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Como a rotoscopia tornou os jogos mais realistas

Conheça a rotoscopia, uma técnica de animação criada há mais de um século e que durante os anos 80 e 90 permitiu que os games parecessem muito mais reais

4 anos atrás

Se hoje os games podem ser orgulhar por entregar gráficos que podem ser confundidos com a realidade, quem está há muito tempo nesta estrada sabe que nem sempre foi assim. Lá nos primórdios dos jogos eletrônicos os desenvolvedores precisavam de muito talento e criatividade para nos impressionar visualmente e uma das maneira encontradas para nos entregar títulos com aparências mais realistas foi utilizar uma técnica chamada rotoscopia.

Prince of Persia - rotoscopia

Mas antes de contar uma pouco da história deste estilo de animação nos games, vale explicar como ela foi criada… lá no cinema. Tudo começou em 1915, quando o polonês Max Fleischer teve uma ideia brilhante para fazer com que as suas animações tivessem uma movimentação mais natural, no processo que ficou conhecido como rotoscopia.

De forma resumida, o que o criador de personagens como Betty Boop e Popeye fez, foi filmar atores realizando os movimentos dos personagens e depois, utilizando um equipamento inventando por ele e chamado rotoscópio, criar um desenho baseado naquela captura. Com as ilustrações feitas, bastava sobrepô-las para formar a sequência de movimentos, como em qualquer animação feita a mão.

O processo era bastante trabalhoso, já que para cada segundo de filmagem temos 24 quadros, o que consequentemente exigia 24 ilustrações. Contudo, o resultado alcançado por Fleischer foi impressionante, com o palhaço Koko se movendo pela tela como se fosse uma pessoa de verdade, algo que até então nunca havia sido alcançado com animações.

Com o passar do tempo a técnica passou a ser utilizada com maior frequência, inclusive sendo aproveitada como efeitos especiais nos cinemas. Um bom exemplo disso é a primeira trilogia Star Wars, já que os famosos sabre de luz da saga foram criados desta maneira. E até mesmo o mundo da música conseguiu explorar este tipo de animação, com um dos casos mais conhecidos do uso da rotoscopia sendo o lendário clipe de Take On Me, da banda norueguesa a-ha.

Entre os exemplos mais recentes de filmes que utilizaram esta técnica temos O Homem Duplo, Zoom e Com Amor, Van Gogh.

Um karateka e um príncipe

Passemos então para os videogames, mais precisamente para 1984. Foi neste ano que Jordan Mechner lançou para Apple II sua primeira criação, um jogo chamado Karateka. Embora hoje possa ser visto como um título com uma jogabilidade um tanto simplória, ao nos colocar na pele de um herói sem nome cujo objetivo era resgatar sua amada, aquele game impressionava pela precisão nos movimentos e por nos passar a sensação de estarmos vendo duas pessoas lutando de verdade.

Curiosamente, a escolha de Mechner por capturar os movimentos feitos pelo o seu professor de karatê não surgiu da intenção de criar um jogo realista, mas sim da sua dificuldade em animar os personagens. O game designer então lembrou do que os animadores da Disney haviam feito em 1937, em Branca de Neve e os Sete Anões e decidiu tentar algo parecido.

Para o Karateka em 1982 eu filmei em uma Super-8, carreguei o filme em uma Moviola e tracei os frames em um papel vegetal,explicou Mechner. “O próximo passo seria de alguma forma levar os desenhos para o computador. Para isso eu usei um aparelho chamado VersaWriter, que basicamente eram dois potenciômetros conectados para fazer um pantógrafo ligado à porta de controle de jogos do Apple. Aquilo funcionou muito bem.

Contudo, por mais que aquele jogo tivesse feito sucesso, foi com a sua próxima criação que ele conquistou um número bem maior de admiradores e mais do que isso, conseguiu popularizar a rotoscopia nos games. Baseado em filmes como Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida e nas histórias de As Mil e Uma Noites, Jordan Mechner idealizou um dos maiores clássicos da indústria, Prince of Persia.

