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UE: X violou DSA por desinformação via plano Premium

Plano Premium viabilizaria desinformação, e X não cumpre com obrigações de transparência; Elon Musk diz que UE ofereceu "acordo secreto"

15/07/2024 às 10:50

O X, rede social do bilionário Elon Musk, se tornou a primeira ser enquadrada pela Lei de Serviços Digitais (DSA) da União Europeia (UE), que define o que plataformas digitais podem, não podem, e devem fazer para serem permitidas operar nos 27 países-membros do bloco.

A avaliação preliminar, divulgada nesta sexta-feira (12), concluiu que o plano X Premium viabiliza a desinformação, ao permitir que qualquer um tenha uma conta verificada; assim, indivíduos mal-intencionados são capazes de enganar usuários, se passando por fontes de informação confiáveis.

Deu ruim para o Musk na UE, como esperado (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Deu ruim para o Musk na UE, como esperado (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

O X também é acusado de falhar na transparência de dados de publicidade, e de não fornecer acesso a pesquisadores e monitores externos. Se confirmadas as violações, a plataforma pode ser multada em até 6% do faturamento global anual, além de ser submetida a outras sanções.

Já Musk alega, sem provas, que a UE ofereceu ao X um "acordo secreto" ilegal, onde a rede social deveria censurar e remover conteúdos, e em troca, se safaria da punição.

X Premium permite desinformação

O X foi a primeira rede social a ser alvo de uma investigação formal da UE, aberta em outubro de 2023. Na ocasião, foram reforçados pontos críticos apontados na carta aberta enviada antes a Elon Musk por Thierry Breton, comissário para o Mercado Interno do bloco, e uma das duas pedras no sapato das big techs do Vale do Silício, a outra sendo sua par Margrethe Vestager, comissária para a Competição e vice-presidente executiva da Comissão Europeia para uma Europa Pronta para o Futuro.

Na carta, Breton apontou que o X falhava em cumprir com as determinações da DSA, que obriga plataformas digitais a combater a disseminação de postagens que contenham discurso de ódio, assédio de qualquer tipo, revenge pr0n e Fake News. As redes serão responsabilizadas por tudo que os usuários publicarem, e a UE determina o que pode, e o que não pode ser mantido no ar. A Lei é bem clara, se a UE mandar uma postagem ser apagada, o X é legalmente obrigado a cumprir a ordem.

Musk vem esticando a corda desde que comprou e assumiu a gestão do X, então Twitter. O executivo defende sua ideia de "liberdade de expressão absoluta", onde todos devem ter o direito de publicar o que pensam, sem que ninguém, usuários ou plataformas, sejam punidos por isso; já na ocasião Breton o alertou que isso não aconteceria, a DSA determina as regras e elas serão seguidas por todos, sem meios-termos.

Ainda assim, o dono do X continuou esticando a corda. O escritório da companhia em Bruxelas foi fechado, um ato entendido como um rompimento com o corpo regulatório da UE, a rede social deixou de combater posts que espalham desinformação referente ao combate à Covid, para depois deixar este comitê e o de combate ao discurso de ódio. Oficialmente, Musk disse que "nada mudou", enquanto dissolvia o time de moderadores externos que monitoravam postagens nocivas.

Algumas das mudanças foram entendidas pelos reguladores da UE como provocação, como o processo de verificação de contas, agora liberado a qualquer um mediante pagamento, sem nenhum tipo de checagem de identidade obrigatória, onde perfis com o selinho azul, não raro, se passam por outras pessoas e instituições, compartilhando informações falsas.

Outra modificação do X que irritou bastante, foi a remoção de uma restrição antiga, que impunha um mínimo de 100 mil seguidores para que um perfil fosse considerado uma fonte válida de notícias críveis, com os algoritmos passando a destacar qualquer mensagem que "bombe", independente de seu conteúdo. Não raras foram ocasiões em que a rede social promoveu publicações com conteúdo de ódio e desinformação, o que levou a inúmeros anunciantes pularem fora do X, apenas para Musk mandar todo mundo se f#$%r, pois ele não aceitaria chantagem.

A carta de Breton foi enviada ao X (e também ao Meta e TikTok) uma semana após o ataque do Hamas a Israel, após a Comissão Europeia detectar, nas três plataformas, um aumento nas postagens contendo desinformação e discurso de ódio, de cunho antissemita e antiárabe principalmente. Todas foram alertadas a seguirem a DSA, mas Musk, que não sabe a hora de enfiar o sapato na boca, respondeu o comissário, dizendo que ele deveria publicar os detalhes acerca do que a rede social deveria cumprir no aberto, para todos os usuários verem.

Breton respondeu, dizendo que cabia ao X e Musk apresentarem provas de que cumpririam as leis, não o contrário, apenas para o executivo insistir em sua retórica. A resposta veio três dias depois, com a abertura dos requerimentos necessários para a abertura da primeira investigação formal contra uma plataforma digital desde que a DSA entrou em vigor, iniciada oficialmente em dezembro do mesmo ano, citando também o uso de "padrões sombrios".

Estes são interfaces de uso confusas e enganosas, criadas para direcionar as escolhas do usuário, para induzi-lo a optar por algo que ele não queira, por exemplo, desistir de cancelar uma assinatura. A DSA proíbe a prática, os menus e opções devem ser bem claros e sucintos.

