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Sand Land — A viagem de Beelzebub

Com um protagonista fascinante, uma história que serve como crítica à sociedade e boa jogabilidade, Sand Land é uma bela despedida a Akira Toriyama

24/04/2024 às 12:01

A primeira vez que ouvi falar em Sand Lands, já como um jogo, confesso que aquilo que chamou minha atenção inicialmente foi seu visual. Era fácil perceber se tratar de um trabalho do mestre Akira Toriyama, o que foi suficiente para me fazer querer saber mais sobre aquele título desenvolvido pela ILCA, Inc. e publicado pela Bandai Namco.

Sand Land

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

Embora o jogo tenha contado com a supervisão Toriyama, fazendo dele um dos últimos projetos em que o artista esteve envolvido, ele não é um material inédito. Sand Land nasceu lá no ano 2000, com o lançamento de um mangá escrito e desenhado pelo japonês e permaneceu desconhecido de boa parte do público ocidental até março deste ano, quando um anime foi lançado pouco depois da morte do seu criador.

Em Sand Land o mundo foi devastado por desastres naturais e guerras, o que levou ao quase total desaparecimento da água. Contudo, apesar de a população padecer com a falta do recurso, o Rei segue sua vida como se nada tivesse acontecido, esbanjando e usando o exército para garantir que nunca lhe falta uma gota do líquido tão precioso.

Com um cenário como esse, as pessoas têm feito o que se espera em situações caóticas, que é usar a força para tirar dos mais fracos a água para sua sobrevivência. E será neste contexto que conheceremos o protagonista da história, Beelzebub. Também conhecido como Príncipe dos Demônios e filho de Lúcifer, o garoto aproveita sua influência para se manter hidratado, roubando dos bandidos a água que abastece sua comunidade.

E Beelzebub tem sido bem-sucedido em sua atribuição, a ponto de a prosperidade do lar dos demônios ter chamado a atenção de um sujeito chamado Rao. Após estudar o lugar por um tempo, o homem se apresenta ao menino como xerife e diz que tem uma proposta a fazer. Acreditando saber onde se encontra um lago lendário, ele pede ajuda aos demônios para chegar ao lugar, com a promessa de que compartilhará com todos aquela praticamente inesgotável fonte de água.

Sand Land

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

Assim começa a jornada de Beelzebub, seu companheiro Thief e Rao, mas o que eles não poderiam imaginar era que, logo nos primeiros minutos, o carro em que viajavam quebraria. Como prosseguir a pé estava fora de cogitação, o trio decide tentar algo que mudaria seu destino para sempre: roubar um tanque do exército.

Sem querer entrar em detalhes aqui para não estragar a surpresa de quem não conhece a história de Sand Land, me limito a dizer que a missão nos colocará no caminho de uma pessoa muito importante e que a incursão despertará a atenção não só do Rei, mas de outra figura que se mostrará muito poderosa na trama.

Também preciso falar sobre um elemento fundamental para o jogo, que são os veículos. Divididos em categorias, teremos o próprio tanque, ideal para combate, mas com uma locomoção mais lenta; a motocicleta, não recomendada para batalhas, mas extremamente rápida; um mech que pode saltar e outro capaz de mover objetos pesados; um hover, que consegue chegar a terrenos que antes pareciam intransponíveis e um carro comum, ideal para longas viagens.

Podendo alternar entre eles a quase todo momento, os veículos estão no centro da jogabilidade e até o ato de os obtermos influenciará diretamente na experiência. Isso porque, para que uma pessoa consiga criar um desses veículos, será preciso lhe dar uma parte central e um diagrama, além de peças que construiremos com itens coletados durante a exploração.

Já depois de colocarmos as mãos nessas máquinas, será possível fazer diversas modificações, das armas e motor, até partes que tornarão o veículo mais rápido ou resistentes. Também poderemos alterar a cor dos equipamentos, mas isso só após uma loja de pintura ser desbloqueada. Aliás, a melhoria na cidade que faremos como base, Spino, é outro elemento importante de Sand Land, já que isso acontecerá conforme convencermos as pessoas a se mudarem para o até então moribundo vilarejo.

Sand Land

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

E aí entramos em outro ponto positivo do jogo, a construção dos seus personagens. Muitas das pessoas que conhecemos em nossas andanças são interessantes, mostrando a dificuldade em habitar um lugar basicamente formado por areia e tendo que se submeter a um regime autoritário.

