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IA é o futuro, mas maiores são os poderes do Copyright

News Corp. e Sony Music (e talvez Scarlett Johansson) lembram Sam Altman, da OpenAI, que IA não poderá usar a carta do uso aceitável

18 semanas atrás

Desenvolvedores e companhias por trás das soluções generativas de Inteligência Artificial (IA) dependem de uma quantidade mamutesca de dados, para treinar seus modelos e entregar resultados dos mais diversos possíveis, com precisão. O problema, a grande maioria dos dados de origem, sejam textos, fotos, áudio, vídeo, código-fonte, são protegidos por direitos autorais, e a coleta é muitas vezes feita contra a vontade de seus controladores.

Novas regulações, incluindo a Lei de IA da União Europeia, autorizam detentores dos copyrights a exercerem seus direitos contra as IAs, no que Sam Altman, CEO da OpenAI, sacou uma carta convenientemente demais para si: algoritmos generativos não deveriam ser processados, pois têm o potencial de "trazer benefícios" a toda a humanidade, se valendo assim do conceito do Uso Aceitável.

Sam Altman tentou proteger OpenAI de processos por infração de copyright, alegando que a IA trará benefícios à humanidade. Não colou (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Sam Altman tentou proteger OpenAI de processos por infração de copyright, alegando que a IA trará benefícios à humanidade. Não colou (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Infelizmente para Altman, a jogada não colou. Os processos continuam chegando, os juristas e legisladores lhes dão aval para prosseguir, e todos os envolvidos já entenderam que terão que dançar conforme a música, fechando acordos, abrindo os cofres, e removendo dados quando solicitado, pois o Copyright, muito bem escorado na DMCA, é soberano.

Vejamos três casos distintos, dois deles envolvendo especificamente a OpenAI, mas que servem como um norte aos demais modelos generativos:

IA vs. Sony Music: sem acordo

A Sony Music, a gravadora e divisão musical da gigante japonesa, tem um histórico de ser tão, mas TÃO protecionista em relação ao seu catálogo, que em uma das passagens mais bizarras dos primórdios da música digital, a RIAA (Recording Industry Association of America, associação de gravadoras) abriu um processo contra o portal Launch.com, do qual a Sony (a matriz) detinha parte de suas ações.

Sim, por um breve momento, a Sony processou a si mesma, logo, que chances quaisquer outros têm?

Músicas também são coletadas por modelos generativos dos mais diversos, isso inclusive deu rolo entre a ByteDance e a Universal Music, com esta removendo todo o seu catálogo do TikTok, por questões envolvendo treinamento em IA e uso não autorizado, leia-se não devidamente remunerado, tanto que as músicas de artistas como Taylor Swift, Drake e outros só voltaram à rede, após um novo acordo de licenciamento firmado.

Já com a Sony Music, não teve conversa. Desde o dia 17 de maio de 2024, a gravadora despachou mais de 700 notificações, a TODOS os responsáveis por modelos generativos e serviços de streaming, grandes, pequenos, e gigantes, incluindo Microsoft, Google, OpenAI, Suno, e Udio. A mensagem era curta e grossa: eles devem remover todo o catálogo da Sony, com músicas de todos os artistas que representa, de todos os modelos que existem. Quem não se submeter, será processado por infração de copyright.

Roberto Carlos é o músico brasileiro mais valioso do catálogo da Sony Music (Crédito: Brazil News)

Roberto Carlos é o músico brasileiro mais valioso do catálogo da Sony Music (Crédito: Brazil News)

O portfólio internacional da Sony Music inclui músicos "pequenos" como Beyoncé, Adele, Bob Dylan, Alicia Keys, Britney Spears, Celine Dion, David Gilmour, Foo Fighters, Jennifer Lopez, e vários outros; no Brasil, a gravadora representa artistas como Roberto Carlos, Marisa Monte, Djavan, Ana Carolina, Pablo Vittar, Martinho da Vila, Gusttavo Lima, Emicida, Karol Conká, Aline Barros, Fernanda Brum, e outros.

