Carlos Cardoso 8 anos atrás
Houve um tempo em que ficção científica se referia a acontecimentos muito distantes, no futuro (Star Trek) ou no passado (Star Wars) ou mais no futuro do passado (2001 — Uma Odisséia no Espaço ). Em comum o fato de ninguém imaginar aquilo como viável em um futuro próximo. De um lado é bom, não tínhamos que nos preocupar com malditos macacos sujos. Por outro lado, nada de phasers, sabres de luz e naves espaciais.
Também nada de armaduras e nada de mãos do Luke, nem nada de homens (ou cachorros) de seis milhões de dólares. Hoje vemos nos filmes cenas que são visões de um futuro próximo e provável (e nem falo de Mad Max). Uma das mais emocionantes foi na divisão de próteses cibernéticas da OCP, no RoboCop do Padilha. É raro ver ciência tão bem representada em ficção científica, assista:
Virtuose Escola de Música — RoboCop 2014 - Guitar Scene - Aranjuez
Esse tipo de tecnologia está sendo desenvolvida por muita gente, mas de longe a DARPA é a mais avançada. Também, com verbas do Departamento de Defesa dos EUA, é tranquilo pesquisar, e eles vão da Bomba Gay a projetos como a Reliable Neural-Interface Technology (RE-NET).
O projeto, que pretende no futuro produzir próteses para soldados mutilados no cumprimento do dever (e pra todo mundo, claro) está focando na interface homem-máquina, literalmente. Decodificar os sinais do cérebro e traduzir as intenções de movimento para que sejam entendidas por membros mecânicos é o grande desafio. Há várias abordagens. Uma utiliza sensores que lêem sinais elétricos dos nervos que antes controlavam os membros, e que são movidos cirurgicamente para a região do tórax, como este sujeito aqui:
JHU Applied Physics Laboratory — Amputee Makes History with APL’s Modular Prosthetic Limb
Outra técnica, desenvolvida pela equipe do Miguel Nicolelis, utiliza sensores de EEG, medindo ondas cerebrais. É bem mais complexo mas permite muito mais flexibilidade.
A terceira técnica é o implante direto de eletrodos no córtex motor do paciente. No caso Jan Scheuermann, tetraplégica, 52 anos que se voluntariou (claro, não estamos em 1936) para a pesquisa.
Um chip de 4 × 4 mm, contendo 96 eletrodos foi implantado em seu córtex motor esquerdo. O sistema foi calibrado exibindo imagens de membros em movimento e pedindo para a paciente imaginar estar fazendo aqueles gestos.
Em 2012 Jan recebeu o primeiro implante, com computadores auxiliando a movimentação dos membros. No final do projeto ela estava usando sensores mais avançados, capazes de detectar movimentação detalhada até para as mãos, e já estava tão boa no uso do braço que não precisava do auxílio do computador.
Veja o braço robótico, operado diretamente pelo cérebro de Jan, com 10 graus de movimentação espacial.
A movimentação é completamente diferente de um braço robótico tradicional. As micro-hesitações e outros movimentos aleatórios estão todos lá.
Aqui uma reportagem mais completa, mostrando Jen usando e falando sobre a tecnologia. O mais legal é ela dizendo que no começo pensava “esquerda, direita, sobe” mas depois parou de racionalizar cada movimento, da mesma forma que um membro normal, ela pensa no que quer fazer e o braço faz.
Jan hoje não usa mais o braço. Os eletrodos foram removidos. O cérebro humano não gosta de coisas espetadas (zumbis que o digam) e um buraco passando cabos e conectores é um convite às infecções. Jan sabe que seu trabalho beneficiará futuras gerações.
Se ISSO não é um exemplo de desprendimento eu não sei mais o que é. Jan não só arriscou sua vida em uma cirurgia experimental, como o fez sabendo que iria provar um pouco de liberdade e autonomia, somente para ter isso tirado de suas mãos, metaforicamente falando.
Graças a gente como Jan o vídeo do RoboCop de um sonho impossível se torna uma questão de tempo. As décadas até uma versão comercial de um exoesqueleto desses diminuem a passos vistos. Jan tem 52 anos e é bem saudável fora a tetraplegia. Não me espantaria se ela comemorasse seu aniversário de 80 anos dançando.
Fonte: EG. Mais detalhes no paper publicado aqui.