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O Irlandês é fantástico, apesar do CGI – Resenha

Confira nossa resenha sobre O Irlandês, o fantástico filme de Martin Scorsese, e sua polêmica decisão de usar CGI pra rejuvenescer o trio de atores

4 anos atrás

Assisti o novo filme de Martin Scorsese, O Irlandês, uma realização grandiosa que conta com interpretações de altíssimo nível para contar a trama emocionante que mostra o desenrolar de toda uma vida na tela, com um lado técnico impecável com excelentes direção, fotografia, edição, além de um roteiro muito bem escrito.

Cena de O Irlandês

Não quero estragar a experiência de vocês, que precisam assistir este filme brilhante o quanto antes, então vou tentar não falar sobre nenhum detalhe específico da trama que não tenha sido mostrado nos trailers e nos meus inúmeros outros posts sobre o filme.

Minha empolgação com O Irlandês se explica pelo fato de Martin Scorsese ser um dos meus diretores favoritos, e estar sem fazer um filme desde 2016 com Silêncio, sem contar Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story, um documentário sobre uma turnê do cantor e compositor nos anos 70.

A vida em questão é a de Frank Sheeran, o irlandês do título, um caminhoneiro veterano da Segunda Guerra Mundial que acaba mudando completamente de vida ao conhecer o mafioso Russel Bufalino em um posto de gasolina no meio de uma viagem, e depois se torna um temível matador a serviço da máfia.

Cena de The Irishman

Com 3 horas e meia de duração, o filme é uma verdadeira epopéia, na qual seus personagens passam por diferentes arcos, mas que não em momento nenhum se torna cansativo ou esticado demais. Pra mim a obra merece sim ser assistida como seu diretor a concebeu, ou seja, de uma só vez, mas quem optar por assistir na Netflix pode e deve pausar pra ir no banheiro, se assim tiver vontade. 😉

Ao contrário de outros filmes, Scorsese está mais contido na direção em O Irlandês, mas realiza seu trabalho com maestria, ainda que de forma mais simples e direta do que em outros trabalhos feitos quando era mais jovem. O tom do filme é mais reflexivo, e dá pra perceber que o cineasta (assim como o personagem principal no fim do filme), está analisando tudo o que fez ao longo da sua vida e carreira.

A beleza deste filme em cada fotograma se deve a fotografia de Rodrigo Prieto, em mais uma parceria sensacional com Scorsese. A fotografia é usada de forma brilhante para mostrar a passagem do tempo através das décadas mostradas no filme, junto com a edição de Thelma Schoonmaker, que tem uma parceria bem mais antiga (mais de 50 anos) com o diretor.

Se no começo da trajetória de Frank Sheeran as cores são vibrantes e muito vivas, quando o personagem chega ao final da sua vida, Rodrigo Prieto reduz a saturação para pintar um clima bem diferente. O trabalho de direção, edição e fotografia foi ainda mais complexo por conta das câmeras extras necessárias para produzir os efeitos de rejuvenescimento digital, sobre o qual vou falar no final deste texto, pra não estragar a empolgação.

O filme é escrito por Steven Zaillian, e o roteiro segue os passos do livro I Heard You Paint Houses de Charles Brandt, que em português se chamou O Irlandês – Os crimes de Frank Sheeran a serviço da Máfia, uma obra escrita com base nas entrevistas do autor com Frank Sheeran, que duraram cerca de cinco anos.

Para contar essa saga que dura toda uma vida, o roteirista optou por usar como fio condutor da trama uma viagem de carro com as famílias de Frank Sheeran e Russel Bufalino em 1975, costurando os flashbacks que vão contado a violenta história de Frank Sheeran.

Zaillian foi o grande vencedor do Oscar em 1993 por de A Lista de Schindler, e já deve estar se preparando para ser indicado ao Oscar de novo, pois fez um trabalho realmente fantástico em The Irishman. Adoro a forma como alguns personagens são apresentados como a data de sua morte e a forma como foram assassinados.

Cena de The Irishman

Mais até do que o roteiro, o grande trunfo desse filme está em seus atores incríveis. Frank Sheeran é interpretado com o talento de sempre por De Niro, enquanto Pesci dá vida a Russell Bufalino com uma atuação tão contida quanto poderosa, incluindo um olhar e gestos que conseguem arrepiar até a alma.

Cena do novo filme de Martin Scorsese

Quem também brilha e muito é Al Pacino, que rouba absolutamente todas as cenas em que aparece como o líder sindical Jimmy Hoffa, que é um verdadeiro showman, e deve ser indicado ao Oscar por sua interpretação. É impossível não torcer e não ter uma simpatia profunda por esse personagem.

Cena de O Irlandês

Apesar do show de De Niro e Pacino, a atuação mais marcante desse filme pra mim é mesmo a de Joe Pesci, que voltou a atuar especialmente para O Irlandês só para nos lembrar o quanto ele é um ator imenso, capaz de dominar um personagem dessa forma.

Pesci foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante em 1981 por Touro Indomável e novamente indicado 10 anos depois por Good Fellas, quando levou a estatueta pra casa. Acho bem difícil que ele não seja indicado novamente por este papel, e se ganhar, não será nenhuma surpresa, só acho que deveria ser indicado na categoria principal.

