Carlos Cardoso 7 anos e meio atrás
Ontem (08/09) um Boeing 777-236(ER) de matrícula G-VIIO da British Airways, decolando de Las Vegas (LAS) pegou fogo na pista. Em segundos o Twitter implodiu com fotos e vídeos, demonstrando mais uma vez a assustadora agilidade das redes sociais, bem como sua falta de confiabilidade.
Havia gente dizendo até que o avião havia explodido. O que se via nos vídeos era um Inferno Perto da Torre, uma enorme coluna de fumaça negra engolfando o avião. Como alguém sobreviveria a isso?
Folgo em reportar que entre mortos e feridos salvaram-se todos. Feridos aliás, só dois, levemente. Todo mundo saiu andando. Ok, correndo.
A resolução extremamente positiva desse acidente não teve nada a ver com sorte, nem foi intervenção divina. Assim como Sully, o piloto estava ocupado demais pra rezar. Ainda bem, aliás. O que salvou todo mundo foi uma conjunção de fatores: excelente treinamento dos pilotos e da tripulação de cabine, manutenção em dia que garantiu que o equipamento de emergência funcionasse como deveria e um monte de engenheiros neuróticos com segurança pensando em todas as contingências.
O Que Aconteceu?
Normalmente a gente espera o avião esfriar antes de especular, mas dessa vez a British Airways emitiu um comunicado explicando que uma situação de fogo no motor esquerdo quando a aeronave ainda estava em velocidade pré-V1.
Essa nomenclatura é simples: V1 é a velocidade máxima na qual uma decolagem pode ser abortada. Se você tiver algum problema acima de V1, o procedimento é acelerar até atingir V2, que é a velocidade mínima de decolagem com somente um motor. Sim, bimotores têm essa capacidade.
Como o Boeing 777 estava em pré-V1 e um alerta de fogo no motor foi detectado, o piloto acionou o reverso, os spoilers, para quebrar a sustentação gerada pelas asas e pisou nos freios. Aí quem se achou espertão demais pra apertar o cinco de segurança descobriu o quão rápido 250 toneladas conseguem parar.
O procedimento é basicamente este:
A diferença é que na vida real você tem que se preocupar com a propulsão assimétrica, com só um motor funcionando e com a falta de controle de leme, dada a baixa velocidade. E com os freios. Eles aliás fazem o trabalho pesado.
Quando o piloto decidiu abortar a decolagem e acionou os freios em modo de emergência a prioridade era parar o avião, não importando danos no mecanismo. Um sinal do computador de bordo foi enviado para os microcontroladores Motorolla 58333 do sistema de freios. Um software escrito em ADA assumiu o controle e aplicou a força máxima possível, levando em conta uma série de variáveis para que a aeronave parasse no menor espaço possível, sem que o freio travasse ou os pneus explodissem.
A energia cinética de 250 toneladas a 283 km/h foi praticamente toda transferida para os freios de carbono, mas isso era esperado. E testado. Veja o teste de uma parada de emergência de um 777:
ROGELIO GARCIA AGUIRRE — boeing 777 brake test (RTO)Os freios ficam incandescentes, atingindo mais de 3.000 graus celsius. Os pneus você acha que estão explodindo,mas alguém muito mais inteligente que nós dois juntos sabia que não teria como contem o calor do freio, então instalaram plugs nos pneus que são ejetados, esvaziando de forma controlada.
No caso do BA2270 o motor direito ainda estava funcionando em capacidade reduzida, quando a aeronave parou e os pneus pegaram fogo, por isso temos fumaça dos dois lados, com mais intensidade do lado esquerdo. Veja como ficou a fuselagem:
Esse avião estava lotado de combustível, prestes a decolar de Las Vegas para Londres. Agora ouça a calma dos pilotos se comunicando com a Torre:
O piloto avisa da parada de emergência, solicita bombeiros e dá início ao procedimento de evacuação, alertando os comissários. As portas 3 e 5, sobre a asa esquerda não foram abertas. 30 segundos após o último comunicado o piloto avisou que estavam evacuando.
Neste vídeo você você ver o motor direito ainda funcionando, o acionamento dos escorregadores e todo mundo saindo na frente pelo lado direito da aeronave, oposto ao fogo, e por trás por ambos os lados.
Aqui já com os passageiros fora uma comissária coordena para que não de desgarrem.
O mais divertido desse é um sujeito ao fundo falando que “teve uma premonição”. Claro, floquinho, claro. Eu também, toda vez.
Os bombeiros chegaram em minutos, bem antes do tempo máximo de 5 minutos que aliás é o que os pneus do 777 devem aguentar antes dos plugs os esvaziarem e eles pegarem fogo. Equipes que às vezes passam uma careira inteira sem um acidente de verdade não folgam em seu treinamento, justamente para isso. Comissários e Comissárias idem, controlando os passageiros mesmo com o fogo derretendo algumas janelas.
O primeiro aviso de perigo foi dado às 16:13. Às 16:18 o fogo estava apagado e os 159 passageiros evacuados em segurança. Um tributo ao treinamento e aos procedimentos, mostrando que calma e pensamento racional fazem toda a diferença em uma situação de emergência, mesmo quando além de tudo você tem que lidar com os filhos da puta que ao invés de sair do avião pararam para pegar as bagagens nos compartimentos acima dos assentos.
Veja tudo, da chegada dos bombeiros ao fim do incêndio:
Jck Mídia — Fire Plane British Airways #2276 - Las vegas