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Sobre melhores amigos, a vida e videogames

Quando videogame é o fator de presente, passado e futuro, você percebe quão importante isso pode ser em nossas vidas.

9 anos e meio atrás

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Por algum tempo eu relutei em escrever sobre isso, mas meus amigos Ronaldo Gogoni e Dori Prata insistiram para que eu publicasse essa história, então aqui vai.

Por volta de 1999, eu morava no litoral sul de São Paulo. Certamente não me encaixava naquele lugar. Não que a cidade fosse ruim, apenas não era um lugar pra mim.

Conheci o Guilhermo quando eu tinha 17 anos. Ele tinha 16.

Ele era um cara recluso, também se incomodava com essa realidade litorânea e preferia ficar em seu quarto jogando, lendo quadrinhos e ouvindo bandas que eu ouço até hoje.

Sobre melhores amigos...

Imediatamente viramos grandes amigos. Passamos a andar juntos, fazer música juntos e claro, jogar videogame. Ele tinha um Nintendo 64 e a gente adorava jogar GoldenEye 007.

Certa vez ele me contou que iria viajar, coisa rápida. Depois de muita conversa consegui convencê-lo de me emprestar o 64 durante esses dias.

Como Guilhermo já tinha fechado o single player do 007 milhares de vezes, pedi pra ele anotar algumas dicas e macetes que lembrava de cabeça. Modo invencível, acesso a todas as armas, o que fazer para habilitar determinado cenário, coisas assim.

Ele escreveu o que lembrou, botou no meio do manual do jogo e me entregou tudo dentro de uma sacola antes de viajar.

Levei pra casa, todo feliz. Joguei muito, usei os cheats, passei várias fases, mas a verdade é que eu não consegui terminar o jogo. Daqui a pouco a gente volta a falar disso.

Hora de devolver o videogame para o Guilhermo. Fui até a casa dele, que me contou como tinha sido a viagem, e rimos muito com coisas que aconteceram por lá.

E jogamos, evidentemente, pois ninguém é de ferro.

Sobre a vida...

Depois de algum tempo eu me mudei de cidade. Ele também, mas nunca perdemos completamente o contato. Vocês sabem como isso funciona. Novos amigos, cada um saindo pra lugares diferentes, mas tentando se ver sempre que dava.

Em um feriado prolongado, tínhamos marcado de nos encontrar, mas ele não apareceu. Tentei contato, mas o cara não ficava online no MSN, nem respondia os emails. Em uma época na qual celulares ainda não eram disseminados como hoje, encontrar alguém assim não era nada fácil.

Somente depois de 3 dias recebemos notícias, através da família. O Guilhermo estava voltando pra casa com amigos, quando o rapaz que estava ao volante perdeu o controle e bateu o carro. De alguma forma, ele foi arremessado pra fora do veículo.

Descobrimos onde ele estava hospitalizado e os médicos concluíram que ele tinha sofrido múltiplas fraturas. Nos disseram que não seria possível uma visita naquele momento.

No outro dia, estávamos nos preparando para ir ao hospital quando recebemos a notícia que nós mais temíamos: o Guilhermo de fato tinha falecido. 21 anos. Ele só tinha 21 anos...

Eu chorei muito, foi como perder um pedaço de mim. Ele fez parte essencial da vida de muitas pessoas ao meu redor. Da minha vida. Me senti sem chão mesmo. A presença da morte é cruel e inexplicável em palavras.

Sobre videogames...

Anos depois, vida que segue, estou morando em um lugar completamente diferente.

Numa luta pra montar uma coleção de consoles antigos, finalmente consegui um Nintendo 64. Yay!

Te dou uma Golden Gun se você adivinhar qual foi um dos primeiros jogos que eu quis terminar.

Claro! Peguei o cartucho do GoldenEye 007, dei uma assoprada e, com aquela poeira que volta em direção ao nosso rosto, veio também a ideia de vascular uma pasta com revistas antigas de videogame.

Ao abrir esse portal de ácaros e publicações carcomidas dos anos 90, descobri que o manual do jogo do Guilhermo tinha ficado comigo, dentro da pasta.

Peguei o manual com tensão semelhante à do Indiana Jones quando ele estava vendo a Arca Perdida ser aberta.

Dentro do manual eu encontrei a folha, agora amarelada, com todas as dicas que o Guilhermo escreveu pra mim.

Lembrei imediatamente de todas as tardes que jogamos juntos, de todas as músicas que fizemos, do seu senso de humor único, das nossas viagens e das coisas que ele gostaria de ter feito.

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Hoje, com lágrimas lavando o joystick, volto a jogar Nintendo 64 com você. Com suas palavras ao meu lado, como se você ainda estivesse aqui.

Mesmo hoje, 10 anos depois que você se foi, tenho 32 anos, e ainda sinto saudade de você, meu irmão. E você deu um jeito de continuar presente.

Foi muito difícil terminar este texto, mas ainda assim, valeu a pena.

Até mais, e obrigado pelos peixes!

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