Ronaldo Gogoni 26/08/2024 às 10:35
O russo Pavel Durov, co-fundador e CEO do Telegram, foi preso no dia 24 de agosto de 2024 no aeroporto Le Bourget, nas cercanias de Paris, no momento em que desembarcava de seu jato particular.
A França já possuía um mandado contra o executivo, que o tornou uma das pessoas mais procuradas do país, por não tomar medidas para coibir o uso de seu app em diversas atividades criminosas, especialmente o compartilhamento de pornografia infantil, entre outras acusações.
As autoridades francesas não deram maiores detalhes acerca da prisão, e sequer esclarecem se Durov permanecerá preso durante todo o processo (tudo indica que será o caso), o que pode gerar problemas para o Telegram: o CEO centralizava em si todas as decisões cruciais da plataforma, e o único responsável pelo caixa da empresa, onde fazia questão de realizar ele mesmo todos os pagamentos, inclusive os ligados à infraestrutura do app.
Há uma certa ironia nessa história, não dá para negar. Por anos, Pavel Durov bateu cabeça com o governo da Rússia, desde os tempos do VK, por se recusar a entregar ao Kremlin dados de membros da oposição, que usavam a plataforma. Como resultado, o executivo saiu da empresa, que acabou absorvida pela estatal Mail.ru Group, o atual VK, e fundou o Telegram com o irmão mais velho, Nikolai, em 2013.
A partir de 2014, o Telegram também foi alvo de pressão de Moscou pelos mesmos motivos, e as coisas escalaram quando o app implementou o recurso de criptografia de ponta a ponta, que protege as conversas dos usuários e impede o acesso a quem não tem as chaves. O mensageiro acabou "bloqueado" na Rússia, e os Durov se mandaram do país, no que Pavel se estabeleceu em Dubai, e em 2021 recebeu cidadania emiradense.
Claro, como as ironias nunca acabam, os russos nunca deixaram de usar o Telegram, o app é inclusive crucial na articulação da invasão das forças do país à Ucrânia, sem contar os inúmeros canais de propaganda pró-Moscou e anti-Kiev, e vice-versa.
A prisão de Durov na França, país em que o executivo também possui cidadania desde 2021, se deu principalmente devido à criação, em 2023, do L'Office Mineurs (OFMIN), ou Departamento de Menores, cuja função é combater agressivamente crime cometidos contra crianças e adolescentes do país.
Uma investigação preliminar do OFMIN concluiu que, devido à proteção irrestrita das conversas e de tudo o que é compartilhado no Telegram, no que Durov defende que seus usuários têm direito à "liberdade de expressão absoluta", a plataforma se tornou um covil do crime, em que os responsáveis ignoram conteúdos que envolvem crime organizado, apologia ao terrorismo, cyberbullying, tráfico de drogas, pirataria, e abusos contra menores de idade.
Isso não é nem caso isolado da França, para as autoridades, qualquer app que possua criptografia ponta a ponta, e cujos moderadores não ficam de olho no que usuários postam, pode e será usado para cometer crimes, mas diferente do WhatsApp, por exemplo, o Telegram oferece total anonimato e não associa perfis a números de telefone, e recursos como destruição de imagens também são considerados controversos, pois apagam rastros.
Especialistas e autoridades veem o Telegram como um puxadinho da Deep Web, que traz à superfície conteúdos que normalmente ficam relegados às profundezas da internet, e como Pavel Durov é responsável pela administração do Telegram, que conta com certa de 60 profissionais (segundo a mesma), e por ser contra a moderação de conteúdos compartilhados, o executivo foi diretamente responsabilizado por facilitar crimes, e teve um mandado de prisão expedido contra ele.
A posição de Durov em relação ao Telegram não é muito diferente de Elon Musk e sua defesa do compartilhamento de quaisquer conteúdos no X, o que colocou o bilionário e os reguladores europeus em pé-de-guerra; ao mesmo tempo, não há a menor possibilidade de Musk ser preso, até porque isso levaria a uma escalada de tensões com o governo dos Estados Unidos, graças a missões específicas da SpaceX, que o colocam sob proteção do Serviço Secreto.
As informações sobre a prisão de Durov são poucas. O OFMIN direciona todos os questionamentos ao Ministério da Justiça da França, que não se manifestou até o momento; em nota, a procuradoria geral disse apenas que um pronunciamento oficial deverá ser divulgado nesta segunda-feira (26).
Extraoficialmente, fontes afirmam que o executivo pode permanecer preso por toda a duração do processo legal, provavelmente como forma de evitar que ele fuja do país. Enquanto isso, e para adicionar mais ironia ao caso, a embaixada da Rússia em Paris acusou os franceses de não darem motivos claros para a detenção, e não facilitar acesso consular; trocando em miúdos, Durov estaria incomunicável, e só o que se sabe é que ele dormiu as duas últimas noites em uma cela.
O Telegram continua ativo, mas caso a prisão de Durov seja estendida, as coisas podem se complicar um pouco. Segundo Anton Rozenberg, ex-CTO do VK, que trabalhou como Diretor de Projetos Especiais do Telegram entre 2016 e 2017, embora a plataforma tenha caixa para constituir uma boa defesa (em nota oficial, a equipe do app disse que o executivo "não tem nada a esconder"), o CEO tem a tendência a não delegar, até pela equipe pequena do app, e centraliza em si todas as tomadas de decisão importantes, o que inclui... pagamentos.
O profissional diz que nenhum outro dentro da companhia (não se sabe até onde vai a influência de Nikolai Durov no Telegram) tem autonomia para cumprir com as obrigações junto a companhias de infraestrutura, e tudo, de planejamento a marketing, de financiamento a estratégias, de design de produtos a monetização, e também moderação de conteúdo (insuficiente, segundo as autoridades) passa pelas mãos de Pavel.
É bem provável que Pavel Durov não fique preso por muito mais tempo, e acabe solto sob custódia para responder ao processo em liberdade, mas caso os franceses não queiram facilitar as coisas, o Telegram pode enfrentar alguns problemas, quando os boletos começarem a chegar.
Fonte: WIRED