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Black Myth: Wukong — Uma nova Jornada ao Oeste

Usando elementos típicos dos soulslike, Black Myth: Wukong é um jogo repleto de ação, gráficos lindos e jogabilidade tão desafiadora quanto divertida

28/08/2024 às 10:33

Em meados de 1570 Wu Cheng'en publicou um dos romances mais fantásticos de todos os tempos. Baseado na peregrinação do monge Xuanzang à Índia, que estava à procura das escrituras sagradas do budismo, Jornada ao Oeste falava sobre Sun Wukong e cerca de 450 anos depois, a história do Rei Macaco é recontada, dessa vez através do jogo Black Myth: Wukong.

Black Myth: Wukong

Crédito: Divulgação/Game Science

Desenvolvido e publicado pela desconhecida Game Science, o título chegou cercado de expectativa pela excelência visual que estava sendo demonstrada e criou uma certa polêmica. Afinal, Black Myth: Wukong é ou não um soulslike? A reposta curta é não, mas ela esconde alguns detalhes importantes.

Para começar, durante o desenvolvimento o estúdio chinês fez questão de distanciar sua criação dos títulos criados pela FromSoftware, com um dos seus representantes chegando a afirmar que estavam felizes por algumas pessoas reclamarem que ele não parecia como tal. Então, por que ainda existe essa dúvida?

Bom, a explicação está no motivo de Black Myth: Wukong beber de várias fontes de jogos de ação, especialmente da série God of War, mas também aproveitar vários elementos que ajudaram a construir o alicerce do subgênero criado por Hidetaka Miyazaki. Embora nele não temos uma penalização pelas mortes (e elas acontecerão em profusão), muito do resto se faz presente.

Enquanto guiamos o Predestinado em direção ao oeste, de tempos em tempos encontraremos santuários onde poderemos fazer uma oferenda e assim garantir que no caso de derrota, reapareceremos naquele lugar. Esses checkpoints também servirão como locais para viagens rápidas, compra de itens, fabricação de armas e armaduras, ou ainda nos dar a possibilidade de remanejar (sem custo) os pontos a serem gastos na árvore de habilidades.

Crédito: Divulgação/Game Science

Esses santuários também costumam estar perto dos chefes e subchefes, o que faz com que a dificuldade de Black Myth: Wukong seja consideravelmente menor que aquela presente no Demon’s Souls e seus derivados. E como esses combates principais são constantes, os mais impacientes gostarão de saber que não teremos que percorrer um longo caminho e enfrentar inúmeros inimigos menores, para só assim termos outra chance contra quem nos derrotou.

Contudo, não pense que esse é um jogo fácil. Embora a Game Science tenha acertado ao nos propor um desafio inicial bastante acessível, para nos habituarmos à jogabilidade, logo esbarraremos em confrontos duros, onde a tentativa e o insucesso acontecerão seguidas vezes.

Para quem está calejado devido os títulos de Miyazaki, o proposto aqui poderá parecer um passeio pelo parque durante boa parte do tempo. Já para aqueles que nunca se acostumaram com tamanho desafio e estiverem esperando a dificuldade normal de algum God of War, o sofrimento deverá ser grande.

Aqui também teremos combates focados nas esquivas e ataques corpo a corpo. Sabe aquela barra de resistência que diminui conforme atacamos, saltamos ou desviamos dos ataques adversários? Também estará presente, o que por si só faz com que ao contrário de Kratos, durante as lutas o Predestinado se comporte muito mais como um lutador de Kung-Fu do que como um tanque de guerra.

Black Myth: Wukong

Crédito: Divulgação/Game Science

Outra semelhança com os típicos soulslike está no recipiente que nos permite restaurar uma parte de nossa energia, aqui conhecido como Porongo. Recarregado nos santuários, o que fará reaparecer os inimigos das proximidades, ele poderá ser modificado com itens que encontrarmos durante a aventura, permitindo que cada gole nos dê, por exemplo, aumento temporário na defesa ou maior resistência a veneno.

Mas Black Myth: Wukong se distancia desses jogos por nos entregar uma progressão bem mais direta, sem muitas bifurcações ou caminhos diferentes para serem seguidos. Nele também não temos a genialidade dos complexos designs de fases típicos da FromSoftware. Sim, neste jogo ainda seremos motivados a explorar, mas não espere um mapa labiríntico repleto de atalhos, segredos e armadilhas.

