Ronaldo Gogoni 3 anos atrás
[ATUALIZAÇÃO 01/12/2020] Conforme previsto, aconteceu: a plataforma suspensa de Arecibo desabou na noite do dia 1º de dezembro, após sofrer uma falha catastrófica completa nos cabos de sustentação restantes, que já estavam comprometidos.
Segundo a NSF, ninguém se feriu pois a área já estava isolada desde que o radiotelescópio foi considerado inseguro. A agência e acionistas estão avaliando a situação mas até o momento, a prioridade é garantir a segurança do local.
Mais uma vez, é injusto um dos mais importantes radiotelescópios que conhecemos encontrar seu fim desta forma, na mais completa penúria.
Segue abaixo a notícia original.
O radiotelescópio do Observatório de Arecibo, um dos maiores do mundo e que contribuiu para a observação do espaço por mais de 50 anos, está dando adeus. A estrutura instalada em Porto Rico passou por anos de penúria e investimento limitado, e os efeitos desse descaso estão aparecendo agora: a estrutura foi considerada como além de reparos e será desativada.
Nesta quinta-feira (19), a Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos (NSF), agência independente que promove o ensino fundamental e a pesquisa em todos os campos da Ciência e Engenharia não relacionados à medicina, o que inclui astronomia, concluiu um relatório sobre o estado da integridade da estrutura do radiotelescópio, que conta com um disco refletor de 350 metros de diâmetro.
O problema principal não está no disco, e sim na estrutura de instrumentos suspensa, que é sustentada por cabos de aço d e 7,5 cm de diâmetro. Cada um desses cabos pesa 30 quilos por metro, e o conjunto de cabos principal é projetado para suportar um peso de até 544 toneladas.
Em agosto, no entanto um dos cabos auxiliares se rompeu, causando a queda de mais de 200 metros de aço (mais de 6 t) sobre o refletor, abrindo um buraco de 30 metros na estrutura, danificando o Domo Gregoriano, uma estrutura acima da antena parabólica da plataforma, e torcendo o acesso à plataforma.
No vídeo abaixo, de uma tomada aérea é possível ver o dano causado pelo cabo no domo da antena e no refletor:
Três equipes de engenharia foram contatadas e estavam trabalhando para analisar a extensão dos danos, bem como a condição geral do radiotelescópio, porém, no dia 6 de novembro um segundo cabo se rompeu.
Desta vez foi um dos 12 cabos que compõem o conjunto principal de sustentação da plataforma suspensa, que cedeu sob uma tensão de 283 t, bem abaixo do originalmente especificado. Diferente do primeiro rompimento, entretanto, este cabo não se soltou.
A equipe de engenheiros identificou pontos de ruptura em mais dos cabos principais, e apontou para a possibilidade real de falha catastrófica em cascata a qualquer momento, o que poderia levar à queda da estrutura de instrumentos sobre o refletor.
Há a possibilidade de que tanto o furacão Maria, em 2017, quanto os terremotos ocorridos em 2019 e 2020, que afetaram as instalações, tenham causado danos nos cabos que agora, estão cedendo um a um.
Basicamente o radiotelescópio de Arecibo é uma tragédia esperando para acontecer; não é uma questão de se, mas de quando.
Arecibo vem passando por sérias dificuldades financeiras desde 2005, quando a NSF, sua única fonte de recursos, cortou investimentos para o radiotelescópio. O observatório como um todo não compreende apenas o radiotelescópio, e serve também como centro de divulgação científica e até como atração turística, uma das maiores de Porto Rico.
O observatório originalmente era administrado pela Universidade de Cornell, que a repassou para a Universidade Central da Flórida em 2011. Entre seus feitos ao longo de quase 60 anos de serviços prestados à Ciência, destacam-se:
Além disso, o radiotelescópio de Arecibo foi usado para mandar aquela famosa mensagem em 1974, criada por Frank Drake e Carl Sagan, em direção ao Grande Aglomerado de Hércules, a 25 mil anos luz de distância, e foi usado principalmente no programa SETI, de busca por vida inteligente no espaço.
O observatório também é conhecido do grande público, tendo aparecido em 007 contra Goldeneye, numa óbvia cena em que James Bond, aquele mané, destrói tudo por onde passa, e de forma bem mais digna em Contato, o filme baseado no romance de Carl Sagan, onde o radiotelescópio também é mencionado.
Segundo a NSF e a Universidade Central da Flórida, dois dos três grupos de engenheiros independentes concluíram é de que não há sequer a possibilidade de realizar reparos sem que hajam riscos à segurança dos profissionais, e não é possível sequer concluir a extensão dos danos e por que os cabos cederam com um peso de apenas 60% do projetado, quando o normal seria aguentar muito além do limite.
Assim, o radiotelescópio de Arecibo foi considerado além de reparos e será desativado.
Os trabalhos já foram iniciados: os dados e arquivos do laboratório serão movidos para a nuvem, enquanto que novas análises estruturais serão feitas para estipular como o desmonte da estrutura poderá ser feito, sem colocar em risco os trabalhadores e outros.
O legado de Arecibo será mantido, claro, tanto nos inúmeros dados que já foram coletados e continuarão a ser usados em pesquisas atuais e futuras, quanto por outros radiotelescópios, desde o FAST na China, ao RATAN-600 na Rússia.
Ainda assim, é triste ver um ícone da astronomia, conhecido até por quem não é do meio acadêmico, dar adeus dessa forma.
Fonte: University of Central Florida, AP.