A Sony Music explica que fez opt-out de todos os serviços e modelos generativos, e de ferramentas que fazem coleta de áudios e textos (no caso, as letras das músicas dos artistas que representa), independente do objetivo, seja treinamento, desenvolvimento, ou distribuição (livre ou paga, não importa) de soluções de IA, e não há meios-termos: caso alguém seja pego fazendo mineração de suas músicas ou letras, o Processinho chegará, seja a quem for.

Procurada, a Sony Music não comentou o assunto.

OpenAI vai pagar por notícias

Em janeiro de 2018, muita gente achou graça quando Rupert Murdoch, o então chefe do conglomerado de mídia jornalística News Corp. (Fox News, The Wall Street Journal), propôs que Google, Meta e outros portais, redes sociais e buscadores, pagassem às agências de notícias pela indexação e veiculação de "fontes de notícias confiáveis". O Google se recusou, e chegou a puxar o tapete da Espanha, mas quando tentou a mesma jogada na França, levou um processo na cara como resposta.

Na época, o Parlamento francês argumentou que o ato de Mountain View, em desindexar todos os links de notícias do país para não ter que pagar nada, caracterizava abuso de poder econômico, e feria a neutralidade da rede. A União Europeia (UE) concordou, e como consequência, leis foram passadas para OBRIGAREM as empresas a indexarem os links, e consequentemente, a pagarem o que devem. O mesmo argumento é defendido no Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, e Brasil.

Note que o movimento é um claro lobby da imprensa, em favor de receber pela veiculação e indexação de links, e que o uso deles sem remuneração foi entendido como violação de copyright. Logo, não demorou para que essa linha de raciocínio fosse estendida à IA, no caso, a coleta de textos, áudios e vídeos de notícias para o treinamento de modelos generativos.

O primeiro a abrir um processo contra a OpenAI foi o The New York Times, seguido de mais veículos, todos protestando contra a coleta de seus conteúdos. Não muito tempo depois, a companhia de Sam Altman jogou a toalha e começou a fechar acordos com as agências, como Axel Springer (Business Insider, Politico), Financial Times, e Associated Press (AP). Nesses acordos, a OpenAI terá acesso às notícias para o treinamento de seus modelos.

A negociação não renderá um centavo sequer aos jornalistas e autores das notícias, e estes estão reclamando bastante por serem deixados de fora, mas como profissionais contratados, os textos, vídeos e áudios pertencem à empresa, não a eles. Capitalism 101.

Rupert Murdoch, que se aposentou do comando da News Corp., foi quem puxou a onda de forçar buscadores e redes sociais a pagarem por links de notícias; IAs vieram na esteira (Crédito: Getty Images)

Rupert Murdoch, que se aposentou do comando da News Corp., foi quem puxou a onda de forçar buscadores e redes sociais a pagarem por links de notícias; IAs vieram na esteira (Crédito: Getty Images)

Agora foi a vez da News Corp., hoje comandada por Lachlan Murdoch. Na última quarta-feira (22), a gigante das notícias anunciou um acordo fechado com a OpenAI, no valor de US$ 250 milhões, no que a empresa de Sam Altman terá acesso a basicamente todo o acervo da agência, de notícias atuais e arquivadas, para melhorar seus modelos.

Fora notícias, a OpenAI também fechou um acordo remunerado com o Reddit, para ter acesso a todas as postagens da rede social, que não oferece opt-out aos usuários: seus posts serão vendidos, você não vai receber nada e não pode impedir a coleta, e se não concorda, encerre sua conta.

Scarlett Johansson vs. Sky

O mais recente caso de IA vs. Copyright envolve a OpenAI de novo, desta vez às avessas com Scarlett Johansson. Uma das vozes do chatbot do ChatGPT, chamado Sky, era muito familiar à da atriz, especificamente o tom que ela fez para a IA que interpretou no filme Her, de Spike Jonze.

