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Street Fighter V, A Divina Comédia dos jogos de luta

Acompanhe a tortuosa trajetória de Street Fighter V, do Inferno ao Purgatório em seus quase 6 anos de existência

2 anos atrás

Street Fighter V completa 6 anos em 2022. O jogo, lançado originalmente em 16 de fevereiro de 2016 para PS4 e Windows, recebeu em novembro de 2021 seu último DLC, na forma do lutador de MMA Luke, e para bom entendedor, o desenvolvimento do título está encerrado.

A Capcom só deverá daqui por diante conduzir ajustes mínimos no game (correção de bugs e talvez balanceamento entre lutadores, se julgar necessário), enquanto que não há nada concreto, ou oficialmente revelado, para o próximo capítulo da franquia.

Street Fighter V: Champion Edition (Crédito: Divulgação/Capcom)

Street Fighter V: Champion Edition (Crédito: Divulgação/Capcom)

Street Fighter V foi imaginado como um lançamento para comemorar os 25 anos de Street Fighter II: The World Warrior, o game que causou o boom dos jogos de luta competitivos, e hoje, depois das expansões Arcade Edition e Champion Edition, é considerado um clássico em seu gênero.

Entretanto, o jogo trilhou um longo e tortuoso caminho até chegar onde está, e mesmo hoje, não é perfeito.

Um começo conturbado

Os problemas de Street Fighter V começaram ainda em 2015, quando o jogo foi anunciado. Na época, o design para os personagens gerou diversas reações negativas do público, que estava acostumado com o estilo mais cartunesco do capítulo anterior, recentemente encerrado com o lançamento da versão final, Ultra Street Fighter IV.

A inglesa Cammy em especial desagradou muito os jogadores japoneses, que não gostaram de suas feições mais caucasianas, levando a Capcom a remodelá-la para um rosto "anime-like", ao gosto do público local. No geral, as novas texturas causaram um estranhamento inicial, que foi diminuindo com o tempo.

Cammy em Street Fighter IV, no primeiro trailer de SFV revelado na E3 de 2015, e no da Gamescom do mesmo ano, após a "plástica" (Crédito: Reprodução/Capcom)

Cammy em Street Fighter IV, no primeiro trailer de SFV revelado na E3 de 2015, e no da Gamescom do mesmo ano, após a "plástica" (Crédito: Reprodução/Capcom)

E então o game saiu, e foi espinafrado pela crítica e público com razão. Uma das principais críticas direcionadas a Street Fighter V e à Capcom, foi a decisão de focar no aspecto social do game e fazer dele um título quase-GaaS (Jogos como um Serviço), que evoluiria com o tempo devido a adição de personagens, cenários e etc.

E para convencer todo mundo a jogar conectado, o game quase não tinha modos de jogo offline. A ausência completa de um modo Arcade foi a crítica mais pertinente por anos, até a Capcom consertar a hagada e adicioná-lo na primeira expansão, Street Fighter V: Arcade Edition. Lançado como um DLC gratuito para quem tinha o jogo base, ele se tornou uma opção melhor do que o que aconteceu com a versão vanilla de Street Fighter IV.

Esta acabou morrendo isolada, quando os desenvolvedores decidiram lançar a versão Super como um game separado, o que foi minimamente aceito nos títulos anteriores pré-consoles conectados à Internet. Em 2010, isso pegou tão mal que a Capcom nunca mais adotou o método. Arcade Edition também foi vendido em uma versão stand-alone com o jogo base, o update e todos os personagens de DLC das duas primeiras temporadas.

Voltando a Street Fighter V, as opções de jogo iniciais para quem não queria depender da Capcom Fighters Network (CFN), a rede que conecta jogadores do PS4/PS5 e PC em partidas online, e pareando-os conforme seus rankings, eram bem poucas. Haviam apenas modos História individuais para os 16 lutadores iniciais (um rol bem pequeno a princípio), um Versus local ou contra a CPU, e um Survival bem simples.

