Ronaldo Gogoni 7 anos e meio atrás
O Irã pode ser um dos integrantes do Eixo do Mal, uma nação retrógrada à mercê de um governo teocrático que é inimigo de tudo o que consideramos minimamente trivial por aqui, como liberdade para consumir o que quiser ou mesmo para usar o cabelo como desejar (os homens precisam seguir um guia de cortes permitidos; já as mulheres, mesmo as turistas estrangeiras são obrigadas a usar o véu), mas isso não quer dizer que toda a população pensa assim.
Antes da Revolução Islâmica o Irã era uma das nações mais ricas e progressistas do Oriente Médio, e muito do espírito daquela geração foi herdado pela atual. E geral boa parte dos iranianos não são fundamentalistas islâmicos, alguns nem ligam muito para a religião mas como a Xaria é a lei vigente, são obrigados a engoli-la.
Uma das coisas normais por lá que parece ter saído de 1984 é a chamada Gasht-e Ershad, a Polícia da Moral do país. O órgão é um braço do Ministério da Cultura e Orientação Islâmica do Irã, o responsável por restringir qualquer tipo de mídia ou material não aprovado pelo governo e de exportar a “Revolução”. A tal polícia atua em patrulhas compostas por homens e mulheres e detém qualquer um que se comporte de modo não alinhado com as diretrizes do islã, como comportamento não apropriado (como fumo, que é banido no Irã) ou uso de roupas e cabelos inadequados.
As mulheres são o principal alvo, principalmente as que preferem um uso mais displicente do hijab (o véu) exibindo seus cabelos, algo que é uma afronta no país e não adotam o xador (aquela túnica preta que só deixa o rosto de fora), cujo uso é encorajado pela Xaria. No geral as guidelines de vestimenta iranianas são extremamente retrógradas e os jovens peitam as autoridades o tempo todo. O Ershad tem autoridade para deter os infratores e levá-los a postos de correção, onde passam por sessões de aconselhamento para se comportarem. No início do governo islâmico não era incomum o uso de força (sim, tortura) para promover as morais definidas por lei.
Só que a geração da Primavera Árabe é transgressora por natureza, e também muito criativa. Por isso desenvolvedores locais bolaram um app para Android que se tornou uma sensação nos últimos dias: o Gershad.
http://www.youtube.com/watch?v=HlO1VnykBBE
O funcionamento é simples, ele age como o Waze marcando os lugares em diversas cidades do Irã onde postos de patrulha da Gasht-e Ershad estão de olho nos trangressões do Islã, e recomenda rotas alternativas para que seus usuários evitem dores de cabeça. Obviamente o app virou uma sensação, viralizou rapidamente e o uso foi tão massivo que os servidores dedicados ficaram congestionados, para desespero (e felicidade) do pequeno time de programadores responsáveis pelo app.
Só que como era de se esperar, o Gershad foi bloqueado cerca de 24 horas após entrar no ar pelas autoridades islâmicas. Agora os desenvolvedores trabalham para colocar o app de volta no ar, e mesmo que o Google acabe por chutá-lo da Play Store por exigência do governo iraniano (o que não é difícil de acontecer, eu diria ser uma questão de tempo já que como em qualquer empresa, é preciso fazer dinheiro) não é nada do outro mundo instalar um APK de fora.
Assim, ponto para os devs do Gershad, e torçamos para que ele volte a funcionar logo. Quanto à Polícia da Moral iraniana…
Fonte: Gershad.