Carlos Cardoso 3 anos atrás
Com a contaminação daquele lixo que chamam de água no Rio de Janeiro por geosmina, entre as várias medidas questionáveis tomadas a contragosto pelo governo está a aplicação de carvão ativado nos reservatórios. Mas que diabos é carvão ativado? De onde vem, como é feito, é radioativo, vota no Bolsonaro?
É... carbono. Pura e simplesmente carbono. Não tem nada de mágico ou esotérico nele, embora originalmente ele deva ter sido visto como algo mágico, mas para explicar o que é carvão.
Existem dois tipos principais de carvão, carvão vegetal e carvão mineral. Os dois têm origem vegetal. O mineral é produto de fossilização de florestas pré-históricas, comprimidas por milhões de anos, o calor e a pressão das camadas de terra transformaram os restos vegetais em carvão mineral.
O carvão ainda é a base da nossa civilização. Do total, 25% da energia mundial vem da queima de carvão mineral e sem ele a revolução industrial não teria acontecido. O lado sinistro é que a mão de obra preferida era a infantil, capaz de se esgueirar por túneis estreitos das minas vitorianas.
Esse uso indiscriminado de trabalho infantil nas minas de carvão causou milhares de mortes, crianças doentes e, acima de tudo, fez proliferar o imperdoável crime de usar Blackface:
O segundo tipo, o carvão vegetal, é basicamente madeira pirolisada. Pirólise é o processo de aquecer algo em um ambiente pobre em oxigênio, isso promove uma queima incompleta, elimina água e outros componentes voláteis, deixando apenas o carvão, com capacidade de queimar de forma mais uniforme e em temperatura mais alta que a madeira comum.
Ao contrário do carvão mineral, a produção do carvão vegetal ainda é em grande parte fruto de trabalho infantil, se tornando a principal fonte de renda de famílias do terceiro mundo e do Sebastião Salgado.
Carvão normal é uma substância porosa, com grande capacidade de absorção. Se você filtrar água suja por carvão comum, já terá uma boa limpeza, pois as impurezas ficam presas nos micro poros do carvão. O carvão ativado por sua vez é um tipo de carvão aonde a quantidade de poros é muito maior, até os poros têm poros.
Com tantos poros, a área de superfície do fragmento de carvão ativado aumenta exponencialmente. Um gram de carvão ativado tem uma área de superfície de 3 mil metros quadrados, yay fractais.
Quando as substâncias contaminantes entram em contato com esses poros, aderem a eles, por causa da boa e velha atração molecular. Imagine uma esponja pegando sujeira e deixando a água e o ar passarem. Em essência, é a mesma coisa.
Provavelmente, visto que seu primeiro uso documentado foi em 3.750 AC, no Egito Antigo, quando era usado para fundição de metais, pois queimava melhor que carvão comum, mas aos poucos ele foi sendo testado em outras áreas, como tratamento de doenças intestinais, remoção de odores, etc.
Espalhando-se pelo mundo, e/ou redescoberto por outras culturas, Fenícios e Hindus usavam carvão ativado como antisséptico e purificador de água, por volta de 400 AC. Na Grécia Hipócrates e Plínio louvavam suas propriedades medicinais, e nas Grandes Navegações os barris (os de água, não aquele que os marinheiros revezavam quem ficava dentro) tinham seu interior carbonizado, o que ajudava um pouco a manter a água não totalmente intragável depois de meses de viagem.
Nas duas primeiras Guerras Mundiais carvão ativado era componente fundamental das máscaras antigases.
Carvão ativado vegetal é um componente fundamental da nossa civilização, ele serve pra muita, muita coisa. É usado em purificação atmosférica, tratamento de resíduos, filtragem de água potável, máquinas de diálise, armazenamento de gases, tratamento de intoxicações, detecção de Radônio, é usado como pesticida em agricultura orgânica, purificação de substâncias químicas, remoção de contaminação por Mercúrio e, talvez a mais importante de todas: filtragem de Whiskey e Vodca.
Existem dezenas de métodos com dezenas de materiais. Casca de coco e bambu são bem populares, por serem renováveis, baratos e mais fáceis das crianças carregarem. Um dos métodos mais simples é queimar madeira ou carvão comum em um ambiente com baixo teor de oxigênio, enquanto força vapor sob alta temperatura a passar pelo carvão.
O vapor se dissociará em hidrogênio e oxigênio. Dada a afinidade entre eles o oxigênio se ligará a um átomo de carbono formando monóxido de carbono, CO e o hidrogênio H2 é expelido, se você for esperto deve queimá-lo na saída para evitar o acúmulo no ambiente, mas é só uma precaução, na história da ciência nada de errado jamais aconteceu envolvendo hidrogênio.
O Cody fez um excelente vídeo mostrando como produzir carvão ativado:
As altas temperaturas são essenciais, pois todo o piche precisa ser eliminado do carvão, bem como o pó, do contrário os poros ficarão tapados e ele não funcionará tão bem.
Dá, custa R$18,00 o Kg no Mercado Livre, mas não faça isso.
Carvão ativado é usado como colorífico de alimentos, é perfeitamente seguro de comer, mas se você comer muito, e estiver tomando medicamentos, corre o risco deles serem absorvidos pelo carvão, o que é especialmente ruim se você estiver tomando anticoncepcionais e não escutar os conselhos da tia Damares.
Ele também não deve ser usado como panaceia universal contra envenenamento. Há diversas substâncias que não são absorvidas pelo carvão ativado, como ácidos ou álcalis muito fortes. Também não funciona com cianureto, arsênico, metanol, etanol, etilenoglicol, cervejas mineiras e lítio.
A turma natureba que adora aquelas bobagens de "detox" usa carvão ativado para reduzir colesterol, tratar picada de aranha, clarear os dentes e se livrar de fungos no organismo. Nem precisa dizer, mas é bom repetir: nada disso funciona.
Compre um bom filtro. Simples assim. Existem filtros de grande vazão para caixa d'água, com refil de carvão ativado que pode ser trocado de tempos em tempos.
Em termos bem simples, é chorume de bactéria. Com fórmula C12H22O, a geosmina é um álcool, o que deveria ser bom, mas não é de beber, embora a gente beba. Tipo Corote. É uma substância que ocorre naturalmente em todo lugar, e é responsável pelo cheiro de terra molhada, que a gente tanto romantiza quando chove.
A diferença é que nós somos muito, muito sensíveis à geosmina, nosso nariz detecta o odor em uma concentração de 5 partes por trilhão. Por isso quando a concentração aumenta, o cheiro agradável se torna insuportável e adivinhe o que acontece quando seus reservatórios de água potável são tão saturados de esgoto e lixo que nem uma cianobactéria, um bicho que existe na Terra desde 3,5 bilhões de anos atrás, consegue sobreviver.
Isso mesmo, as cianobactérias morrem em massa, espalhando geosminas pela água. A culpa, sinceramente, não é das bactérias, a menos que elas sejam responsáveis por dezenas de municípios despejando esgotos in natura nos rios que abastecem a população. Se forem, anotem o nome dessas bactérias e nunca mais votem nelas.