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NASA não bota fé em plano da SpaceX para salvar o Hubble

E-mails internos revelam que NASA não confia em missão da SpaceX para salvar o Hubble, e nem nos trajes espaciais da empresa

21/05/2024 às 10:30

O Telescópio Espacial Hubble, por muito tempo nossa janela para o passado distante do Universo, até a chegada do James Webb (JWST), aproxima-se de seu dramático fim. Sua órbita está decaindo desde a última missão local em 2009, e com o fim do programa dos ônibus espaciais, a NASA não tem nada que viabilize uma missão de manutenção in loco. Em um determinado momento ele entrará na atmosfera terrestre e queimará, mergulhando por fim nas profundezas no oceano.

A agência espacial norte-americana nunca se sentiu confortável com a ideia de perder o Hubble, em um cenário ideal ele seria recuperado e exibido permanentemente em um museu, por isso ela aceitou, de forma preliminar, uma proposta da SpaceX de uma missão alternativa, a fim de dar uma sobre vida ao satélite.

SpaceX propôs missão para impedir que o telescópio seja perdido, mas NASA não acredita que o plano dê certo (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

SpaceX propôs missão para impedir que o telescópio seja perdido, mas NASA não acredita que o plano dê certo (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Pois não surpreende que, dada a costumeira má vontade da NASA com a SpaceX, visto que ninguém no governo dos EUA vai com a cara do bilionário Elon Musk, seus supervisores não botem fé na proposta, por uma série de fatores.

NASA: cápsula Dragon não serve para missão no Hubble

O Hubble passou por uma série de problemas desde o início de sua missão, em 1990. De cara ele nasceu "míope", um desvio microscópico no espelho principal fazia com que suas imagens ficassem borradas; ele teve que usar "óculos" (uma lente de correção adicional) por um tempo, até a peça defeituosa ser substituída.

Em 2008, um defeito na Unidade de Comando/Formatadora de Dados Científicos (CU/SDF) levou a NASA a substituir por completo a Unidade de Comando de Instrumentos Científicos e Manipulação de Dados (SI C&DH) no ano seguinte, a última vez em que o telescópio passou por uma manutenção local, devido o fim do programa dos shuttles em 2010.

Dali em diante, os defeitos só se acumulariam. Em 2018, um bug no giroscópio teve que ser corrigido com um reboot e uma série de manobras, transmitidas remotamente; em junho de 2021, a Unidade de Controle de Energia (PCU) do SI C&DH instalado em 2009 deu pau, e tanto o computador principal, quanto o backup, acionado pela primeira vez, não funcionaram, com o problema sendo sanado quando o segundo computador passou a usar sua própria PCU, ao invés da do principal, esta a origem do bug; em outubro do mesmo ano, uma série de falhas de sincronização forçou a NASA a desligar os instrumentos do Hubble por um tempo.

A agência espacial norte-americana entende que, sem uma manutenção periódica, os bugs do Hubble se acumularão até o ponto de uma falha crítica, que deixará o telescópio espacial inoperante, mas a verdade é que ele nem deve chegar a tanto: entre 2009 e 2022, sua órbita decaiu cerca de 32,18 km, e com base na atividade solar e o arrasto atmosférico, a NASA estima que ele faça uma reentrada catastrófica na atmosfera terrestre, entre 2028 e 2040.

O problema de decaimento na órbita poderia ser resolvido com uma elevação auxiliar, o que seria trivial se ainda tivéssemos os ônibus espaciais, mas em 2022, a SpaceX apresentou uma proposta curiosa, se não ousada, envolvendo a cápsula Crew Dragon.

Cápsula Crew Dragon poderia dar um "empurrãozinho" no Hubble (Crédito: Divulgação/NASA)

Cápsula Crew Dragon poderia dar um "empurrãozinho" no Hubble (Crédito: Divulgação/NASA)

A ideia, apresentada pelo bilionário e colaborador da SpaceX Jared Isaacman, comandante da missão privada Inspiration4, consistiria em uma missão tripulada para substituir componentes deteriorados, e usar a cápsula como um rebocador, para que ela empurre/puxe o Hubble até a altitude correta. Na época, a agência concordou em investigar as opções.

No entanto, os e-mails internos trocados entre os administradores do órgão, os quais a rede de rádio pública NPR conseguiu ter acesso, mostram que nem todo mundo ali está satisfeito com a proposta, e os motivos são os mais variados possíveis.

Barbara Grofic, chefe da divisão de Projetos de Astrofísica, por exemplo, escreveu em uma mensagem que o plano "é uma oportunidade fantástica" para poupar o orçamento da NASA, deixando a SpaceX pagar a conta sozinha, mas, ao mesmo tempo, "tremendamente desafiador" no campo legal e de provisionamento, para um cenário jamais projetado (consertar o Hubble in loco após o fim dos shuttles).

