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“Ainda Que eu voe pelo Vale Da morte”

Desde 1976 o Blackbird SR-71 ainda detém o recorde de velocidade para aeronaves de motor convencional, não-foguete: 3.529,6 km/h em vôo sustentado. Como seria em outras áreas se a tecnologia pudesse se manter por tanto tempo?

14 anos atrás

não temerei mal nenhum pois estou a 80 mil pés e subindo”

piloto anônimo de SR-71 Blackbird

blackbird

O SR-71 Blackbird é um daqueles raros casos onde a gente acha que os EUA realmente tiveram acesso a tecnologia extra-terrestre. É como se todos os conceitos revolucionários fossem inventados ao mesmo tempo no mesmo lugar, e aplicados no avião.

Como em vôo supersônico o avião atingia temperatura de mais de 300 graus Celsius, a estrutura foi planejada para acomodar a dilatação. O Blackbird crescia várias polegadas em vôo. No chão ele vazava combustível das juntas. Sim, foi planejado. O combustível também era especial, não só projetado para ter alto ponto de ignição como para ter alta viscosidade. Com isso era utilizado como líquido refrigerante E fluído hidráulico, antes de chegar nos motores.

As duas turbinas aceleravam o Blackbird até Mach 3,5. Em um vôo fizeram Nova York — Londres em 1 h 54 min. O Concorde levava 2 h 52 min. Ele chegou a uma altitude de 85.069 pés, em vôo de cruzeiro. O limite oficial do Espaço é de 100 mil pés.

As instruções de combate para caso ele fosse alvo de misseis inimigos eram: “acelere”. O recorde de velocidade para aeronaves de motor convencional, não-foguete é dele: 3.529,6 km/h em vôo sustentado. Aqui entra o problema:

O Blackbird é fruto da mais alta tecnologia dos anos 1960. Seu primeiro vôo foi em 1964. O recorde de velocidade citado é de 1976.

Vou expllicar com todas as letras: o avião mais avançado e mais rápido do mundo voou pela primeira vez 47 anos atrás. O recorde de velocidade tem 35 anos.

Lembram do post sobre o computador do projeto Apollo? Perceba que o Blackbird é anterior àquela tecnologia. O caso é quase único, talvez por isso interessante. Imagine o equivalente na nossa tecnologia do dia-a-dia. Imagine que a Apple lance um celular que em 47 anos ninguém consiga superar, que não tenha concorrentes mais rápidos, com mais recursos. Nem dá pra conceber, né?

Pense nos carros. EM 1964 estávamos dirigindo verdadeiras carroças, hoje carros têm mais eletrônica embarcada que aviões de caça. É ABS, controle de tração, sensores de pista, software que detecta quando você VAI perder o controle e reage evitando… até um Palio com acelerador DBW detecta que o motor vai morrer e força a aceleração sem que você pise mais fundo (aconteceu comigo, me senti no KITT).

Televisão. Eu lembro que um amigo rico da família tinha uma TV com controle remoto, no final dos anos 70. Era muito chique, uma caixa com 4 botões, usando ultrassom que quando acionada aumentava ou abaixava o volume e girava o seletor de canais. Hoje as TVs Full HD já estão ultrapassadas, ao menos nos laboratórios.

ctc_vieira_1964

Essa era a tecnologia nas ruas em 1964.

Saúde. A medicina dos anos 60 era medieval, usavam sanguessugas, sangria e cristais, eu acho. Hoje temos no dia-a-dia exames que pareciam ficção científica, terapia genética e remédios que seriam pura mágica nos anos 60, como Viagra (ok, seria mais útil nos anos 70).

Computadores. Bem, o post da Apollo diz tudo sobre o estado dos computadores nos anos 60/70.

Qual o segredo do Blackbird ser tão avançado? Simples, necessidade. Satélites espiões eram muito pouco práticos, tiravam fotos com filme, passavam um mês em órbita, voltavam, eram recuperados, o filme revelado e só então se descobria o segredo do inimigo. Inútil para uma situação que exigisse agilidade. Aviões Espiões eram a resposta, mas os russos derrubariam tudo que voasse sobre seu território.

A meta de um avião superior a tudo que os russos tinham era completamente impossível de ser atingida, mas isso não impediu Kelly Johnson e sua turma da Lockheed de seguir adiante e projetar o avião mesmo assim, atingindo as especificações.

Os limites aerodinâmicos foram atingidos para aquela combinação de altitude e velocidade. É possível criar uma aeronave melhor, mas a tecnologia para isso ainda não existe. Com um esforço ela pode ser inventada, mas 47 anos de desenvolvimento aeronáutico normal não foram suficientes.

A questão é: áreas onde não temos controle, como Defesa conseguem esses avanços — Projeto Manhattan é outro exemplo — em um tempo ridiculamente pequeno. O resto da tecnologia do dia-a-dia vive de avanços lentos e graduais. Isso é justo? Nossa tecnologia de baterias rasteja, é um absurdo você sair de casa com um smartphone sabendo que antes do final do dia ele estará sem carga. Todos os avanços na área são irrelevantes, prometem aumentos de 5%, 3% na autonomia.

Será que nenhum outro ramo tem interesse em desenvolver pesquisas para resolução de problemas com soluções realmente ousadas? Falam o tempo todo que Inteligência Artificial real é ou impossível ou coisa de 20 anos, mas pense nas vantagens se for viável. Não valeria o investimento em um esforço para concretizar em 3 anos?

Se por um lado as indústrias querem sempre vender produtos novos, por isso preferem melhorias graduais (como a câmera do iPhone) pense na amortização de um produto que é basicamente o mesmo por 47 anos. Um comercial famoso dos anos 70 mostrava o novo fusca, onde mudaram a maçaneta, só pra dizer que algo foi mudado, pois o Fusca “era perfeito”. Até era, pra época. Se uma montadora consegue um equivalente ao SR-71 faturará horrores, só precisará de mudanças estéticas mínimas por décadas. Amortização total da verba de Pesquisa e Desenvolvimento.

Mesmo assim, isso não acontece. Será que avanços assim não são possíveis em todas as áreas afinal?

Não sei a resposta, mas sinto que estamos desperdiçando nosso potencial, ao não tentarmos.

PS: eu amo a internet. O MANUAL DE VÔO do SR-71 está disponível para consulta. Décadas atrás os russos matariam pra ter acesso a esse material.

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