credibilidade da Roscosmos atingiu níveis subterrâneos, e mesmo que a guerra acabe amanhã, mesmo que o tal foguete seja lançado, o mal já está feito.

Em meio a uma guerra, é uma ideia extremamente idiota dinamitar uma das poucas fontes de orgulho nacional e respeito internacional, mas se o Rogozin quer atirar no próprio pé com um ICBM, é problema dele.

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