Ronaldo Gogoni 3 anos atrás
A compra da ARM pela Nvidia, negócio anunciado em setembro de 2020 e fechado em US$ 40 bilhões, não agradou todo mundo. Entidades reguladoras da China, Reino Unido e União Europeia expressaram considerável preocupação que a aquisição poria em risco o livre mercado e a competição, com a fabricante de GPUs passando a controlar a empresa responsável pelo design de chips usados em celulares, desktops, equipamentos de infraestrutura e mais.
Para os britânicos, o caso é bem mais sensível dado o fato de que a ARM é uma companhia local, e há o temor de que o governo dos Estados Unidos a nacionalize, tornando-a um setor estratégico e limitando seu acesso por outros países. Dessa forma, o governo estaria disposto a de fato barrar a compra.
Quando o Grupo SoftBank comprou a ARM em 2016 por US$ 32 bilhões, o conglomerado japonês tomou uma série de medidas de modo a não desagradar a Comissão Europeia e o governo britânico, garantindo que a empresa continuasse em seu lugar e atendendo todos os seus clientes, não importando de onde fossem, mesmo os chineses, com quem o Japão tem uma rixa secular.
Quando a Nvidia comprou a divisão, após o SoftBank usar a ARM como boia de salvação, a companhia de Santa Clara repetiu as mesmas promessas: a empresa britânica continuaria a ser o que é, operando da mesma forma em Cambridge, e garantiu inclusive investir em um aumento de vagas. No entanto, o fato de na época o presidente dos EUA ser Donald Trump, muita gente não botou fé nas afirmações, e isso nem foi por culpa da Nvidia.
Como a ARM estaria sendo adquirida por uma empresa norte-americana, no entendimento geral a designer de semicondutores mudaria de nacionalidade, e havia a preocupação legítima de que a Casa Branca pudesse considerar a divisão como um recurso estratégico. Ao fazer isso, o governo passaria por cima das promessas da Nvidia e poderia limitar para quem a companhia poderia vender seus projetos.
Nesse cenário, as companhias tech da China seriam obviamente as primeiras a serem impedidas de usar os designs da ARM em seus SoCs, o que afetaria o mercado mobile e de infraestrutura, onde a Huawei, para citar um exemplo, ainda é bem forte.
Em uma possibilidade mais remota, mas não improvável, o governo dos EUA poderia impedir até mesmo empresas europeias, britânicas ou de qualquer outro país a desenvolverem chips ARM e privilegiar apenas as locais, como Intel, AMD, Qualcomm, Broadcom e Texas Instruments, entre outras, além da própria Nvidia.
Por essas preocupações, o governo chinês estaria extremamente propenso a bloquear a compra da ARM pela Nvidia, processo este que deve ser autorizado pelas comissões antitruste do país, EUA, Reino Unido e União Europeia, de forma unânime.
Em janeiro de 2021, a CMA (Competition and Markets Authority, ou Autoridade de Concorrências e Mercados) do Reino Unido, autarquia responsável por analisar casos do tipo, e em fevereiro, a Comissão Europeia anunciou que faria o mesmo. Ambas entidades alegaram que submeteriam a aquisição a um "escrutínio detalhado", visando o fato de que a ARM é uma companhia estratégica para a manutenção do livre mercado e concorrência.
No geral, ninguém está vendo a compra com bons olhos, e a eleição de Joe Biden como presidente, mesmo com seu discurso mais apaziguador, não diminuiu as preocupações dos órgãos antitruste externos. Tanto é que o parlamento britânico, segundo relatos, estaria assumindo uma posição para de fato melar a compra.
De acordo com fontes apuradas pelo site Bloomberg, correm rumores acerca de um relatório compilado a pedido de Oliver Dowden, secretário de Meios Digitais, Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido. O parlamentar teria alertado para um "risco de Segurança Nacional", mas não há informações sobre quais seriam. Há a possibilidade de que o relatório aponte brechas concretas, ou seja uma preocupação baseada em temores.
As informações preliminares organizadas pelo CMA apontam que o acordo de aquisição é um ato que fere a competitividade do mercado, e conteria análises realizadas por avaliadores externos, que teriam apontado inúmeras brechas de segurança, não esclarecidas até o momento.
Essa inclinação para um possível bloqueio da compra da ARM pode não dar em nada, entretanto. O parlamento, que recebeu o relatório no fim de junho, irá realizar um novo e detalhado escrutínio das informações, e pode inclusive aprovar a aquisição pela Nvidia, colocando novas restrições e regulamentos que a companhia americana terá que seguir. Um deles, por exemplo, seria manter a divisão como uma empresa e centro de pesquisas britânico.
Em nota, um porta-voz da Nvidia disse que a companhia "continuará a trabalhar sob os regulamentos do governo britânico", e mesmo considerando que os EUA, assim como outros países, estão investindo na produção local de chips, a atual administração estaria menos inclinada a iniciar uma guerra comercial, logo, a possibilidade de "americanização" da ARM hoje é menor.
Se mesmo assim a compra for rejeitada, seja pelo Reino Unido, União Europeia ou China, o Grupo Softbank poderá ser obrigado a abrir o IPO da ARM, a fim de que a divisão possa dar lucro e venha ajudar nas contas do conglomerado do magnata investidor Masayoshi Son, que não anda bem das pernas.
Fonte: Bloomberg, ExtremeTech