Acontece que Scarlett chegou a ser sondada para dublar a ferramenta, mas recusou, e a voz introduzida, mesmo sendo de outra mulher, é familiar demais à sua, o que está sendo entendido como um ato deliberado de imitar sua voz, no caso, orientando a atriz contratada a imitar os maneirismos que a ex-Viúva Negra usou no filme, que já foi citado no aberto por Sam Altman. A companhia nega, claro.

Documentos recentes e testemunhas alinhados à OpenAI afirmam que a empresa "nunca teve a intenção" de criar um chatbot com uma voz que imita a de Johansson, mas especialistas em Direito dizem que isso pouco importa, se a atriz optar pelas vias legais na Califórnia, alegando o resguardo de seus direitos de publicidade.

Especialistas em direito dizem que, caso Scarlett Johansson processe a OpenAI na Califórnia, clamando direito à publicidade, ela tem grandes chances de levar a melhor (Crédito: Dimitrios Kambouris/ Getty Images)

Especialistas em direito dizem que, caso Scarlett Johansson processe a OpenAI na Califórnia, clamando direito à publicidade, ela tem grandes chances de levar a melhor (Crédito: Dimitrios Kambouris/ Getty Images)

A Lei do estado norte-americano diz que uma pessoa pública tem o direito de proteger sua aparência e voz, contra outros que busquem se apropriar deles em proveito próprio (lucro), o que inclui apelar para sósias e imitadores, e há histórico a favor de personalidades em alguns casos.

Em 1988, a atriz Bette Midler processou a Ford, quanto esta contratou uma imitadora para uma série de comerciais, quando a primeira recusou uma oferta para participar da campanha. A Corte de Apelações dos EUA deu ganho de causa à Midler, entendendo que esta dependia de sua aparência e voz para trabalhar, e o uso dos mesmos por outros, através de imitações, prejudicava sua imagem e reduzia as ofertas de trabalho, já que um lookalike é mais barato.

Na mesma época, o cantor Tom Waits processou a Frito-Lay, uma das divisões da PepsiCo., pelo mesmo motivo (o uso de um imitador, neste caso, em um comercial do salgadinho Doritos), e também ganhou a ação. Em comum, ambos processos foram abertos na Califórnia.

Caso a Scarlett opte por esse caminho (ainda não está claro se ela ou seus advogados pretendem processar a OpenAI, ou não), ela teria que provar na corte que sua voz, o motivo da celeuma, é uma marca não registrada, ou seja, outros seriam permitidos imitá-la, mas, ao mesmo tempo, a voz da atriz não-identificada da Sky (a OpenAI mantém sua identidade sob sigilo), levaria todo mundo a associar o chatbot à IA de Her, que ela interpretou, e que embora negue, esse foi o intuito da companhia de Sam Altman na empreitada, após sua recusa na participação do projeto.

A favor da OpenAI, estaria o fato que não há uma legislação federal nos EUA que rege sobre os direitos de publicidade, as leis ficam a critério de cada estado, e em embora a Califórnia, onde fica a sede da empresa, possua uma lei nesse sentido, ela nada diz sobre voz replicada por IA, ainda mais com a fonte sendo outra atriz. Porém, outra lei protege indivíduos contra o uso comercial de sua imagem sem autorização, o que pode ser usado neste caso.

Quando Sam Altman usou a carta do Uso Aceitável, ele o fez tentando usar o conceito que protege a violação de direitos autorais em casos específicos, por exemplo, quando o ato rende benefícios à sociedade, com produtos e bens acessíveis, educação, etc. No entanto, é fato que a OpenAI lucra muito com seus modelos, e a coleta de dados irrestrita, como o executivo deseja, é feita primariamente para gerar dinheiro.

Infelizmente para Altman, ninguém caiu na sua conversa fiada, e para a OpenAI e outros modelos generativos serem permitidos operar, seus responsáveis terão que abrir a carteira, seja fazendo acordos, ou pagando multas e processos.

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