Embora não se esquive de nos colocar em situações bem-humoradas, como nos encontros com a gangue conhecida como Swimmers, não são raras as vezes em que Sand Land faz questão de servir como uma crítica ao lado de cá, ao mundo em que vivemos, mesmo que isso quase sempre aconteça de forma mais sútil. No jogo temos um rei que lucra vendendo de forma superfaturadas as garrafas de água, um general que, mesmo perto do fim da vida, controla o povo com mãos de ferro e bem… um Lúcifer que não parece tão preocupado em fazer o mal, talvez por saber que os humanos já se encarregaram disso.

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

Contudo, nenhum personagem é tão fascinante quanto o protagonista. Como uma típica criança que está tentando entender seu lugar no mundo, Beelzebub há todo momento faz algum comentário inocente ou demonstra sua insatisfação ao ser contrariado. Ver a maneira infantil como ele se comporta foi uma das coisas que mais me encantou em Sand Land, com seus trejeitos sendo típicos de qualquer pré-adolescente.

Embora o moleque se veja como um assustador demônio, sempre querendo que as pessoas o temam e que fica muito irritado quando alguém o agradecer, afinal, ele fez uma boa ação, esse conflito interno apresentado pelo Príncipe dos Demônios torna a história mais leve e conseguiu me fazer esboçar alguns sorrisos enquanto jogava. Ele precisa até da aprovação do pai para embarcar na aventura!

Além disso, o menino nunca esconde sua paixão pelos videogames, se deslumbra com os veículos que pode pilotar e vez ou outra travará discussões com seu amigo Thief sobre quem deveria estar no volante. Por sinal, esses diálogos durante as viagens é um dos pontos que me incomodou no jogo, pois falta variedade e muitas vezes veremos os personagens repetirem insistentemente as mesmas conversas.

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

Já na parte dos combates, que acontecem sempre em tempo real, o trabalho realizado pela ILCA é sólido, mas um tanto comedido. Quando estivermos a pé, Beelzebub poderá desferir golpes fracos e forte em combos não muito complexos, assim como saltar e realizar um especial. Além disso, nossos companheiros participarão através de habilidades passivas ou após acionarmos ataques definidos para um determinado botão e que só estarão disponíveis novamente após um certo tempo.

Tudo isso será desbloqueado em uma típica árvore de habilidades, conforme evoluirmos com o ganho de experiência. É um sistema que se tornou padrão em RPGs e que não deverá ser visto como algo negativo por quem está habituado ao gênero — mas que também não traz nenhuma inovação.

O diferencial em Sand Land está mesmo nas batalhas travadas quando estivermos a bordo dos veículos. Como eles se comportam de maneiras bastante distintas e podem ser alterados mesmo durante os combates, o jogador será capaz de escolher aquele que mais se adequa ao seu estilo e aos próprios inimigos. Porém, quase sempre recorreremos ao tanque para esses confrontos e o que ajuda a garantir alguma variedade são os armamentos e melhorias que podemos equipar no blindado.

Outro ponto do qual alguns podem reclamar quanto a falta de variedade são os cenários. Por se tratar de um mundo tão devastado pela seca, não espere lugares muito diferentes de um enorme deserto. No entanto, isso não quer dizer que não existam pontos de referências fáceis de serem identificados, como uma bela cachoeira de areia, uma enorme aeronave derrubada na época da guerra, ou os vilarejos e bases que encontraremos pelo caminho, além de uma floresta criada originalmente para o anime.

Esse não foi um problema que me incomodou, mesmo porque, a parte visual de Sand Land é muito bonita. Elogiar o traço de Toriyama é algo que nem precisa ser feito, então voltarei falarei sobre o trabalho feito pelos artistas da ILCA, que usando a Unreal Engine 5, conseguiram entregar um jogo que passa a nítida sensação de estarmos assistindo um desenho animado japonês.

Crédito: Divulgação/ILCA/Bandai Namco

Para mim, Sand Land acabou se mostrando uma grata surpresa, um jogo que me conquistou por entregar uma história cativante, personagens muito bacanas e uma jogabilidade que, apesar de um tanto simples e sem muito desafio, em momento algum atrapalha ou se mostrou entediante.

Sand Land não é o tipo de jogo que revolucionará a indústria, sua história não será lembrada por uma narrativa brilhante, nem seus gráficos serão premiados como os mais bonitos do meio. Mesmo assim, considero ele uma boa despedida para Akira Toriyama e assumir o papel de Beelzebub me prendeu muito mais do que achava que seria possível.

Quando comecei a jogá-lo, não pensei que isso poderia acontecer, mas agora só quero começar a assistir seu anime. Para alguém que até hoje só se interessou por um ou outro desses desenhos, acho que posso dizer que o jogo ter me levado para esse caminho é um feito em tanto.

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