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O dia em que os jornais viraram a Velha Mídia. Em 1893

5 anos atrás

Os jornais já foram fundamentais como ferramenta para levar informação ao público leitor. Inestimáveis, cobrindo guerras, revoluções, trazendo notícias de terras distantes e mantendo políticos e governos na mira dos olhos atentos do povo, mas eles começaram a ficar lentos, as pessoas começaram a querer notícias mais frescas. Um belo dia ficou claro que uma solução eletrônica seria muito mais ágil, e nesse dia os jornais perderam seu posto. Esse dia foi 15 de Fevereiro de 1893.

Eu ainda gosto muito da velha mídia. Me processem.

A visão de que os jornais eram uma mídia antiquada no final do Século XIX era do engenheiro e inventor húngaro Tivadar Puskás. Nascido em 1844, ele inventou a central telefônica antes mesmo do telefone ser inventado. Calma, eu explico: Ele estava trabalhando em uma central telegráfica quando Graham Bell inventou o telefone, vendo a oportunidade, Tivadar adaptou sua invenção.

Ele também ajudou a criar os primeiros painéis telefônicos, e acabou se tornando amigo de Thomas Edison, que admirava sua inteligência, a ponto de dar crédito público de suas invenções, e sabendo como Edison era canalha, isso era raro.

Tivadar inclusive se tornou responsável pelos interesses financeiros de Edison na Europa, enquanto instalava a central telefônica de Paris.

Tivadar Puskás

Pouco depois ele teve uma idéia: Usando o modelo antigo de painéis manuais com conexões diretas, o número de conexões era limitada, mas com as centrais de Tivadar ele poderia em teoria conectar 500 mil pessoas à mesma linha. Então, ainda em teoria ele poderia transmitir a mesma mensagem para um monte de gente ao mesmo tempo. BROADCAST!

Lembre-se, isso foi na década de 1890, eletricidade ainda era novidade pra muita gente, não existia rádio, televisão, telefones eram raros e caros, falhavam o tempo todo e a qualidade era abismal, fazer uma ligação levava uma eternidade. Imagine a TELERJ nos Anos 80 e -ok, 1890 não era tão ruim mas chegava perto.

Em um artigo de título "Organisation und Einrichtung einer Telephonzeitung", Tivadar escreveu:

"Em nossa era de pressa, aonde todo mundo não só busca assuntos de seu interesse, mas todos os assuntos interessantes em todo o mundo, com a maior velocidade, mesmo os jornais modernos não conseguem ser rápidos o suficiente, mesmo com duas edições diárias"

Ou seja: Em 1893 o cara já achava que o mundo era rápido demais para ser coberto por jornais, e teve uma idéia: Usar o sistema telefônico da cidade para enviar notícias para um monte de pessoas de uma vez.

O projeto se chamou Telefon Hírmondó, algo como Arauto Telefônico, e Tivadar tinha prestígio para conseguir investidores. Ele montou uma estrutura que foi ar ao com 60 assinantes, e era basicamente um portal.

Os assinantes recebiam todo dia uma tabelinha de horários com a programação, que tinha notícias locais, música, notícias internacionais, cotações da bolsa de valores, esportes, política, notícias do parlamento, hora certa, apresentações de teatro, previsão do tempo, shows de ópera e até programas infantis.

Um mês depois da estréia, Tivadar morreu, assumindo os negócios seu irmão, Albert Puskás. O modelo já estava todo estruturado, protegido por patentes de Tivadar para seu "dispensário telefônico de notícias". Logo eles conseguiram autorização do governo, incluindo exigências de que transcrições das notícias em papel fossem enviadas para a polícia, ministérios, etc.

O locutor lendo as notícias

O negócio cresceu, e muito. Em 1893 eles tinham 60 assinantes. Em 1894 já eram 700, em 1895 chegaram a 4915, em 1899 tinham 7629 e em 1907 eram 15 mil assinantes. Até o Imperador assinava o serviço.

A Companha Telefônica não gostou muito da idéia do serviço congestionando suas linhas, mas a empresa também não estava gostando de ter que pagar pelas linhas, e conseguiram autorização para implantar sua própria infraestrutura, conectando diretamente a casa dos assinantes com a central telefônica de Tivadar.  Começaram com 69Km de cabos, em 1907 já tinham 1800Km.

Isso tudo, crianças, em um tempo onde ISTO era pura ficção científica:

A primeira válvula foi patenteada em 1906, chamada "Audion", e não era grande coisa. As transmissões eram feitas sem amplificação, então os locutores eram escolhidos por terem voz potente, vários microfones eram usados, para captar a maior quantidade de sinal possível, e o resultado, segundo críticos da época era que o Telefon Hírmondó funcionava para notícias mas era "insatisfatório" para música.

E o dim-dim?

A assinatura mensal custava 10000 coroas húngaras, ou US$12,70 em valores atuais, mas essa conta com certeza está errada. Os assinantes pagavam os valores correspondentes a um ano, em duas prestações. Recebiam o aparelho em consignação. Por volta de 1901 anunciantes começaram a veicular spots de 12 segundos entre os programas, mais uma fonte de renda e muhahah imune a AdBlock.

A Telefon Hírmondó também instalava em hotéis e restaurantes terminais operados por moedas.

O modelo foi copiado no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos.

Radio Killed the Radio Star

Na década de 20 o Rádio começou a se popularizar, e ao contrário de empresas que se acomodam em seu sucesso e não inovam (estou olhando pra você, Palm) a Telefon Hírmondó conseguiu uma licença e investiu pesado em rádio, montando uma estrutura paralela, os usuários podiam receber as notícias pelo modelo de assinatura, no terminal domiciliar, ou via rádio.

Se isso parece estranho, lembre-se que em 2015 a America OnLine tinha 2.1 milhões de assinantes via linha discada, pagando em média US$20,00 por mês, entre gente que não tinha outra opção, e gente que não queria mudar a forma com que se conectava nos últimos 30 anos.

Um dos segredos do sucesso do Telefon Hírmondó foi o investimento em pessoal. Em 1907 eles já tinham mais de 200 funcionários, incluindo dois editores, seis sub-editores, 12 repórteres e oito locutores. Os jornalistas eram inclusive respeitados, sendo chamados para os mesmos eventos e ganhando os mesmos mimos dos colegas da velha mídia.

A redação do Telefon Hírmondó.

O Portal Multimídia sobreviveu até 1944, quando um arranca-rabo da Europa destruiu todas as linhas físicas do serviço, junto com boa parte dos assinantes.

Hoje nos vangloriamos de viver em uma sociedade altamente tecnológica com informação na ponta dos dedos, mas 126 anos atrás, quando vivíamos basicamente em cavernas e caçando javalis pra sobreviver, já existia um serviço que oferecia em essência o mesmo de uma operadora de TV a cabo, ou um portal de notícias, e com a vantagem de não ter comentaristas do G1.

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