Carlos Cardoso 4 anos atrás
* Eu não disse qual país.
Mesmo que o brasileiro felizmente não tenha aquele ranço de colonizado, e por mais que gostemos de nossos patrícios do outro lado da poça, séculos de piadas (ironicamente importadas de lá mesmo) fazem que seja difícil associar Portugal com alta tecnologia, mas o pequeno país ibérico já foi a Wakanda de seu tempo, e quer voltar a ser.
As caravelas portuguesas dominaram os mares nos Séculos XV e XVI, eram embarcações ágeis, versáteis, capazes de se defender sozinhas e navegar em alto-mar ou em áreas bem rasas. Seu desenho era Segredo de Estado, era crime capital, punido com morte revelar detalhes de sua construção.
Estrangeiros não podiam comprar caravelas, e durante viagens ao exterior se um marinheiro português desse muitas informações ou deixasse um estrangeiro vistoriar a embarcação... dedo no pescoço, que como até o Drax sabe, significa morte.
Portugal já foi uma potência mundial, hoje é uma sombra do império que foi, basicamente uma Inglaterra que gosta de bacalhau, mas os Estados Unidos deles somos nós então um pouco de empatia, galera.
Mesmo assim eles investem o que podem em ciência e tecnologia, e desde 2000 são membros da Agência Espacial Européia, e enquanto o Brasil estava dando calote e sendo expulso da Estação Espacial International e do telescópio ESO, Portugal em 2016 aumentou sua contribuição para a Agência Espacial Européia.
Esse desejo de não ficar para trás resultou na iniciativa Portugal Espaço 2030, onde o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia escreveram o mapa para a criação e auto-suficiência de toda uma indústria espacial.
Hoje Portugal produz muitos cérebros, mas que acabam em outros países, com o programa eles pretendem ter pelo menos 1000 novos empregos especializados na área até 2030, e angariar investimentos corporativos na casa dos €400 milhões.
Inicialmente foi criada a Agência Espacial Portuguesa, ou Portugal Space. Já estão em fase de escrita dos estatutos e toda a burocracia envolvida, mas já foram tomadas duas decisões importantes: A primeira, que no Brasil daria urticária aos nacionalistas xenófobos, é que o Diretor da agência será um estrangeiro com experiência no setor.
A segunda é que a sede da Agência Espacial Portuguesa será nos Açores, na Ilha de Santa Maria:
Com pouco menos de 100km2 e 15km em sua maior extensão, a Ilha de Santa Maria é lar de 5500 pessoas, e embora não esteja em uma latitude ideal, ficando a 1400km de Portugal tem espaço suficiente para lançar foguetes sem que eles caiam na Espanha. E antes que alguém sugira, não faz sentido lançarem do Brasil se a sede vai ficar por lá mesmo, e mandar os burocratas e cientistas pra cá seria crueldade, eles ainda lembram que isso aqui era terra de degredo em pior grau.
O projeto prevê um aporte de verba de diversas fontes, inclusive €320 milhões da Agência Espacial Européia, no período entre 2021 e 2027. Inicialmente Portugal vai colocar entre 500 mil e um milhão de Euros para o pontapé inicial.
A idéia é construir na Ilha, além da sede da agência uma base de lançamento de micro-satélites, com toda a infraestrutura necessária, incluindo radares, sistemas de comunicação, prédios para montagem de foguetes, tanques de armazenamento de combustível, alojamentos, escritórios, salas de controle, plataformas de lançamento e um botequim, afinal de contas nenhum português que se preza trabalharia em um lugar onde não tivesse aonde no final do expediente tomar uma cerveja comendo uma sardinha frita.
A beleza dos micro-satélites é que a cada dia eles se tornam mais capazes e poderosos, a eletrônica evolui sem cessar, hoje com um equipamento muito pequeno podemos fazer muita coisa. Pense na quantidade de sensores e câmeras em um celular comum, imagine isso no espaço.
A tecnologia de foguetes também evoluiu de forma impressionante. O Electron, da Rocket Lab tem 17 metros de comprimento, pesa 12,5 toneladas e consegue colocar cargas de 225Kg em órbita. O VLS, aquela porcaria que o Brasil nunca conseguiu construir sem explodir pesava 50 toneladas, media 19,7 metros e sua carga máxima em órbita era de 380Kg.
Faz todo o sentido biológico Portugal investir na construção de uma base para lançamento de micro-satélites, o mercado está bombando, há literalmente dezenas de empresas construindo foguetes que podem se beneficiar de uma base próxima da Europa, longe de regiões habitadas e com clima bom.
Portugal vai ganhar muito dinheiro alugando os serviços da base, seus cientistas e engenheiros irão ganhar conhecimento inestimável e a Agência Espacial Européia pode no futuro pensar seriamente em trazer para Santa Maria o lançamento de foguetes menores, como o Vega.
Claro, isso seria uma idéia excelente para o Brasil, mas quer saber? NÃO VAI ACONTECER. Nossa mentalidade vira-lata nos torna pobres mas orgulhosos, nossa "soberania" jamais aceitaria um estrangeiro comandando uma agência espacial, sendo realista não aceitamos estrangeiros nem como técnicos de futebol.
Se Neil Armstrong e Werner Von Braun se oferecessem pra trabalhar de graça a gente botaria pra correr com cartazes YANKEE GO HOME. Alugar plataformas de lançamento para gringos? Nem pensar também, só com a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os EUA já há histéricos acusando o Governo de se vender aos Americanos, acabar com nosso programa espacial e -sério, eu vi- dar aos EUA uma base de onde irão atacar a Venezuela.
Eu já expliquei em detalhes neste texto aqui que ninguém grande vai investir em Alcântara, não há incentivo ou justificativa pra uma SpaceX vir pra cá. A solução seria achar investidores para construir uma estrutura de micro-satélites ou lançadores médios, Israel é um excelente candidato, já que eles precisam lançar em órbita retrógrada, o que consome muito combustível, vindo pra cá seus foguetes como por mágica ficaria 60% mais eficientes.
Vai acontecer? De novo, duvido. A única certeza é que todas as nossas piadas do foguete português agora tem prazo de validade, depois de 2021 elas perderão a graça e a piada seremos -ok, continuará sendo- nós mesmos.