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Como Jenny May Howard salvou um ônibus espacial

Jenny Howard foi uma engenheira da NASA que teve alguns segundos para salvar uma missão e a vida de sete astronautas. Clique e conheça essa história!

3 anos atrás

O ano era 1985. Jenny Howard era uma jovem colocada diante de uma decisão terrível: Confiar no computador e arriscar a vida de sete astronautas ou seguir seus instintos e correr o risco de estar errada, matando a tripulação? Um monte de olhos se voltaram para ela esperando uma decisão. De Jenny dependia o futuro da missão STS-51-F, do ônibus espacial Challenger.

Astronautas e controladoras de vôo da NASA. Em 1985 não era assim. (Crédito: NASA)

A perspectiva era sombria. Abortar o lançamento implicaria no fracasso da missão e, mais que provavelmente no que a NASA chama de LOCV (loss of crew and vehicle), perda do veículo e tripulação.

A NASA claro planeja tudo, e havia planos para abortar a missão em vários cenários diferentes, de acordo com o tipo de problema e o tempo passado desde a decolagem. Os quatro modelos principais eram:

1 – Abort to Orbit

Caso o ônibus espacial perca um motor mas já tenha altitude e velocidade suficiente os dois remanescentes são suficientes para colocar a nave em uma órbita estável de pelo menos 195Km de altitude. Esse é o melhor cenário fora um lançamento perfeito. Mesmo sem atingir a órbita desejada ainda dá pra ficar alguns dias no espaço e fazer experimentos.

2 – Abort Once Around

Nesse caso um motor é perdido mais cedo no lançamento e o ônibus espacial não é capaz de atingir a velocidade necessária para entrar em órbita, mas tem velocidade e altitude suficientes para completar uma volta na Terra e pousar na Flórida ou na Califórnia.

3 – Trans-Atlantic Abort Landing

Neste cenário o ônibus espacial perde dois motores e é incapaz de atingir mesmo uma órbita instável. São acionadas pistas de pouso no exterior e o Shuttle segue uma trajetória parabólica que pode terminar na Europa, em bases na Espanha ou Inglaterra, nos Açores, Senegal ou Hawaii. Antes de cada vôo duas bases são selecionadas e a NASA envia dois Hercules C-130 para cada uma, com engenheiros, médicos socorristas e equipamentos.

4 – RTLS – Return to Launch Site

Caso um motor falhe logo após a decolagem, o ônibus espacial prosseguiria até os motores de combustível sólido se esgotarem e forem alijados, então o piloto pararia de subir e faria uma longa curva, ainda carregando o tanque de combustível principal. Ele alinharia o shuttle com a pista, e ejetaria o tanque quando estivesse no fim. A nave então pousaria normalmente, planando.

Enterprise se aproxima para pouso (Crédito: NASA)

Quando sugeriram a John Young, piloto do primeiro vôo do ônibus espacial se ele toparia realizar uma manobra dessas, esse disse que não gostava de brincar de roleta russa.

A maioria dos cenários da NASA para abortar a missão do ônibus espacial só era viável em condições específicas.

Durante todas elas, se você perder dois motores, game over. Se um dos motores auxiliares falhar, game over. No gráfico abaixo a NASA lista em branco os pontos durante o lançamento aonde uma opção de abortar pode ser bem-sucedida, sem perda de veículo e tripulação.

Em preto, game over. (Crédito: NASA)

 

Painel de controle do sistema de cancelamento da Challenger (Crédito: NASA)

Antes do desastre da Challenger não havia sequer a possibilidade de saltar de paraquedas, não que seja muito provável um cenário aonde a nave está com problemas suficientes para abortar a missão mas estável o suficiente para voar estável no piloto automático enquanto a tripulação salta pra segurança.

Corta pra Jenny Howard

Jenny May Howard era uma engenheira aeroespacial, formada na Universidade Purdue em 1978. Em 1980 ela foi trabalhar no Johnson Space Center, e era marrenta o suficiente para pedir -e conseguir- para trabalhar com o setor de Engenharia de Propulsão (Booster).

No caso Jenny Howard era uma das engenheiras que monitoraria os três motores de combustível líquido RS-25 e os dois motores de combustível sólido durante a fase de ascensão do Ônibus Espacial.

Jenny May Howard. Não falei que era nerdinha? (Crédito: Universidade de Purdue / Alex Prestes)

Não era uma tarefa fácil. A maioria dos sistemas permitia que você conferenciasse com os colegas e passasse alguns minutos até tomar uma decisão. Já Jenny precisava decidir em segundos. Quando você queima 5 toneladas de hidrogênio e oxigênio por segundo, a uma pressão de mais de 200 atmosferas, não pode se dar ao luxo de esperar se algo der errado.

Por isso os motores RS-25 eram cheios de sensores, sensores pra todo lado, tinham mais sensores que um DCE escutando um disco do Costinha.

O RS-25 é um monstro. (Crédito: NASA)

Em 29 de Julho de 1985, com 3 minutos e 31 segundos de vôo, um dos sensores de pressão da turbobomba do motor central falhou. Dois minutos e 12 segundos depois, um sensor de backup falhou também, e o computador da Challenger desligou automaticamente o motor.

Os astronautas acionaram o modo Abort to Orbit, mas a situação estava prestes a piorar.

Com 8 minutos de vôo, já com apenas dois motores, um dos sensores de temperatura do motor direito falhou, e o segundo sensor indicava temperatura próxima do ponto-limite.

Jenny Howard sabia que sem o segundo motor a Challenger não conseguiria entrar em órbita, e as chances de pousar em segurança não eram realistas.

O computador estava prestes a desligar o motor, pois o sensor acusava temperaturas perigosas. No cérebro de Jenny milhares de diagramas modelos e simulações testavam hipóteses. Quais as chances de vários sensores falharem? Quais as chances de dois extremamente confiáveis motores RS-25 falharem com os mesmos problemas de temperatura? Abortar a missão de vez ali poderia significar a morte dos astronautas mas e se o motor estivesse realmente superaquecendo?

Lançamento da STS-51-F (Crédito: NASA)

Com todos os olhos voltados para ela, Jenny rapidamente recomendou que a tripulação cancelasse o desligamento automático ordenando ao computador para ignorar os sensores de temperatura.

Os outros engenheiros concordaram, a ordem foi transmitida e aos trancos e barrancos a Challenger entrou em uma órbita estável a 321Km de altitude e permaneceu no espaço por 7 dias e 22 horas, realizando todo tipo de experimento, de fotografar a galáxia com um telescópio espacial a testar latas de Pepsi e Coca-Cola projetadas para uso no espaço. As de Coca eram muito melhores.

Não é tão legal quanto aquele comercial da Pepsi. (Crédito: NASA)

Nada disso seria possível se uma jovem e decidida engenheira não tivesse contrariado milhões de dólares em computadores e sensores, mantido o pé firme e confiado no que seus motores eram capazes de fazer.

Nota: Infelizmente não consegui achar uma foto de Jenny M. Howard, apesar do meu Google Fu invejável, ela, como todo bom nerd, não gosta muito de aparecer. Onde quer que você esteja, Jenny, obrigado.

Nota: Profundos agradecimentos ao Alex Prestes, que com seu Google Fu superior e excepcional conseguiu desencavar algo que não existe em NENHUM outro site contando esta história: Uma foto da Jenny.

 

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