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Diretor da NASA diz que corte limitou módulo lunar à Starship

Diretor da NASA Bill Nelson diz que restrições no orçamento impostas pelo Congresso limitaram escolha de módulo lunar à Starship, o mais barato

3 anos atrás

Em audiência à Câmara dos Representantes dos Estados Unidos na última quarta-feira (23), Bill Nelson, o atual diretor da NASA, não se deixou intimidar pelas picuinhas dos representantes, que em um raro alinhamento bipartidário, não estão propensos a ceder o controle do módulo lunar do Programa Artemis a empresas privadas.

Uma parte dos políticos são contrários à escolha da agência pela Starship da SpaceX em detrimento do SLS, o superfaturado e mega atrasado foguete projetado internamente, mas Nelson, ele próprio ex-representante e senador democrata pelo estado da Flórida (e o segundo membro do Congresso a ir ao espaço como especialista de missão, em 1986), mostrou que a decisão foi em parte culpa da própria Câmara.

Bill Nelson, ex-senador, ex-astronauta e atual diretor da NASA (Crédito: Al Drago/Reuters)

Bill Nelson, ex-senador, ex-astronauta e atual diretor da NASA (Crédito: Al Drago/Reuters)

A audiência perante o Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Representantes tinha como objetivo questionar Nelson, que assumiu o comando da NASA em maio de 2021, depois da escolha da Starship como único programa de módulo de pouso lunar, sobre os objetivos concretos Programa Artemis para o retorno de astronautas à Lua, e posteriormente, na organização de uma primeira missão tripulada rumo a Marte.

Ao mesmo tempo, Nelson foi questionado sobre o que a NASA pretendia fazer com os recursos que Blue Origin e a Dynetics entraram na justiça, questionando a escolha apenas da Starship ao invés do que seria o lógico, contar com pelo menos duas empresas para o programa.

Não obstante, o diretor foi questionado por que está sendo dado prioridade a parcerias público-privadas, onde as contratantes controlam todo o processo de construção dos módulos, desde que atendam os objetivos, quando o mais sensato (para o Congresso) seria gerir acordos tradicionais, como o mantido com a Boeing para a construção do SLS, que é projeto da NASA e pode ser administrado por determinações da Câmara e do Senado, através da agência.

Nelson, que é antes de tudo um político e dos bem lisos, não só respondeu as perguntas como devolveu a batata quente para o Congresso.

Respondendo a perguntas do congressista Bill Foster (DEM/IL), Nelson disse que o Programa Artemis está bem definido, com projeções de custo e necessidades tecnológicas bem definidas, o que a grosso modo, significa que um orçamento decente pode ser alocado em valores realistas, algo que é muito mais fácil de ser aprovado em votação. No entanto, a NASA nem sempre conseguiu o que queria, e isso ficou bem claro quando solicitaram um budget de US$ 3,3 bilhões para financiar o módulo lunar, referente ao ano fiscal de 2021.

O valor fixado viabilizaria a escolha de duas empresas para construírem seus módulos de pouso, mas segundo o representante Brian Babin (GOP/TX), a Casa Branca havia solicitado um orçamento limitado a US$ 1,2 bilhão para 2022, pouco mais do que um terço do solicitado. No final, a Câmara achatou mais o valor e liberou apenas US$ 850 milhões.

Com o caixa apertado, a NASA não teve escolha a não ser fechar com apenas uma companhia, e a contemplada foi a SpaceX porque o Starship é muito mais barato do que seus concorrentes, além de já estar voando.

Nelson lembrou a casa que a NASA tem que trabalhar com o dinheiro disponível, e disse que "só dá para tirar um punhado de batatas de um saco pequeno", uma expressão americana que é basicamente o nosso "é o que tem para hoje".

O diretor disse com todas as letras que a decisão foi tomada "tendo em vista qual projeto teria melhor valor ao governo", no sentido de redução de custos, e que se os representantes forem mais generosos no futuro, os planos poderão ser revistos.

A Starship foi o que a NASA pôde pagar (Crédito: Divulgação/SpaceX)

A Starship foi o que a NASA pôde pagar (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Como resultado, tanto a Blue Origin quanto a Dynetics entraram com recursos na Justiça, questionando a predileção pela Startship e exigindo que a NASA reveja a decisão, para selecionar uma segunda companhia para construir outro módulo de pouso lunar. O rolo tomou maiores proporções quando Jeff Bezos teria conseguido um apoio no Senado, através da senadora Maria Cantwell (DEM/WA), que criou uma emenda para um aporte adicional de US$ 10,03 bilhões.

