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Resenha: O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca

O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca é um delicioso filme de Guy Ritchie contando uma exagerada, improvável, mas real história da 2.ª Guerra Mundial

16/05/2024 às 18:42

O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca é um filme de guerra das antigas, do tempo em que nazistas eram vilões e malvados, e não incompreendidos críticos da geopolítica do oriente médio, admirados pela elite universitária dos EUA.

Anders com sua Sten Mk II(S), com um silenciador em modo full Hollywood (Crédito: Lionsgate)

Guy Ritchie é muitas vezes menosprezado, muita gente o reconhece apenas como ex da Madonna, mas seu currículo como diretor inclui ótimos filmes, como Snatch, Sherlock Holmes e Aladdin. OK, talvez não Aladdin. Seu ritmo é rápido como o espectador moderno aprecia, e ele não perde muito tempo em considerações filosóficas.

O melhor d’O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca é que depois que o espectador se diverte com uma história absurda e exagerada, descobre que ela é baseada em uma operação real, e os malucos mostrados no filme realmente existiram.

Winston Churchill criou em 1940 o SOE, Special Operations Executive, ou Serviço de Operações Especiais, chamado informalmente de "Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca", uma organização para, nas palavras dele mesmo, “botar fogo na Europa”.

Era um serviço controverso, convocando agentes não-conformistas, encrenqueiros, com capivaras bem longas em alguns casos. O tipo de gente que pensava fora da caixa, sabia improvisar, adaptar, superar.

No caso d’O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca, é retratada a Operação Postmaster, uma das primeiras ações do SOE fora do território britânico. A versão abaixo é a real, aconteceu de verdade, mantenha isso em mente cada vez que achar algo exagerado e mentiroso demais.

Operação Postmaster

Até o final de 1941 os nazistas dominavam o Atlântico, torpedeando cargueiros ingleses e ameaçando a própria existência do Reino Unido. Em suas memórias, Churchill disse que a única coisa que ele temia eram os U-Boats alemães.

O período entre 1939 e 1941 foi chamado pelos alemães de “Tempos Felizes”, quando agiam com quase total impunidade. Os americanos ainda não haviam entrado na Guerra, e eram péssimos em guerra anti-submarino.

Em meados de 1941, os ingleses desconfiaram que os alemães estavam usando bases nas colônias francesas na África para reabastecer seus submarinos. Foi planejada uma ação para investigar a região, mas como era um território neutro, a questão foi vista com maus olhos por muita gente do próprio almirantado britânico.

Missão foi uma oportunidade de testar as capacidades do SOE e Small Scale Raiding Force (SSRF), um grupo de comandos de elite recém-criado.

A ideia era mandar dois grupos para a região: Um disfarçado como comerciantes, outro em um veleiro, o Dama de Honra, todos sob o comando do Major Gus March-Phillipps. Ele e mais cinco homens partiram da Inglaterra em 9 de agosto, o Dama de Honra chegou, sem incidentes à costa ocidental da África 6 semanas depois.

Em Serra Leoa, eles investigaram vários rios da região, mas não encontraram sinal algum de bases nazistas reabastecendo submarinos. Durante essas investigações, eles descobriram que a 30km dali, havia uma presença do Eixo.

Ilha de Fernando Pó (Crédito: Google Earth)

Mais precisamente no porto de Santa Isabel, em Fernando Po, uma ilha de colonização portuguesa, descoberta pelo navegador e obviamente traficante carioca Fernão do Pó, em 1472. Com o tempo a ilha acabou se tornando mais influenciada pela Espanha, e na Segunda Guerra era um daqueles territórios mais ou menos neutros onde agentes e espiões de todos os lados congregam entre si, fingindo que espionam.

O que não é totalmente raro, há um caso na Londres da Guerra Fria onde um agente russo e um inglês receberam a ordem de espionar... um ao outro. Eles eram amigos, então combinavam de sair pra beber e comer, pediam recibos duplos pro táxi, e ganhavam reembolso da mesma viagem.