Os planos estavam se encaminhando para uma demonstração prática, quando em abril de 2023, a NASA começou a expressar uma série de preocupações. Keith Kalinowski, especialista do Hubble, disse que uma missão do tipo era viável, mas fazer uma caminhada espacial com o atual equipamento da missão Polaris, do qual a SpaceX faz parte, era "arriscado demais".

Na mesma época, Dana Weigel, diretora de Operações da Estação Espacial Internacional (ISS), escreveu que "a visão da SpaceX sobre os riscos, e a disposição de aceitá-los, é consideravelmente diferente da visão da NASA", uma referência ao quão nazista (sorry, not sorry) e burocrática a agência é com regulamentos, provisões, e a prática de ter redundâncias de redundâncias. Não obstante, a Dragon não possui um braço robótico ou travas para despressurização, e nem tem como adaptá-los.

Sob seu olhar, a companhia de Elon Musk é imprudente, e não inspira confiança para uma missão com grande potencial de colocar astronautas em risco.

Traje espacial da SpaceX não convenceu

Weigel também expressou preocupações a respeito do traje para atividade extraveicular (EVA) da SpaceX, o voltado para caminhadas espaciais e operações no vácuo. A executiva o chamou de "extremamente imaturo", muito provavelmente devido sua aparência.

Senão vejamos: este é o EVA desenvolvido pelos engenheiros aeroespaciais da SpaceX, e revelado em 5 de maio de 2024:

EVA da SpaceX foi pensado, segundo a empresa, considerando "segurança e mobilidade", além de produção em massa (Crédito: Reprodução/SpaceX)

EVA da SpaceX foi pensado, segundo a empresa, considerando "segurança e mobilidade", além de produção em massa (Crédito: Reprodução/SpaceX)

Agora vamos comparar com o EVA tradicional, usado pela NASA:

Astronautas Nicole Mann (NASA) e Koiichi Wakata (JAXA) exibem seus EVAs, usados durante caminhada espacial na ISS, em 20 de janeiro de 2023 (Crédito: Divulgação/NASA)

Astronautas Nicole Mann (NASA) e Koiichi Wakata (JAXA) exibem seus EVAs, usados durante caminhada espacial na ISS, em 20 de janeiro de 2023 (Crédito: Divulgação/NASA)

Ninguém nega os percalços trilhados ao longo das décadas, até chegarmos ao design atual de trajes extraveiculares, que são, para todos os feitos e fins legais, unidades de suporte a vida completas. Eles precisam oferecer o básico em mobilidade, enquanto garante que o astronauta está 100% seguro dentro do traje, o que exclui alguns luxos, como a conveniência de ir ao banheiro, por isso as boas e velhas fraldas de adulto continuam sendo parte essencial do equipamento.

O EVA da SpaceX, por outro lado, segue uma abordagem cool, como tudo que envolve Elon Musk, com um HUD embutido no capacete, mas a empresa garante que seus trajes (pelo menos o IVA, o de atividade intraveicular, para ser usado dentro das cápsulas; o EVA continua "em desenvolvimento") são tão seguros quanto precisam ser, enquanto provêm muito mais liberdade de movimentos quando comparado aos atuais, ao menos na teoria.

O astronauta Andrew Feustel, que realizou três missões de reparo no Hubble em 2009, acredita que a proposta da SpaceX é boa, mas a companhia "tem zero experiência" em caminhadas espaciais, dessa forma, não tem como prever, no momento, se algo pode dar errado; a crítica de Weigel seria algo na linha "trocar o certo pelo duvidoso", adotar um design mais moderno apenas por ser bonitinho, enquanto abre mão da segurança e confiabilidade dos EVAs atuais, embora sejam um terror na mobilidade e conveniência, especialmente na hora de atender ao Chamado da Natureza.

Vale lembrar que o Espaço não é brincadeira, ele está sempre tentando te matar, e mesmo uma missão tradicional tem seus riscos; temos exemplos de sobra, da Apollo I à Challenger e Columbia. A SpaceX idealmente não seria tão imprudente, a ponto de prejudicar seu relacionamento com a NASA com um EVA inseguro só para parecer modernoso, mas é fato que ele não agradou, e fica clara a intenção da agência preferir a solução da casa.

Quanto à capacidade da Dragon sustentar uma caminhada espacial, não é como se as outras fosse muito diferentes, e a Boeing ainda não voou com sua Starliner; a Orion só sobe tripulada em 2025, em uma missão em volta da Lua, para a Artemis 3 pousar em 2026, se nada mais der errado.

Fonte: ExtremeTech

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