Apenas em junho de 2016, a Capcom liberou o então prometido modo História cinemático como um DLC gratuito. Com mais de 2 horas de duração, A Shadow Falls foi uma tentativa de resposta à NetherRealm Studios, que introduziu o recurso em 2008 com Mortal Kombat vs. DC Universe, o que se tornou uma referência para outros títulos de jogos de luta.

Injustice 2, Mortal Kombat 11 e sua expansão Aftermath trazem os modos de narrativa mais recentes do estúdio, todos muito bem executados.

O modo História cinemático A Shadow Falls adiciona mais de 2 horas de narrativa a Street Fighter V (Crédito: Divulgação/Capcom)

O modo História cinemático A Shadow Falls adiciona mais de 2 horas de narrativa a Street Fighter V (Crédito: Divulgação/Capcom)

O capítulo que trouxe a derrocada final da Shadaloo e do vilão M. Bison foi uma adição interessante, mas Street Fighter V ainda tinha muitos problemas a serem corrigidos, alguns bem sérios.

Netcode, input lag e velhas práticas

A versão original de Street Fighter V continha uma série de problemas técnicos, causados principalmente pela implementação ruim do seu netcode, originalmente conhecido como Kagemusha, mas que hoje a Capcom se refere também como CFN. O netcode é um método que permite sincronizar dois terminais através da internet, a fim de que eles possam interagir em um mesmo jogo.

Todo jogo online usa netcodes, mas nos jogos de luta, ele é essencial. Ele precisa ser preciso a fim de sincronizar as entradas de comando (inputs) de ambos jogadores controlando seus lutadores, e levar em conta eventuais delays e perda de pacotes causados por instabilidade na rede, diferença de conexão entre usuários, distância, etc.

Existem dois métodos, o de atraso de comandos (delay), que retarda a entrada do comando do jogador local a fim de emparelhá-lo com o adversário online, e o de rollback, que "rebobina" a ação sem retardar a entrada de comando. O primeiro é mais simples de implementar e muito usado por isso, mas é muito ruim por prejudicar as reações dos jogadores.

O netcode de rollback, embora melhor, é mais complexo de implementar, o que foi facilitado pela criação do GGPO, uma biblioteca de código aberto, que a Capcom usou para desenvolver e implementar seu Kagemusha/CFN proprietário. No entanto, a execução não foi das melhores, levando a casos como este:

Perceba que quando Ryu aplica a rasteira em Cody, há o hit contado pelo jogo, mas o netcode do game rebobina o ato e permite que o outro jogador continue defendendo, quando sua defesa deveria estar totalmente aberta. E pela data do tweet, você notou que este problema ainda persiste.

Some-se a isso problemas com input lag severos iniciais, em que mesmo jogando localmente havia atraso na resposta dos comandos, e você tem um título focado no online, mas com o recurso praticamente injogável por veteranos. Os novatos também não se sentiram atraídos com a promessa de ser um jogo mais simples e de melhor aprendizado, pela prática antiga da Capcom de má capitalização.

O Fight Money, a moeda virtual ganha em partidas online, permitiria aos jogadores comprarem os lutadores extras, lançados via DLC, sem ter que abrir a carteira, mas para acumular a quantidade necessária, seria preciso jogar online muitas partidas. E com um netcode ruim...

O mais bizarro é constatar que um jogo de luta posterior do estúdio, Marvel vs. Capcom Infinite (que flopou por outros motivos), implementou um netcode de rollback que funcionava perfeitamente.

O hub da versão vanilla de Street Fighter V era assim (Crédito: Reprodução/Capcom)

O hub da versão vanilla de Street Fighter V era assim (Crédito: Reprodução/Capcom)

Para mais informações sobre netcode, confira o enorme, excelente, detalhado e extremamente técnico artigo de 2019 do site Ars Technica, que destrincha de alto a baixo a tecnologia usada em jogos de luta para partidas online.

Street Fighter V, do Inferno ao Purgatório

Os problemas da versão vanilla de Street Fighter V se estenderam de 2016 a 2017, e mesmo a adição de Akuma, como personagem adicional na segunda temporada, animou os jogadores a aderirem ao game, que carecia de público e se viu superado por títulos de outras desenvolvedoras. Apenas em 2018, com o lançamento de Arcade Edition, as coisas começaram a mudar.