Dessa vez, o modelo utilizado pelo game designer foi o seu irmão de 16 anos, David. Tendo acesso a uma filmadora VHS, Mechner tratou de gravar o rapaz correndo, pulando e se esforçando para subir em lugares mais altos e como ele felizmente guardou o material produzido na época, hoje podemos ver a semelhança entre os movimentos reais e aqueles vistos no game.

De acordo com Mechner, só para conseguir os oito primeiros frames do personagem correndo ele gastou semanas preparando o equipamento e trabalhando nas imagens capturadas, sendo que cada frame precisava ser limpo à mão, pixel por pixel. Mesmo assim, o resultado fez com que ele sentisse calafrios na primeira vez que viu o protagonista correndo pela tela, com a movimentação tendo passado exatamente o estilo único do seu irmão se mover.

Mas apesar de ter sido muito bem recebido pela crítica, inicialmente o Prince of Persia não foi um sucesso comercial. Por ter sido lançado em 1989, quando o Apple II já perdia sua relevância, ele só caiu no gosto do grande público quando foi adaptado para outras plataformas e com isso nascia ali um subgênero que conquistaria muitos admiradores, o de jogo de plataforma cinematográfico.

Legado de Mechner e a esperança pelo futuro

Entre aqueles que adoraram o estilo criado por Mechner estavam dois franceses, Éric Chahi e Paul Cuisset. Enxergando na rotoscopia uma ótima maneira de dar vida aos seus projetos, a dupla começou a trabalhar em dois jogos que também se tornaram ícones deste estilo de animação: Another World (ou Out of This World) e Flashback: The Quest for Identity.

Enquanto o primeiro brilhava por entregar gráficos poligonais e por contar a história do físico Lester Knight de uma maneira inovadora — sem interface ou textos; o segundo sempre me fascinou por entregar um enredo bastante elaborado e por mostrar movimentos extremamente realistas. Mesmo hoje em dia fico impressionado com a maneira como Conrad B. Hart se move e toda vez que o jogo penso que esta aventura nunca envelhecerá.

Mas não foram apenas esses jogos que ousaram aproveitar a ideia de transformar imagens filmadas em animação. O próprio Mechner se arriscou com o adventure The Last Express e embora eu não goste muito da sua animação por não considerá-las tão fluída quanto nas suas criações anteriores, o título foi muito elogiado por entregar uma história não-linear e que se passava em tempo real.

Infelizmente, recorrer a este estilo de animação está ficando cada vez mais raro e embora algumas desenvolvedoras tenham o adotado mais recentemente, como foi o caso da Stoic Studio com a série The Banner Saga, da Cing com o Hotel Dusk: Room 215 ou da Tequila Works com o Deadlight, esse é um estilo que está entrando em extinção.

A esperança é para que cedo ou tarde algum diretor chegue à conclusão de que a sua criação ficará muito melhor se for feita com rotoscopia. Mas enquanto isso não acontecer, nos resta aproveitar os jogos que já foram feitos desta maneira e comemorar por Jordan Mechner não ter conseguido animar seu primeiro título de maneira tradicional.

Alguns jogos criados com a técnica de rotoscopia:

  • Another World
  • Ash of Gods: Redemption
  • Blackthorne
  • Commander Blood
  • Curse of Enchantia
  • D4: Dark Dreams Don't Die
  • Deadlight
  • Dragon's Lair
  • Flashback
  • Heart of the Alien
  • Hotel Dusk: Room 215
  • Karateka
  • The Last Express
  • Last Window: The Secret of Cape West
  • Lester the Unlikely
  • Mortal Kombat
  • Nosferatu
  • One Night Stand
  • Prince of Persia
  • Prince of Persia 2: The Shadow and the Flame
  • Universe

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