Ronaldo Gogoni 4 anos atrás
Donald Trump arrumou um novo inimigo comercial: a França. Após o senado local aprovar uma lei que cria um imposto de 3% sobre serviços digitais, que de acordo com as regras afeta principalmente as gigantes de tecnologia do Vale do Silício, o presidente dos Estados Unidos prometeu retaliar aumentando as taxas sobre bens de consumo franceses.
A nova taxa francesa não mira especificamente contra empresas de tecnologia americanas, mas para quem sabe ler um pingo é letra: a nova regulamentação estabelece o recolhimento de 3% sobre a receita de serviços digitais que operam no país, nacionais ou não, desde que estes excedam uma receita local de € 25 milhões (R$ 105 milhões em valores de hoje, 29/07/2019) e global de € 750 milhões (R$ 3,15 bilhões).
A ideia da junta econômica do presidente Emmanuel Macron vai além, que é estabelecer um imposto do tipo de alcance global nos mesmos termos, de modo a equilibrar a balança e evitar malandragens como a empregada por Apple e cia. que implicava em recolher taxas através da Irlanda, que possuía uma carga tributária muito menor.
Vale lembrar que Itália, Áustria, Espanha e Inglaterra também consideram criar taxas semelhantes pelos mesmos motivos e considerando o cenário, não é difícil a Comissão Europeia para a Competição acabar estabelecendo um imposto unificado para toda a União Europeia, pelo menos antes da comissária Gordon Margrethe Vestager, a carrasco do Google entregar o cargo em novembro.
Só que o novo imposto não foi muito bem digerido pelos Estados Unidos. No começo de julho, o Departamento do Comércio Exterior emitiu uma nova alegando (corretamente, convenhamos) que ele afetará principalmente as empresas digitais do país como Apple, Google, Microsoft, Amazon e outras, dado o montante que elas movimentam na França e no resto do mundo, enquanto empresas de tecnologia francesas ficariam em sua maioria isentas.
Agora o Trump resolveu ele próprio opinar sobre o assunto, daquele jeito que só ele sabe fazer:
France just put a digital tax on our great American technology companies. If anybody taxes them, it should be their home Country, the USA. We will announce a substantial reciprocal action on Macron’s foolishness shortly. I’ve always said American wine is better than French wine!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 26, 2019
Para o Trump, a França não tem o direito de taxar empresas americanas (claro que o interesse aqui são os impostos para o caixa da Casa Branca) e dessa, forma, anunciou uma retaliação contra companhias que atuam em solo americano. Só que o número de empresas tech francesas é muito menor e nem todas possuem uma receita tão grande quanto o de uma Apple da vida, então como retaliar à altura?
A resposta é bem simples:
Trump anunciou que o governo vai aplicar novas taxas sobre vinhos e muito provavelmente, outros bens de consumo franceses populares nos Estados Unidos, como queijos. Ignoremos a parte insana onde ele diz que o vinho americano é melhor que o francês, até porque Trump afirma ser abstêmio ("eu gosto da aparência dos nossos vinhos", essa foi a desculpa), embora isso não seja inteiramente verdade.
A nota oficial da Casa Branca possui uma linguagem menos "trumpística" e mais formal, mas segue a mesma linha de raciocínio:
"Os Estados Unidos estão extremamente desapontados com a decisão da França em adotar um imposto sobre serviços digitais, às custas de companhias e trabalhadores americanos (...). Nota-se que tal medida unilateral mira em empresas inovadoras dos EUA, que fornecem serviços em setores distintos da economia."
A nota diz inclusive que Trump e Macron chegaram a conversar sobre a criação da taxa, com o primeiro alertando o segundo sobre o prejuízo que tal medida tomaria, mas Macron a aprovou mesmo assim (Trump disse a repórteres na sexta que teria ameaçado retaliar taxando o vinho francês). Como dito antes, o entendimento geral é que as gigantes de tecnologia lucram demais e pagam impostos de menos nos países em que atuam, seja se aproveitando de vantagens dadas por governos, ou fazendo uso de maracutaias para evasão fiscal.
A resposta da França não demorou: no sábado (27), o ministro das Finanças, Bruno Le Maire disse que Trump "não deve misturar impostos digitais com tarifas de vinho", alegando que o importante é implementar uma taxação justa contra quem tem mais receita. O Departamento de Comércio dos EUA questiona se o tributo é legal ou não, logo, vai levar um tempo para descobrirmos se a ameaça será levada a cabo.
O governo francês aplicará imposto sobre serviços digitais de forma retroativa, incidindo sobre operações financeiras no país feitas desde o início de 2019.
Com informações: Ars Technica, Reuters.