Já em Santa Isabel, a Inteligência identificou três alvos de interesse: O rebocador de alto mar germânico Likomba, uma barcaça chamada Burindi e um cargueiro italiano de 8500 toneladas, o Duchessa d’Aosta.

O Duchessa era suspeitíssimo, seu manifesto entregue às autoridades portuárias só listava da segunda página em diante, e se recusavam a autorizar inspeções. Era meio que consenso que ele carregava armas e munições.

Duchessa D'Aosta (Crédito: Domínio Público)

Foi planejada uma incursão onde 11 comandos do SSRF, 4 agentes do SOE e 17 operadores locais invadiriam o porto e seqüestrariam os barcos. Exceto que as autoridades britânicas locais se recusaram a participar ou fornecer os 17 homens, dizendo que era uma operação próxima da pirataria.

O Almirantado britânico não estava feliz, era um atentado à neutralidade espanhola. A embaixada britânica em Madrid também ficou absolutamente contra, e eventualmente o plano foi cancelado.

O Ministério das Relações Exteriores fingiu que a ordem para cancelar o plano ficou presa em Curitiba, e deixou a operação rolar, com o “go ahead” dado em 6 de janeiro de 1942.

Um agente do SOE, Richard Lippett, se infiltrou entre a tripulação do Duchessa D’Aosta, aprendendo os hábitos da tripulação, inclusive o detalhe que italianos adoravam festas, e quando os oficiais eram convidados para festas em terra, a tripulação a bordo celebrava também.

Com ajuda de agentes locais, uma grande festa foi anunciada, oficiais alemães e italianos foram convidados. Boa parte das tripulações também se reuniu para beber, cantar e dançar.

Enquanto isso, usando dois rebocadores fornecidos pela Nigéria, os comandos invadiram o porto no mesmo 11 de janeiro. Rapidamente abordaram o Likomba e o Burundi, os poucos tripulantes a bordo foram jogados ao mar.

Outro grupo com 11 homens abordou o Duchessa D’Aosta, fazendo 29 prisioneiros. Mergulhadores instalaram explosivos nas correntes das âncoras dos rebocadores e do cargueiro.

Libertos das âncoras, um dos barcos se encarregou de rebocar o Duchessa para fora do porto, enquanto outro levava o resto dos comandos. Em terra ninguém entendeu nada. Uma bateria antiaérea disparou a esmo achando que estavam sendo bombardeados, mas ninguém foi atingido.

Conforme planejado, a pequena frota seguiu rumo ao Atlântico, até 16 de janeiro, quando foram “interceptados” pela HMS Violet, uma corveta britânica que “por acaso” estava passando por lá. O navio foi confiscado e incorporado ao esforço de guerra.

Churchill ficou exultante com o sucesso da operação, que permaneceu altamente secreta até muito tempo depois. Já os espanhóis subiram nas tamancas, ameaçaram até de entrar na guerra, tendo sua neutralidade ameaçada. Neutralidade em termos, todo mundo sabia para que lado o Franco torcia.

Os alemães disseram que “um destróier inglês” invadiu o porto e lançou cargas de profundidade contra os inocentes navios. Londres, claro, negou qualquer conhecimento.

A Operação Postmaster foi um sucesso absoluto, com zero baixas entre os aliados, todos os objetivos atingidos, e atos de heroísmo como o do recruta Anders Lassen, que recebeu uma promoção de campo e condecoração instantânea por seus feitos em conseguir colocar a Duchessa D’Aosta em funcionamento.

O Filme

O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca começa já no Maid of Honour, com o barco sendo abordado por uma patrulha de um navio da Kriegsmarine. A bordo Gus March-Phillips (Henry Cavill) e Anders Lassen (Alan Ritchson), em uma atitude relaxada e debochada, que só irrita o oficial nazista.

