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Google vai financiar notícias (com IA) na Califórnia

Google bancará aceleradores de IA a agências de notícias na Califórnia, para barrar nova lei; acordo isenta o Meta e é visto como retrocesso

22/08/2024 às 11:10

O Google está prestes a resolver sua disputa com o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, sobre o pagamento de direitos autorais pela indexação de links de notícias. A companhia fechou um acordo com legisladores locais, no que ela irá investir nas agências do estado, mas também em um fundo local, voltado a uma aceleradora movida a Inteligência Artificial (IA).

Como consequência, a Lei proposta que obrigaria a gigante a pagar pelos links não deve ser aprovada, o que especialistas consideram uma solução menos que o ideal: primeiro, o acordo livra a cara do Meta, o outro alvo da legislação proposta; segundo, a iniciativa em IA pode levar à demissão em massa de jornalistas, que serão substituídos por algoritmos.

Para não pagar por links de notícias, Google investirá até US$ 180 milhões em agências da Califórnia, mas também irá fomentar iniciativas em IA (Crédito: Stable Diffusion/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Para não pagar por links de notícias, Google investirá até US$ 180 milhões em agências da Califórnia, mas também irá fomentar iniciativas em IA (Crédito: Stable Diffusion/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Google não quer pagar por indexação de links

Como todos sabem, o lobby das agências de notícias para forçarem companhias de tecnologia, como Google e Meta, a pagar pela indexação e veiculação de notícias, começou em 2018 e foi puxado por Rupert Murdoch, o então diretor-executivo da News Corp. O argumento é simples, matérias jornalísticas e seus links são protegidos por copyright, e a veiculação por terceiros, não importa como, implica em pagamentos devidos às agências.

Tanto o Google quanto o Meta (na época, Facebook) protestaram, mas esse argumento é firmemente calcado na DMCA, a Lei de direitos autorais e anti-pirataria, vigente em vários países, inclusive no Brasil, que como todos sabem, é soberana: usou, pagou. Usou e não pagou, ou usou sem autorização, o Processinho chega, seja a quem for.

Murdoch defendia que "fontes de notícias confiáveis" implicam em custos diversos, de investigação e pesquisa, para que matérias e notícias sejam publicadas, mas Google, Meta e outros pegavam esses links e os indexavam, revertendo todo o dinheiro de anúncios relacionados para si, sem pagar um tostão às agências, o que o magnata da mídia considerou inadmissível. Ele promoveu um lobby fortíssimo na Austrália, seu país natal, que foi pegando tração em outras localidades.

Essa briga teve episódios desconcertantes, como quando o Google removeu toda a indexação na Espanha (retrocedeu depois), mas quando tentou o mesmo na França, a gigante das buscas recebeu como resposta um processo, no que foi acusada de abuso de poder econômico, e de ferir a neutralidade da rede; para seu desespero, a Comissão Europeia concordou com os franceses.

Não demorou muito, e a UE promoveu uma reforma dos direitos autorais, no que companhias tech passaram a ser obrigadas por Lei a indexarem links, e consequentemente, a pagarem o que devem, onde não podem deletar nada, e nem reduzir sua visibilidade. Outros países, como Nova Zelândia, Reino Unido, Canadá, e Brasil, possuem projetos similares, no que as companhias de Sundar Pichai e Mark Zuckerberg usam sempre a mesma ameaça de desindexar tudo, mas acabam fechando acordos depois, para evitar serem obrigados judicialmente a abrirem seus cofres.

A Califórnia foi, sem surpresa, o primeiro estado dos EUA a propor uma Lei similar, e novamente o Google usou a ameaça de remover os links de seu motor de busca, de todas as agências locais, o que nos traz à situação atual.

Segundo o site Politico, Mountain View fechou um acordo com legisladores da Califórnia, em que estes se comprometem a não aprovarem a Lei de Preservação do Jornalismo (Journalism Preservation Act em inglês), algo que aparentemente o governador democrata Gavin Newsom não se sentia à vontade de sancionar, caso ela passasse no Plenário.

No acordo, o Google deverá injetar em torno de US$ 55 milhões em uma ONG voltada ao jornalismo, administrada pela Universidade da Califórnia em Berkeley, mais US$ 70 milhões diretamente no Estado, e outros US$ 50 milhões, num prazo de cinco anos, em programas existentes voltados ao jornalismo.

Ao mesmo tempo, segundo o site Cal Matters, o Google destinará US$ 17,5 milhões a um "programa nacional de aceleração em IA", voltado a iniciativas e experimentos para organizações, empresas e instituições, que possam se beneficiar de algoritmos generativos e sistemas especialistas, incluindo agências de notícias.

Google News em dispositivo Android (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Google News em dispositivo Android (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Livrar Meta e financiar IA não agradou

Uma das críticas ao acordo diz respeito ao Meta, que caso a Lei de Preservação do Jornalismo não seja descartada, seria igualmente forçado a pagar pelos links de notícias, da mesma forma que o Google; da maneira como o estado da Califórnia conduziu as negociações com o Google, Zuck não terá que gastar um centavo sequer, a menos que seja chamado pelos representantes do estado a também fechar um acordo.

Enquanto isso, especialistas estão acusando os políticos da Califórnia de colocarem os prestadores de serviço, como sempre o elo mais fraco, na linha de fogo; ao forçar o Google (e talvez o Meta e outras gigantes, num futuro próximo) a financiarem uma aceleradora de IA, esta proverá soluções generativas a empresas, incluindo as agências, que tornarão empregos redundantes, levando a outra onda de demissões em massa, ao trocar jornalistas e outros trabalhadores por IAs.

De fato, o acordo fechado com o Google não é unanimidade nem entre os legisladores da Califórnia.

O senador Steve Glazer (DEM/Bay Area), autor do texto da Lei de Preservação do Jornalismo, por exemplo, disse que o acordo é "completamente inadequado", e que não resolve o problema a longo prazo; já o senador Mike McGuire (DEM/Sonoma) disse que a proposta "não oferece fundos suficientes" às agências, e "não resolve o problema de desigualdade enfrentado pelo setor", onde Google e Meta ganham muito dinheiro com o trabalho alheio, enquanto veículos de mídia mínguam.

Do outro lado, as opiniões também estão divididas. A Associação de Editoras de Notícias da Califórnia, por exemplo, chamou o acordo de "um primeiro passo" em direção a um modelo de receita justo, enquanto o jornalista Matt Pearce, presidente do sindicato Media Guild of the West, que representa os trabalhadores do setor, acusou o Google de "usar seu poder como um monopólio" para virar a situação a seu favor.

Já para Buffy Wicks, membro da Assembleia do estado da Califórnia, e a principal articuladora do acordo, ele representa ganhos para a agências, e que a aceleradora de IA é "uma parte menor" do que foi decidido; ao mesmo tempo, ela disse estar trabalhando com o que é possível agora, uma resposta tanto àqueles que apoiam o texto da Lei original, quanto às críticas dos sindicatos.

Em nota, o Google felicitou o governador Newsom e os senadores por chegarem a um consenso, e que "essa parceria público-privada é sustentada pelo longo histórico (do Google) e seu trabalho com o jornalismo e com o ecossistema local de agências da Califórnia, enquanto desenvolvemos um centro nacional em políticas de IA"; ao mesmo tempo, lembrou que a Lei de Preservação do Jornalismo "ameaça colocar o suporte ao setor em risco", e mantém sua posição avessa a ela.

Fonte: Politico, Cal Matters, Engadget

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