Dori Prata 2 anos atrás
Tendo iniciado sua carreira em 1982 quando fundou a MicroProse com Bill Stealey, Sid Meier viria a se tornar um dos nomes mais conhecidos dos games e um dos principais motivos para isso seria um ambicioso projeto que nos permitiria acompanhar (e recriar) a evolução da humanidade. Esta é a história de Sid Meier's Civilization, título que mudaria completamente os jogos de estratégia e se tornaria uma das mais influentes obras de todos os tempos.
Embora tenha sido lançado em setembro de 1991, para contar a história daquela criação precisamos voltar ainda mais no tempo, mais precisamente para o ano de 1980. Foi nele que o britânico Francis Tresham lançou um jogo de tabuleiro chamado Civilization e ainda naquela década duas pessoas (Danielle Bunten Berry e Don Daglow) se interessam por transformá-lo num videogame. Porém, devido a outros interesses profissionais, tais projetos foram abandonados.
Então, após vários anos aproveitando o conhecimento militar de Stealey (que havia servido na força área dos Estados Unidos) para se dedicar à criação de simuladores de voo, Meier passou a se interessar pelos god games. Naquela época, títulos como SimCity e Populous vinham se destacando e após a contratação de Bruce Shelley (que anos depois seria o criador da série Age of Empires), eles começaram a trabalhar na criação do viria a se chamar Railroad Tycoon.
Baseado em um jogo de tabuleiro chamado 1829, o título foi bastante elogiado ao chegar às lojas e empolgada, a dupla imediatamente começou a idealizar uma continuação. Porém, Bill Stealey não estava gostando muito da ideia, já que o jogo não se encaixava como um de estratégia militar ou simulador de voo, fugindo do escopo do estúdio.
E aqui vale abrir um parêntese, pois apesar de Sid Meier ser um dos fundadores da MicroProse, no final da década de 80 ele não atuava mais como funcionário da desenvolvedora. O seu vínculo existia apenas como contratado, com a empresa lhe pagando um valor por cada jogo lançado e royalties de acordo com as vendas.
Esclarecimento feito, a resistência de Stealey não desanimou Meier e Shelley, que estavam fascinados com as muitas pequenas decisões que o jogador precisava fazer enquanto gerenciava seu império ferroviário. Mas eles sabiam que aquilo poderia ser melhorado, conforme contou o lendário game designer:
“O Railroad Tyccon possui aquela sensação de ser um jogo de larga escala, mas fomos ousados e nos perguntamos, o que maior e mais épico poderíamos fazer? Bem, que tal a história da civilização? Éramos jovens e não tínhamos medo.
A expectativa em termos de gráficos e tamanho da equipe era diferente naqueles dias. Fizemos a primeira metade do trabalho no Civilization apenas o Bruce e eu, então podíamos tentar coisas com menos riscos. Definitivamente não era algo que soubéssemos que iria funcionar, mas parecia ser algo divertido de tentar.”
Reunindo elementos do jogo que eles haviam criado anteriormente, assim como do SimCity, de um clássico da década de 70 chamado Empire e do próprio Civilization para tabuleiro, o primeiro protótipo criado pela dupla não funcionava por turnos, mas sim em tempo real. Nele o jogador precisava escolher o zoneamento para a população se expandir, assim como no simulador de cidades criado por Will Wright.
Durante os testes, Bruce Shelley assumiu o papel de produtor e passou a fazer diversas sugestões, mas eles voltariam a ser atormentados pelo ceticismo de Bill Stealey. Para ele, o jogo se distanciava muito do catálogo da MicroProse e por isso ele pediu que o projeto fosse suspenso e a dupla se dedicassem ao Covert Action, jogo em que assumiríamos o papel de um agente contratado pela CIA.
Mesmo contrariados, eles acataram a ordem e assim que o título foi lançado, em 1990, Shelley e Meier voltaram à prancheta. De certa forma aquele período longe do projeto foi benéfico, pois fez com que eles percebessem que a mecânica em tempo real não funcionava muito bem. Nascia ali o que posteriormente seria conhecido como gênero 4X (eXplorar, eXpandir, eXtrair e eXterminar).
Outra mudança adotada por eles foi a inclusão de gerenciamento de cidades e força militar, ideias vindas diretamente do Empire. Contudo, apesar da inclusão de exércitos ter sido algo que inicialmente eles não cogitaram, a decisão foi tomada em prol da diversão. Para Meier, aquele não era um jogo sobre sermos civilizados e muitas vezes o desenvolvedor “precisa deixar o jogador desconfortável para o bem do próprio jogador.”