Para a UE, permitir que qualquer um tenha conta verificada no X, apenas pagando o Premium, aumenta a desinformação e dificulta identificar fontes de informação legítimas (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Para a UE, permitir que qualquer um tenha conta verificada no X, apenas pagando o Premium, aumenta a desinformação e dificulta identificar fontes de informação legítimas (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Agora veio o resultado da investigação, e sem surpresa nenhuma, a Comissão Europeia concluiu que o X violou a Lei de Serviços Digitais, em três pontos distintos.

Primeiro, o plano de assinatura X Premium, que permite a qualquer um ter uma conta verificada mediante pagamento, é nocivo por design, por permitir a indivíduos mal-intencionados se passarem por fontes críveis de informação, escondidos atrás de um selo azul, para espalharem Fake News principalmente. A UE identificou diversos casos, e concluiu que o sistema em geral prejudica a capacidade dos usuários de se informarem e tomarem decisões, com base em mensagens que o bloco considera fidedignas;

Segundo, o X não cumpre com a Lei ao não ser suficientemente transparente quanto a dados de publicidade, já que não disponibiliza um repositório de anúncios, ao invés disso, ergueu inúmeras barreiras que dificultam o acesso às informações. Em especial, a rede não cumpre com uma exigência da DSA, que a obriga a contar com recursos de checagem e supervisão para avaliação de riscos em publicidade, a fim de não permitir que qualquer um promova qualquer coisa, exatamente o que acontece hoje no X.

Terceiro, o X não oferece acesso livre à sua API e dados a pesquisadores e monitores externos, indo ao encontro do que Musk alegou no passado, que a plataforma seria de "acesso aberto". Pelo contrário, hoje é preciso pagar muito para ter acesso, uma mudança implementada para combater o que o executivo chamou de "coleta" de dados, mas convenientemente matou todos os clientes de terceiros, e forçou inúmeros serviços e empresas a removerem integrações, para não terem que pagar fortunas por mês.

O X terá um período para montar sua defesa e contra-argumentar os pontos levantados pela Comissão; caso sejam comprovadas as violações, a empresa pode ser multada em 6% do faturamento global anual, o que incrivelmente não é muito, visto que Musk não consegue fazer a rede dar lucro; com base nos dados compartilhados referentes a 2023, em que a companhia levantou um capital com anúncios de míseros US$ 2,5 bilhões (a título de comparação, o Meta arrecadou US$ 134,9 bilhões), o valor da multa ficaria em torno de apenas US$ 150 milhões.

Ao mesmo tempo, o X pode ser também forçado a cumprir com todas as determinações da Lei, e submetido a um período de supervisão externa (a UE tem um escritório no Vale do Silício), e ter que pagar multas periódicas, até se emendar.

Elon Musk denuncia "acordo secreto" da UE

Como esperado, o dono do X reagiu à conclusão da investigação daquela maneira, falando mais que a boca. De cara, Elon Musk respondeu a postagens de Thierry Breton, novamente insistindo em um debate público, e insinuando que, com base na conclusão da Comissão Europeia, o perfil do próprio comissário pode ser falso.

Vale apontar que Musk convenientemente esqueceu que o selo no perfil de Breton é cinza, concedido pela plataforma apenas a chefes de estado e oficiais governamentais. Basicamente, o executivo disse que seu próprio sistema de checagem de identidades não funciona, confirmando o ponto da UE.

Musk também apontou dedos contra Margrethe Vestager, acusando a DSA de ser desinformação, e emendou uma denúncia grave, de que o bloco teria oferecido ao X um "acordo secreto", em que a plataforma se livraria das acusações, desde que passasse a remover postagens que o bloco marcasse, sem dizer a ninguém.

O dono da rede social disse que outras plataformas aceitaram o acordo, sem dizer quais, mas obviamente Musk se refere ao Meta e TikTok. E não apresentou prova nenhuma do que disse, só jogou palavras ao ar mais uma vez, que foram massivamente replicadas por seus seguidores.

O que Musk falha em entender é o básico: você não negocia com governos, a menos que eles queiram negociar; um exemplo é a China, se bem que as coisas também não andem boas por lá ultimamente para empresas externas, especialmente para a Tesla Motors, outra de suas companhias.

A Comissão e o Parlamento Europeus já demostraram, em várias ocasiões, que nenhuma companhia de tecnologia, especialmente as externas, terá a palavra final, não importa quanto dinheiro tenham no caixa, ou quais argumentos usem para se defenderem. Apple, Google, Microsoft, Meta, nenhuma conseguiu jamais reverter nenhuma punição da UE, e todas foram obrigadas a dançarem conforme a música, várias vezes.

Musk já era visto de soslaio pelos reguladores da Comissão Europeia, devido a SpaceX concorrendo com as empresas aeroespaciais locais, principalmente a Arianespace, e para desgosto destes, seguindo todas as normas e exigências, e disputando o mercado da maneira correta, com melhores foguetes, pelos menores preços. Ainda assim, isso não impediu movimentos para diminuir o alcance da empresa, no que nada deu certo até hoje.

O caso do X é diferente. Capitaneada exclusivamente por Musk (sua CEO, Linda Yaccarino, disse que ela só toca o barco para onde o dono apontar), a rede social fica sujeita à sua visão de que ela deve ser uma plataforma completamente livre de consequências, independente das mensagens lá compartilhadas, o que foi entendido pela UE como um desafio à DSA; esta, após uma análise interna, concluiu que o X é a pior de todas as redes, por não combater, e até endossar, desinformação e discurso de ódio.

O X terá tempo para montar sua defesa, e ao contrário do que Musk quer, o caso não será tocado em público. Assim, só nos resta aguardar pelos próximos capítulos.

Fonte: European Commission

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