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Emulação: Apple TV, a improvável rival do Raspberry Pi

Flexibilização de regras da App Store permitiu que caixinha Apple TV se convertesse em um hub de emulação, fazendo frente ao Raspberry Pi

20/05/2024 às 13:57

O cenário da emulação de retrogames acaba de ganhar um player um tanto inusitado. Desde que a Apple flexibilizou as regras que permitiam a distribuição de apps em suas lojas digitais, graças a uma mãozinha (pesada) da União Europeia (UE), seus gadgets passaram a serem compatíveis com emuladores, distribuídos de forma oficial, e dispensando o jailbreaking.

O Delta (multiplataforma) e o PPSSPP (PSP) foram os primeiros a chegar, e agora o frontend RetroArch acaba de desembarcar no iPhone e iPad, e também na Apple TV, a caixinha de streaming da maçã, que agora passa a ser um hub de emulação viável e flexível, tanto quanto o Raspberry Pi, até então o rei da sala de estar.

Com cada vez mais emuladores chegando aos sistemas da maçã, a caixinha Apple TV vem se tornando um concorrente interessante do Raspberry Pi para rodar retrogames (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Com cada vez mais emuladores chegando aos sistemas da maçã, a caixinha Apple TV vem se tornando um concorrente interessante do Raspberry Pi para rodar retrogames (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Apple TV: streaming, IoT, games, e emulação

Quando introduzido em 2007, Steve Jobs via a Apple TV meramente como um "hobby", uma TV Box barata (na época) para concorrer com a então líder de mercado, a Roku (o Chromecast só surgiria em 2013). O dispositivo foi originalmente pensado como um hub de entretenimento, primariamente para streaming de áudio e vídeo, mas com o tempo, suas funções foram sendo expandidas.

Primeiro, a Apple fez da caixinha um hub para a Internet das Coisas (IoT), ela possui uma série de funções que a permitem controlar e centralizar a operação de diversos dispositivos inteligentes, algo que com o tempo, as TVs também passaram a agregar. Isso se tornou possível graças às atualizações do hardware, em que o dispositivo passou a ser tão poderoso quanto o iPhone e o iPad.

Logo, a Apple percebeu o óbvio: se a Apple TV podia executar quaisquer apps que seus demais produtos tinham disponíveis, por que não games? Assim, a caixinha que roda tvOS passou a receber títulos também lançados para os gadgets móveis, alguns bem pesados, mas infelizmente não todos; isso se deve talvez à restrição de espaço, de até 128 GB na versão atual mais cara, a única com porta Ethernet.

Essa decisão da Apple acabou por fazer se sua TV Box o último microconsole disponível do mercado, mas o foco de games da empresa continuou voltado ao iPhone e iPad. A Apple TV recebe jogos menores ou mais simples, mas mesmo esta limitação não impede do aparelho contar com bons títulos.

Isso é, até a matriz afrouxar as regras de suas App Stores, incluindo uma cláusula específica que permite a submissão oficial de emuladores para todos os seus gadgets. Desenvolvedores rapidamente liberaram versões do Delta e do PPSSPP, ainda que a Apple tenha deixado a entender que algumas restrições ainda se aplicam (mais sobre isso a seguir).

Agora, a brincadeira ficou séria com a chegada do RetroArch, um frontend compatível com diversos núcleos de consoles do passado, dos extremamente populares aos mais obscuros, o que coloca a caixinha da maçã quase parelha com o Raspberry Pi.

RetroArch, agora na sua caixinha Apple TV (Crédito: Reprodução/Apple)

RetroArch, agora na sua caixinha Apple TV (Crédito: Reprodução/Apple)

Não confunda as coisas, o Raspberry Pi ainda é o melhor computador de placa única (SBC) no que diz respeito à emulação de retrogames, e ainda pode ser usado de diversas maneiras que uma Apple TV não dá conta, como um desktop de verdade (com restrições, mas ainda assim).

Por outro lado, uma vez que o usuário saiba como conseguir as ROMs e BIOS dos consoles que deseja emular (Google é seu amigo), a Apple TV é capaz de rodar qualquer game antigo com mais desenvoltura, graças ao hardware superior; o SoC A15 Bionic, o mesmo da linha iPhone 13, presente na geração de 2022 da caixinha, está anos-luz à frente do BCM2712, presente no Raspberry Pi 5.

