Ronaldo Gogoni 10 anos e meio atrás
Na última semana estive na Campus Party, principalmente para acompanhar as palestras do palco principal. Desde a de Buzz Aldrin, que foi o maior motivo para eu comparecer à feira, passando por Marc Prensky e Nolan Bushnell, posso dizer que fui surpreendido pela apresentação de Don Tapscott.
Bastou menos de uma hora para o escritor deixar claro que todos nós, sem exceção, somos parte importante na resolução dos problemas do mundo. O modelo de governo criado no fim da Segunda Grande Guerra, onde apenas os representantes das nações tem voz, não o indivíduo, não mais funciona. No atual formato, não importa o que façamos, a curto prazo as pessoas no mundo todo vão sofrer.
EDIT: recomendo a todos, vejam a palestra completa.
É preciso mudar a forma de agir, e para isso nós, enquanto indivíduos devemos tomar nosso lugar como um dos pilares da Rede de Mudança Global. A pergunta é: como?
Tapscott mencionou vários projetos pequenos de organizações independentes que estão fazendo sua parte, e me lembrei de dois casos não mencionados que me chamaram a atenção tempos atrás, coincidentemente, ambos atuantes principalmente na África.
A África não é um lugar legal. Não só pelo índice de pobreza extrema, níveis de Aids estratosféricos e guerras civis intermináveis, mas também por não haver uma organização decente para levar cultura à população e, por conta disso, as pessoas de lá ainda não saíram da Idade do Bronze, pois só isso explica o nível de crendice e ignorância que, por exemplo, mata albinos para fazer poções. E eu não estou brincando.
Foi de um desses lugares da África entre o nada e o lugar nenhum chamado Malaui que veio essa história. William vive numa comunidade (estou sendo bonzinho usando esse termo; sequer pode ser chamada de civilização) que não tinha eletricidade, pouquíssimas pessoas possuíam geradores e água, só através de bombas manuais. Saneamento básico? Esqueça, isso é luxo na África.
William foi retirado da escola por seus pais aos 12 anos, pois eles não podiam pagar por seus livros e cadernos. A região passava por uma seca terrível (o Malaui é um país que vive essencialmente da agricultura) e as condições eram as piores possíveis. Mas para William desistir não era uma opção. Ele não sofria de conformismo e também não ia levantar as mãos implorando ajuda por um deus que não iria ouvi-lo de qualquer maneira. Já que ninguém o ajudaria a aprender, ele decidiu que o faria sozinho.
William começou a estudar por conta numa biblioteca mantida pelas Nações Unidas. Mesmo seu pouco conhecimento de inglês não foi uma barreira, ele estava decidido a encontrar não só o acesso ao conhecimento que lhe fora negado pelas adversidades da vida, como uma saída para a situação agonizante (sem trocadilho) que sua região vivia.
Foi lá que ele encontrou um modelo bem simples de geração de energia: um moinho de vento. Ao perceber que poderia construir aquilo, logo ele pôs a mão na massa. Com nada mais do que sucata, ele construiu o moinho e levou energia elétrica para vários lugares. Claro que a turma do “não pode ser feito” caiu de pau em cima dele, afinal, era um garoto de 14 anos mostrando que abaixar a cabeça não era uma atitude aceitável. Mas o fato é que as pessoas agora podiam ter água mais facilmente com bombas elétricas, carregar seus celulares e acender suas lâmpadas, ou mesmo ouvir rádio e assistir TV.
Resultado: William escreveu um livro, viajou o mundo contando sua história e levando sua ideia para quem precisasse, e até palestrou no TED, duas vezes. Abaixo o vídeo de sua segunda apresentação:
Olhe para o copo d’água na sua mesa. Veja como ela está limpa. Pois bem: mais de 1 bilhão de pessoas no mundo todo (pouco mais de 14% da população total) não tem acesso ao que nós conseguimos de forma banal. Sim, é assustador.
Scott Harrison viu isso de perto. Após uma viagem à África como voluntário, um dos promoters mais badalados de Nova York criou a charity: water, uma instituição que visa apenas levar água limpa às comunidades mais carentes de diversas partes do globo, sem depender de projetos mirabolantes ou valores astronômicos. E ele faz isso inclusive arrecadando dinheiro das baladas que promove hoje em dia.
Diferente de alguns projetos por aí, a charity: water chama atenção por dois motivos: primeiro, seus esforços se focam na segurança de fontes naturais e instalação, reparo e manutenção de poços artesianos, projetos esses que não demandam de grandes investimentos ou infraestrutura. Segundo, a ONG é extremamente transparente: tudo que é doado é usado nos projetos. Ela em si se mantém com consultorias e doações vindas de outras fontes (sim, as contas são separadas). A charity: water também funciona como rede social, onde qualquer um pode criar sua campanha de doação. Cada campanha encerrada, após o dinheiro ser aplicado, em até 18 meses apresentará um gráfico que detalha em que país a contribuição foi investida, quantas pessoas foram beneficiadas, qual o tipo, de projeto, quanto foi gasto nele, etc. Neste link está a campanha de um amigo para a qual doei 50 dólares, e lá está tudo detalhadinho. No momento, através de um e-mail da ONG, soube que o dinheiro foi investido em duas campanhas, uma na Repúbica Democrática do Congo, e outra na Costa do Marfim.
E mais importante: dar acesso à água potável economiza tempo, que pode (e deve) ser empregado em educação, saúde e diversas outras formas. Em suma, ajuda a desenvolver comunidades inteiras. Vejam o vídeo institucional, é muito bom.
São dois exemplos de atitudes de pessoas comuns que, num grau ou noutro, estão dando nova vida a milhares de pessoas ao redor do planeta. Mudar o mundo não consiste apenas de derrubar um governo ou num menor grau, ficar xingando nas redes sociais sem levantar a bunda do sofá. Levar energia e água limpa, para essas pessoas, mudou o mundo. Mudou seu mundo.