Depois de um pequeno desentendimento, onde todos os nazistas são mortos e o navio dinamitado, vamos a um flashback onde vemos Gus March-Phillips sendo trazido da prisão para ser recrutado para a Operação Postmaster. Ele é recrutado pelo Brigadeiro Colin Gubbins , que todos chamam de “M”, incluindo um jovem oficial presente chamado Ian Flemming. Sim, Guy Ritchie enfiou o criador de James Bond na história. Como Flemming era oficial da inteligência naval na época, até que vai. Ficou legal.

Gus faz um monte de exigências, a única que não conseguem atender é incluir Geoffrey Appleyard (Alex Pettyfer) na equipe, pois ele está preso em uma fortificação nazista nas Ilhas Canárias.

A fortificação nazista nas Ilhas Canárias (Crédito: Lionsgate)

O verdadeiro Appleyard chegou em Fernando Po em agosto de 1941, nunca tendo sido detido pelos nazistas, mas no filme sua prisão rendeu uma deliciosa seqüência onde quatro ou cinco comandos invadem as instalações nazistas absolutamente despreocupados. Eles estão full OP, IDKFA, IDDQD, full God Mode. É uma agradável sucessão de nazistas sendo exterminados das formas mais criativas.

Na ilha, dois agentes, Heron (Babs Olusanmokun, o Dr. M’Benga de Star Trek: Strange New Worlds) e Marjorie Stewart (Eiza González). Eles claramente entraram no filme para esticar um pouco a história, afinal na vida real a Operação Postmaster durou apenas meia-hora.

Heron e Marjorie (Crédito: Lionsgate)

Marjorie tem como missão seduzir, ou pelo menos distrair o malvado e irredimível vilão, o nazista Heinrich Luhr (Til Schweiger). Na realidade as instalações em Fernando Po não estavam sob controle dos nazistas, mas a ficção é mais divertida. E se Luhr não é um Hans Landa, ainda assim é um ótimo vilão.

Com ajuda das autoridades locais, Heron organiza um bailão dos bons, com todo o oficialato da região, deixando os navios desguarnecidos.

Quando os comandos estão prestes a executar o plano para afundar o Duchessa, recebem uma mensagem de rádio de Marjorie revelando que o casco do navio foi reforçado. Como são um grupo de não-conformistas, rebeldes individualistas, eles decidem alterar os planos e roubar o navio ao invés de afundá-lo como no plano original.

Na festa, o Nazistão do Mal começa a desconfiar de Marjorie, até que por um descuido dela, ele percebe que ela é judia. Ele a captura, leva para o porto enquanto inspeciona os danos das explosões e da batalha que se segue.

Só que Marjorie, como toda boa agente do SOE, é uma exímia combatente, especialista em diversos tipos de armamentos, e tem uma pistola Derringer escondida na zona do agrião. Ela rapidamente despacha o nazista, encontra Heron e todos fogem com o Duchessa D’Aora, privando os alemães de 6 meses de suprimentos para seus submarinos.

Eles navegam até encontrar o Violet, são detidos e levados para a Inglaterra. Após um tempo indeterminado de cadeia, todos são trazidos para a presença de Winston Churchill, que revela como a ação foi universalmente condenada, tudo que fizeram foi errado e não autorizado. E que agora eles trabalham para ele.

Rory Kinnear, como Winston Churchill (Crédito: Lionsgate)

É um filme incrivelmente curto de duas horas, tudo acontece muito rápido, há zero gordura e zero ambigüidades. É um filme onde um plano improvável e feito nas coxas dá absolutamente certo, e a única coisa que impede o filme de ser uma mentirada só, é na vida real ter tudo dado certo do mesmo jeito, com menos explosões e nazistas mortos, infelizmente.

Conclusão

O Ministério da Guerra Não-Cavalheiresca é farofa pura, mas farofa histórica, a única coisa que me decepcionou é que eu imaginava um filme longo contando mais aventuras do “Ministério”, mas foi apenas sua missão inicial. São duas horas de nazistas sendo polpificados sem nem um arranhão nos heróis, nem Tarantino foi tão longe.

Cotação

5/5 Suecos

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