O game recebeu ajustes técnicos e de balanceamento, que reduziram drasticamente o input lag, e um tão esperado modo Arcade offline, em que o jogador pode enfrentar desafios à moda antiga, inclusive com estágios de bônus. Por fim, em 2019 Street Fighter V finalmente chegou às máquinas de Arcade (somente Japão), graças ao lançamento de Street Fighter V: Type Arcade, com a Capcom largando de vez a obsessão com a jogatina apenas online.

Por fim, cada lutador recebeu uma V-Skill adicional.

O modo Arcade é dividido em eras, cada uma representada por um título da franquia (Crédito: Reprodução/Capcom)

O modo Arcade é dividido em eras, cada uma representada por um título da franquia (Crédito: Reprodução/Capcom)

A segunda grande atualização, Street Fighter V: Champion Edition, foi lançada em fevereiro de 2020 novamente como um DLC gratuito, e na forma de um pacote à parte que continua todos os personagens, trajes e estágios lançados até então, com exceção dos cosméticos patrocinados, os exclusivos do modo Fighting Chance, e os ligados à Capcom Pro Tour; os lutadores também ganharam um segundo V-Trigger e uma nova rodada de modificações no balanceamento.

Em agosto de 2020, Street Fighter V perdeu seu "Virgílio", o produtor Yoshinori Ono, que deixou a Capcom para se tornar CEO da divisão de games da Delightworks, responsável pelo gacha game mobile Fate/Grand Order, e que foi recentemente comprada pela Aniplex/Sony.

Agora com mais Akira (e Daigo, sort of), direto de Rival Schools. Seu argumento é inválido (Crédito: Reprodução/Capcom)

Agora com mais Akira (e Daigo, sort of), direto de Rival Schools. Seu argumento é inválido (Crédito: Reprodução/Capcom)

Os anos de 2020 e 2021 permitiram a Street Fighter V recuperar parte do momentum perdido, e hoje ele é considerado um dos melhores jogos de luta disponíveis no mercado, com um rol de personagens enorme, boa jogabilidade e divertido, tudo o que ele podia ter sido desde o início, mas não foi.

A única coisa segurando o game no Purgatório é seu netcode mal implementado, o que chega a ser ridículo, visto que a CFN é o melhor modelo de comunidade online criada para um jogo de luta.

A CFN permite enfrentar qualquer jogador profissional, desde que você chegue ao mesmo ranking (Crédito: Reprodução/Capcom)

A CFN permite enfrentar qualquer jogador profissional, desde que você chegue ao mesmo ranking (Crédito: Reprodução/Capcom)

Em novembro de 2021, a Capcom fechou a 5ª temporada de personagens adicionais de Street Fighter V, que já havia trazido de volta Dan Hibiki, Oro e Rose, além de Akira de Rival Schools, com o americano lutador de MMA Luke, que possui um estilo diferente do geral visto em outros lutadores (ele definitivamente não é um "shoto", como Ryu, Ken, Akuma e cia).

Diz a Capcom que ele será um dos destaques do próximo capítulo da série, mas ao menos por enquanto, não há nenhuma informação de quando veremos qualquer revelação ou novidade sobre o que virá a seguir.

O lutador de MMA Luke é aposta da Capcom para o futuro (Crédito: Reprodução/Capcom)

O lutador de MMA Luke é aposta da Capcom para o futuro (Crédito: Reprodução/Capcom)

No mais, Street Fighter V é um caso de lições a serem aprendidas, no que diz respeito a estar à altura das expectativas, e mais importante, sobre entregar um jogo que tenha um modo online que realmente funcione. Se a pataquada com o netcode de rollback mal feito já era ridícula antes, a situação se tornou ainda pior com a pandemia da COVID-19, que afetou igualmente os jogadores casuais e os torneios.

Embora alguns acreditem que a Capcom eventualmente irá corrigir os problemas com o Kagemusha/CFN, a verdade é que eles nunca foram tratados em 6 anos, e com o desenvolvimento do game basicamente encerrado, resta torcer que façam um melhor trabalho com Street Fighter VI, principalmente por não mais terem Yoshinori Ono por perto.

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