Mesmo assim, o jogo está cheio de paisagens belíssimas, com os efeitos de iluminação se destacando mesmo no PlayStation 5, onde a Unreal Engine 5 não mostra todo o esplendor de um PC de ponta. Na verdade, a grandiosidade da viagem do nosso personagem é tão incrível, que essa “simplicidade” no design em momento algum se mostra um defeito. Nesse sentido, ele se aproxima muito mais da sua outra fonte de inspiração, o God of War e isso jamais poderia ser considerado algo ruim. Na verdade, considero a objetividade proposta pelo jogo uma virtude, principalmente ao constatar como ela se encaixa na proposta do romance que o inspirou.

Isso porque, se na Jornada ao Oeste o protagonista precisa passar por 81 desafios para alcançar a iluminação, Black Myth: Wukong fala sobre jovens guerreiros que devem sair a procura das seis relíquias que o Rei Macaco espalhou pela China antes de ser aprisionado em uma pedra.  Desta forma, como um desses discípulos teremos seis capítulos pela frente, cada um situado em um bioma e nos colocar numa viagem mais guiada ajuda a tornar a experiência mais dinâmica.

Black Myth: Wukong

Crédito: Divulgação/Game Science

Conforme progredimos conheceremos mais sobre a rica cultura e a fascinante mitologia chinesa, com parte desse conteúdo sendo passado por textos e registros em uma espécie de diário. Embora a maior parte desse material esteja localizado no nosso idioma, há algumas que ainda se encontram em inglês, inclusive com uma pedindo desculpas e informando que eles estão fazendo este trabalho. Também gostaria de deixar registrada minha crítica ao tamanho das legendas, que não podem ser aumentadas e para alguém com dificuldade de visão, algumas vezes elas se tornam ilegíveis.

Já outro ponto que o jogo empresta do romance original é a capacidade do protagonista assumir outras formas. Com essa habilidade, o Predestinado conseguirá capturar o espírito de alguns inimigos e se transformar neles após preencher uma barra. Esse elemento é um dos principais incentivos a sairmos do caminho padrão para nos aventurarmos por desvios e embora boa parte das invocações não sejam muito úteis, algumas serão de grande ajuda durante as principais batalhas.

Por mais que eu já tenha mencionado os encontros com os chefes anteriormente, esse aspecto de jogo mereceria um artigo por si só. Apesar dele não funcionar como um Cuphead, onde praticamente só temos essas batalhas, não é difícil notar que os desenvolvedores dedicaram muita atenção a elas. Em Black Myth: Wukong raramente teremos muito tempo de descanso, pois se em um Dark Souls a tensão se faz presente por qualquer mínima ameaça escondida numa esquina, aqui os nossos batimentos cardíacos raramente baixarão, pois muitas vezes os chefes estão separados apenas por um simples “corredor” habitado por alguns inimigos

É preciso enaltecer o fabuloso trabalho do pessoal da Game Science ao criar esses seres especiais, pois eles são variados, tanto em aparência quanto em padrão de movimentos. Mesmo com alguns picos de dificuldade aqui ou ali, com um pouco de paciência é possível decorar o comportamento desses lutadores e após derrotá-los, teremos outra característica típica dos soulslike, que é a sensação de dever cumprido.

Crédito: Divulgação/Game Science

Com acabamento de jogo de grande porte, desenvolvido por um estúdio indie e explorando a mitologia chinesa, Black Myth: Wukong prova que a indústria daquele país tem potencial para desafiar os gigantes e entregar arrasas-quarteirões de qualidade. Além disso, o título serve de lição para estúdios que continuam apostando em histórias tão batidas no ocidente, pois mesmo sendo mais uma releitura de Jornada ao Oeste, é muito provável que ele também despertará em você o desejo de aprender sobre a mitologia chinesa.

E o resultado dessa aposta tão bem-sucedida por parte da Game Science tem sido visto na aceitação do público, com o jogo tendo se tornado um dos maiores sucessos dos últimos tempos, o que é justificável. A aventura que Black Myth: Wukong nos oferece é singular, desafiadora na medida certa, recompensadora e principalmente, épica como um bom videogame deve ser.

Quanto ao debate se ele deve ou não ser classificado como um soulslike, acredito que isso não seja tão importante. A influência dos jogos da FromSoftware nele é evidente e se a ausência de alguns elementos justifica não o classificarmos assim, que tal ao menos emprestar um termo de outro subgênero e o chamarmos de um soulslite?

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