Nelson disse que a NASA está aguardando uma decisão do Departamento de Contabilidade do governo, que deverá ter uma resposta sobre as reclamações da Dynetics e Blue Origin até o dia 4 de agosto de 2021. Enquanto isso, boa parte dos representantes não está disposta a aprovar a emenda enviada pelo Senado, e nem mesmo querem saber de endossar a escolha da SpaceX.

Uma parte da ala política não admite que a NASA passe total controle do que vai para o espaço a companhias privadas. No modelo que contempla a SpaceX, a empresa de Elon Musk pega a grana e uma lista de objetivos fornecidos pela agência, e desde que ela marque todas as caixinhas e se limite ao orçamento liberado, pode fazer o que quiser, inclusive decidir onde construir o módulo (no caso, Califórnia).

No modelo de contrato tradicional, como o firmado com a Boeing para o SLS, um resquício do finado programa Constellation, a NASA detém o projeto e especificações, e a contratante é obrigada a seguir à risca todos os detalhes, sendo o resultado final propriedade do governo. Com isso, o Congresso pode decidir quem vai construir o quê e em qual estado, como forma de direcionar investimentos e fomentar a geração de empregos onde acharem melhor.

Sem contar que o SLS consumiu bilhões além do orçamento e está absurdamente atrasado, e é preciso justificá-lo de qualquer maneira para o público, que pagou por ele com seus impostos. Ele deve fazer seu primeiro teste em breve e foi testado à exaustão, mas graças à SpaceX, ficou complicado justificar a perda de um foguete toda vez, fora a diferença no custo por lançamento, de US$ 2 bilhões contra US$ 50 milhões da Starship.

Até a União Europeia anda se coçando para desenvolver alternativas a Elon Musk, tão boas quanto à concorrência privada e mais baratas que as atuais da ArianeGroup.

SLS, a "obra de igreja" da NASA (Crédito: Divulgação/NASA)

SLS, a "obra de igreja" da NASA (Crédito: Divulgação/NASA)

Durante a audiência, o representante Jamaal Bowman (DEM/NY) disse erroneamente que "os EUA chegaram à Lua sem os serviços de nenhuma empresa privada", o que foi desmentido por Nelson na lata, lembrando que o programa Apollo contou com uma pancada de terceirizadas, como Northrop Grumman, GM, Motorola e Velcro S.A. (a NASA dependia muito do velcro para manter os trajes fixos), e até mesmo a Hammong Organ (hoje Hammond-Suzuki), uma fabricante de teclados e órgãos, que desenvolveu timers mecânicos para a espaçonave.

Outras questões se concentraram na segurança dos veículos construídos por terceirizadas, e Nelson respondeu que todos os parâmetros continuam sendo seguidos, independente da modalidade do serviço contratado. Ele usou como exemplo a cápsula Dragon da SpaceX, que já vem sendo usada em órbita baixa e é reutilizável, assim como os demais foguetes da empresa, e funciona muito bem, dentro do exigido.

Nelson disse que no programa Apollo, as terceirizadas fizeram todo o trabalho, com a NASA agindo como supervisora, o que para ele é muito similar ao contrato atual firmado com a SpaceX. O diretor completou dizendo que o modelo de contratos fixos, com um valor e um prazo pré-determinado, é o melhor pois permite trabalhar com prazos menores e menos gastos.

A diferença cabal entre o modelo antigo e o novo, reside no fato de que o produto final da SpaceX não pertence à agência; são estipuladas apenas metas, não especificações, e o mérito fica com o fabricante. Para Bowman, a NASA deveria emular o modelo antigo, e ainda que tenha metido os pés pelas mãos, ele quis dizer que o modelo do SLS com a Boeing, onde o governo dita as regras, é o melhor.

A situação da NASA e do Projeto Artemis vai depender do que for decidido sobre os protestos da Blue Origin e Dynetics, e de futuras discussões entre as partes dissonantes na Câmara, sobre se é válido liberar mais dinheiro para um segundo módulo, ou forçar a agência a dispensar a SpaceX e depender apenas do SLS, mesmo que isso signifique torrar US$ 2 bilhões e jogar um foguete inteiro fora por lançamento.

Fonte: Ars Technica

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