Carlos Cardoso 6 anos e meio atrás
Esse avião aí de cima é o Boeing B-29 Superfortress. Ele é, ou era, pura ficção científica. Entre seus vários feitos ele lançou as duas bombas atômicas no Japão, mas o impressionante mesmo é que seu projeto custou mais caro que o Projeto Manhattan, que criou as bombas.
A Boeing vinha trabalhando em um bombardeiro pesado desde os anos 30, mas o pedido oficial do Exército dos EUA só veio no final de 1939, quando o bicho já estava pegando na Europa e os EUA não iriam se manter neutros por muito mais tempo.
As especificações eram ousadas. O avião deveria carregar nove toneladas de bombas por 4.300 km voando a 640 km/h. Só isso já afastou a concorrência, mas foi apenas o começo. O que se tornaria o B-29 coisa de ficção científica era o que tinha dentro dele.
Foi o primeiro avião militar com cabine pressurizada e aquecida. Um túnel ligava os compartimentos da proa e da traseira, passando por cima do compartimento de bombas. O sistema de alvos, computadorizado.
As torres de tiro eram controladas por cinco computadores analógicos que corrigiam ângulo, velocidade, queda da munição, temperatura, distância de alvo e outras variáveis. Um controlador podia designar torres para os artilheiros, sem nem perceber você poderia atirar com 4 torres ao mesmo tempo.
Os motores eram sincronizados via sistemas eletrônicos, outra inovação para a época. Era um avião uns 20 anos adiante de seu tempo, a ponto de ainda na fase de projeto o exército ter encomendado 500 unidades.
Outra inovação foi a produção dispersada pelo país. Havia 3 fábricas principais do B-29 e mais centenas de fornecedores de peças e sub-componentes, e tudo tinha que se encaixar, mais de 105 mil peças. O projeto era tão estratégico que trabalhadores eram revistados entrando e saindo das fábricas, mas mesmo assim os planos vazaram, deixando os soviéticos bem interessados.
Os russos tentaram de tudo para botar as mãos no B-29, chegaram até a dar uma de joão-sem-braço e solicitaram um avião na cara dura, nos muitos embarques do programa Lend-Lease, onde os EUA forneciam equipamentos e suprimentos para os aliados. Não colou.
Até que um presente divino quase fez Stalin abandonar o ateísmo: em 1944, três B-29s fizeram pousos de emergência em território russo, depois de atacar posições japonesas. EUA e URSS eram aliados na Europa mas no Pacífico os soviéticos permaneciam neutros, então teeeeeeecnicamente não poderiam ajudar os americanos.
Seguindo tratados internacionais, os aviões foram apreendidos e os tripulantes “internados”, uma espécie de prisioneiro soft. Negociações diplomáticas até tranquilas conseguiram que os prisioneiros “escapassem” em um comboio militar russo, que os levou até o Irã, mas os aviões ficaram.
Consertados e abastecidos, foram levados até o QG da Tupolev, onde Andrei Tupolev em pessoa comandou a inspeção. Stalin foi direto: copiem. Façam engenharia reversa, construam um avião russo idêntico. Em dois anos.
Aqui nosso amigo Lito apresenta ao vivo o B29 da abertura:
Foi um trabalho de pura loucura, os russos tiveram que deduzir métodos de fundição e até lidar com problemas como as unidades de medida: os russos usavam sistema métrico. A neurose de fazer uma cópia fiel chegou ao ponto de copiarem um remendo na fuselagem do avião que estavam usando como base. A cópia acabou idêntica até o último rebite. Os pedais do leme tinham a estampa BOEING, pois assim eram no original.
O resultado?
O Tupolev Tu-4 é uma cópia esculpida em carrara do B-29, apresentada ao mundo em Moscou quando Stalin organizou uma demonstração para líderes estrangeiros, os três B-29 capturados apareceram em formação e foram — para surpresa geral — acompanhados por um Tu-4.
800 unidades foram construídas, mas ele nunca foi usado em combate: o protótipo voou em 1947 e ele entrou em operação em 1949. Em 1953 os russos venderam vários para a China, que o usou até 1988.
Espionagem industrial e cópias descaradas acontecem o tempo todo no campo militar, os tanques-pontes do ocidente são todos descaradamente copiados do modelo russo, que é excelente. O Tu160 é basicamente um kibe do B1B americano:
Copiar o inimigo o tempo todo não é uma boa estratégia a longo prazo, você está sempre um passo atrás tecnologicamente, mas em alguns momentos é válido, o maior ganho do projeto do kibe do B-29 não foi a produção do Tu-4 mas o avanço geral na indústria aeroespacial soviética, que precisou se modernizar para encarar o desafio.