Os chips da Broadcom, aliás, são fontes de críticas entre a comunidade há anos, que preferem componentes da Rockchip presentes em alguns consoles portáteis fabricados na China, ou em SBCs concorrentes como o Orange Pi; infelizmente, estes possuem bem menos compatibilidade com emuladores, em comparação ao Raspberry Pi.

Agora, os caveats

Do ponto de vista prático, a Apple TV é uma opção muito mais interessante para a emulação de retrogames do que o Raspberry Pi, pelo mesmo motivo que os dispositvos da Apple fazem tanto sucesso: ela apenas funciona. O SBC exige configuração e ajustes finos do sistema operacional, desde reconhecer controles wireless e definir a resolução de saída mais adequada, a refinar o uso dos núcleos dos emuladores e a leitura das ROMs.

A caixinha da maçã depende apenas de instalar os emuladores, transferir os arquivos de BIOS e games de uma fonte que os apps são capazes de reconhecer, parear um controle, e jogar. Para quem tem preguiça ou passou da fase de micreiro, a TV Box é mais simples e direta, no que o Raspberry Pi ainda é um produto que apela mais para fuçadores em geral.

Todavia, não aposente seu Pi ainda, pois há alguns pontos que depõem contra a Apple TV.

O Raspberry Pi continua sendo mais versátil que a Apple TV. E mais barato (Crédito: Ayush Pande/XDA Developers) / emulação

O Raspberry Pi continua sendo mais versátil que a Apple TV. E mais barato (Crédito: Ayush Pande/XDA Developers)

O primeiro e mais crítico é também o mais óbvio, o preço. O modelo mais em conta da geração atual da Apple TV 4K, lançada em 2022, tem preço oficial de R$ 1.499, enquanto a mais cara custa salgados R$ 1.699, bastante puxado para um produto que é primariamente uma caixa de streaming.

A título de comparação, a versão homologada para o Brasil do Raspberry Pi 5, na sua configuração mais potente, com 8 GB de RAM, sai por R$ 891 a vista no Pix, mas este depende de uma fonte de alimentação específica de 27 W (R$ 120), diferente do 4 que se virava com 15 W, no que qualquer uma de smartphone servia.

O segundo é o armazenamento. O modelo da Apple TV menos caro possui apenas 64 GB de espaço interno, e o de ponta 128 GB e um bônus, porta Ethernet, enquanto o Raspberry Pi 5 vai ter tanto espaço para o SO quanto você quiser gastar em um cartão microSD, sem contar que você também pode manter os jogos em uma unidade externa, conectada via porta USB.

Terceiro, e este é importante, a Apple TV não é capaz de fazer compilação de código Just-in-Time (JIT), ou seja, compilar durante o tempo de execução, essencial para renderizar gráficos em 3D em consoles mais modernos. Embora tecnicamente a caixinha suporte emular o PSOne, o PSP e até se arrisque com o PS2, plataformas como o Switch são outra história.

Se a Apple for esperta (e geralmente é), a Apple TV deve receber mais atenção no que tange à emulação e retrogaming (Crédito: Jason Cipriani/CNN)

Se a Apple for esperta (e geralmente é), a Apple TV deve receber mais atenção no que tange à emulação e retrogaming (Crédito: Jason Cipriani/CNN)

Ao mesmo tempo, vale lembrar que os Termos de Serviço da Apple deixam pontas soltas sobre o que pode ser executado, em tese, plataformas mais recentes não são bem-vindas, até porque não é de interesse da maçã atrair a ira da Nintendo.

Por fim, a versatilidade. Uma Apple TV pode ser hoje uma máquina muito interessante para emulação, mas fora jogos, streaming e IoT, ela não pode fazer muito mais. Um Raspberry Pi, por outro lado, pode ser usado para assistir filmes e séries em 4K, graças à compatibilidade com o Kodi, que ainda vive, e em funções mais avançadas como filtro anti-anúncios, servidor de arquivos torrent, e até astrofotografia.

Na minha opinião, usar a Apple TV como uma máquina de emulação é uma opção interessante para quem já possui uma na sala, mas eu não indicaria a compra agora para quem não tem uma, e definitivamente não o faria para quem já possui um Raspberry Pi.

Porém, quanto mais emuladores chegarem ao tvOS, e na possibilidade da Apple rever os preços de sua caixinha para valores mais camaradas, talvez vejamos surgir um concorrente de peso para a Raspberry Pi Foundation, o que é bom para todos, pois estimula a competição.

Fonte: Ars Technica

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