No entanto, isso não impediu que eles evitassem tocar em temas sensíveis, como a escravidão. Por uma questão de filosofia da empresa, Civilization tentaria passar uma imagem mais otimista da história, simplesmente ignorando uma das passagens mais terríveis da humanidade. Para Meier, a decisão “foi baseada no que tornava a experiência mais satisfatória e agradável para os jogadores.”
Ainda de acordo com o game designer, mesmo com o jogo se valendo de situações e figuras históricas, eles não chegaram a passar muito tempo pesquisando o passado. A ideia era apenas manter uma cronologia, novamente com o foco recaindo sobre a diversão. É por isso que o título não contava com a possibilidade de uma civilização ruir sozinha, como consequência por exemplo de uma pandemia ou desastre natural.
Após realizar muitos testes e até optar por impedir que as civilizações controladas pelo computador realizassem aliança entre si, já que elas aconteciam de maneira muito eficaz e pareciam estar trapaceando, Sid Meier e Bruce Shelley decidiram que estava na hora de apresentar o Civilization para o restante da empresa e convencê-los a lhes ajudar.
Entre os setores que precisariam fazer parte do projeto estava o de arte, mas como os projetos encabeçados por Meier vinham recebendo pouca atenção na MicroProse, a tarefa não seria fácil. Surpreendentemente, um dos maiores adversários nesta missão seria o vice-presidente de produção, que por não receber bônus pelos títulos criados pelo game designer, sempre voltava suas forças para os projetos em que poderia faturar.
Mesmo assim, eventualmente a gerência do estúdio aceitou apoiar o desenvolvimento e algumas pessoas passaram a testar o jogo. Aquilo os levou a tomar duas decisões que ajudariam a fazer com que a experiência fosse melhor: reduzir o tamanho do mapa em que aconteciam as partidas e diminuir a quantidade de tecnologias presentes na árvore de habilidades.
A dupla então percebeu que cada tecnologia ou unidade removida ou adicionada ao jogo fazia com que o equilíbrio fosse quebrado e assim eles passaram os últimos dias do desenvolvimento lapidando o que haviam implementado. Além disso, Shelley se dedicou a elaborar algo que seria fundamental para a boa compreensão do jogo, que foi a Civilopedia. Com ela tínhamos detalhes sobre cada construção, cada recurso, cada unidade disponível e coube a ele também a dura missão de escrever o detalhado manual que viria em cada caixa do jogo.
Mas apesar de todas as dificuldades, o título foi lançado, com os dois principais responsáveis pelo desenvolvimento tendo perdido uma parte da bonificação por o Civilization ter chegado atrasado às lojas. Posteriormente Shelley chegou a revelar ter ficado furioso com a maneira como ele e Meier foram tratados pelos executivos da MicroProse, principalmente porque se o jogo não conseguiu cumprir o cronograma, isso aconteceu pela falta de apoio que tiveram.
Esse desinteresse também pôde ser visto no pequeno investimento na divulgação do jogo. A esperança para o sucesso passou a residir no boca-a-boca, mas contra todos os prognósticos do estúdio, foi justamente isso o que aconteceu. A partir dali o que vimos foi o surgimento de uma franquia que conquistaria milhões de admiradores em todo mundo, pessoas que estão sempre lutando contra a vontade de jogar apenas mais um turno e que foram fisgadas por algo que nasceu há três décadas, fruto da genialidade e resiliência de Sid Meier e Bruce Shelley.
Curiosidade: segundo Meier, ele só viria a experimentar o jogo de tabuleiro depois que a sua criação foi lançada e embora Shelley conhecesse a criação de Francis Tresham, ela teve pouca influência no videogame. Ainda assim, a MicroProse preferiu negociar com a empresa que produzia o Civilization para evitar problemas judiciais. Já o nome do game designer foi adicionado ao título como uma maneira do estúdio diferenciar esta e outras criações de Sid Meier dos simuladores militares que estavam acostumados a criar.
“É ótimo [que meu nome] seja aplicado a um grupo de jogos do qual me orgulho e que participei da criação,” declarou Meier. “Mas não... foi algo como ‘Ok, um dia terei meu nome em um monte de jogos e aí estarei feliz.’
Estou confortável com isso. Penso que os Civs poderiam se sair tão bem assim que o nome Civ se estabelecesse por si só. Talvez tenha ajudado nos dois primeiros. Quando estava começando, pode ter ajudado saberem quem era o designer que estava por trás deles.”