O último trabalho de Scorsese com Robert De Niro e Joe Pesci foi em 1995, quando ele dirigiu Cassino, outro verdadeiro clássico, e antes disso, em 1990 com Os Bons Companheiros (Good Fellas), pra mim um dos três melhores filmes de máfia já feitos ao lado de Poderoso Chefão 1 & 2.

As cenas de Lucy Gallina como a jovem Peggy Sheeran com o seu "tio" Russell mostram que a jovem atriz tem futuro em Hollywood, pois não é qualquer atriz mirim que consegue encarar Pesci de frente com tanta desenvoltura. Anna Paquin vive a mesma personagem adulta, e apesar de não ter muitas falas em cena, mostra todo o seu talento através de seus olhares para o seu pai, e sua distância acaba sendo a grande tristeza do final da vida de Frank Sheeran.

Jesse Plemons está ótimo Chuckie O'Brien, filho adotivo de Jimmy Hoffa, assim como Ray Romano, que acerta em cheio como seu Bill Bufalino, o advogado de Frank Sheeran e de Hoffa. Também são dignos de elogios os trabalhos de Bobby Cannavale e Stephen Graham em seus papeis. A verdade é que o elenco é todo excelente, e eu não esperava nada menos de Scorsese.

Quem também aparece no filme é o meu querido Harvey Keitel como o mafioso Angelo Bruno, que infelizmente não participa mais da trama, mas sua participação já vale por reeditar a sua parceria com Scorsese. É uma pena que Ray Liotta também não tenha sido chamado, mas não se pode ter tudo.

Já vi alguns críticos que discordam, mas pra mim O Irlandês não consegue superar Good Fellas, apesar chega perto (um feito que poucos filmes do estilo conseguiram atingir), mas esse não era definitivamente o objetivo de Scorsese, afinal apesar do tema em comum, são histórias completamente diferentes.

Em uma entrevista, a editora Thelma Schoonmaker falou sobre as diferenças entre os dois filmes, em um ótimo papo sobre o filme. Thelma já ganhou três Oscars por suas parcerias com Scorsese (Touro Indomável, O Aviador e Os Infiltrados) e se for indicada e vencer novamente, vai se tornar a editora mais premiada da história da Academia.

Cena de The Irishman

Elogiei bastante O Irlandês até aqui, mas não dá pra terminar essa resenha sem falar do elefante na sala, o uso de CGI, que foi o grande responsável pelo orçamento do filme ter ultrapassado US$ 160 milhões. Será que esse dinheiro foi bem gasto, valeu o investimento? Bem, depende. Por um lado ele tornou possível que esse filme exista da forma como foi imaginado por Martin Scorsese, mas por outro ele também é o seu principal calcanhar de Aquiles.

Cena do novo filme de Martin Scorsese

É impossível dizer que esse é um filme como outro qualquer, pois o efeito de rejuvenescimento digital é visível a cada instante em que os atores estão em cena em suas versões mais jovens. Vi muita gente falando sobre o ritmo e duração do filme, que alguns acharam longo demais, que pra mim são pontos positivos da produção, mas vi pouquíssimas pessoas estão falando dos efeitos especiais de rejuvenescimento digital, algo que no meu caso pelo menos, te tira um pouco da experiência.

O trabalho de CGI é muito bem feito, mas infelizmente, ainda não é perfeito. Algo que me incomodou profundamente foram os olhos azuis de Frank Sheeran, que parecem brilhar como os de um White Walker, um efeito muito bizarro e pouco natural. Respeito a opinião de quem discorda, mas pra mim não tem como não olhar para a tela nas cenas de flashback que ocupam grande parte do filme sem imaginar que você assistindo uma cena de um videogame.

Outro ponto que merece ser destacado é que o rosto e as mãos podem ser rejuvenescidos, mas o corpo do ator não. Quando Robert De Niro dá uma surra em um personagem, seu movimento corporal é o de uma pessoa de mais de 75 anos, não o de alguém de meia idade. Isso é algo que realmente prejudica a sensação de imersão do espectador (no caso, eu).

Entendo a necessidade que o mestre Scorsese teve para contar a história como ele queria, com os atores que queria, mas pra mim isso não desce. O uso de CGI não estraga o filme pra mim, muito pelo contrário, O Irlandês está no meu Top 5 de 2019, mas é inegável que algo ficou estranho, apesar do óbvio talento de todos os envolvidos na ILM, uma empresa da qual sou fã de carteirinha, desde que eu descobri que existia.

Cena do novo filme de Martin Scorsese, O Irlandês

Nada disso tira o brilho do filme, mas tive uma grande sensação de alívio quando o tempo passou e os efeitos não precisaram mais ser aplicados nos atores. Nunca um filme teve um rejuvenescimento digital tão bem feito e tão ambicioso, com tanto tempo em tela, assim Martin Scorsese merece aplausos pela coragem, ainda que seu filme não seja perfeito justamente por isso.

Você pode assistir O Irlandês em alguns cinemas selecionados (melhor se apressar) ou então clique aqui para assistir na Netflix.

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